O Tribunal Distrital de Díli devolveu ao Ministério Público o processo de acusação contra um casal de cidadãos portugueses que está retido em Díli há dois anos, por erros da procuradoria no que toca à notificação de um terceiro arguido.

Em causa está a acusação, pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental, contra Tiago Guerra e a sua mulher, Chang Fong Fong Guerra, que continuam sem data marcada para julgamento.

Coarguido no mesmo processo e acusado dos mesmos crimes está o cidadão norte-americano Bobby Boye, um ex-conselheiro do setor petrolífero que defraudou o Governo timorense e que, em outubro de 2015, foi condenado por um tribunal federal norte-americano a seis anos de prisão e a devolver mais de 3,51 milhões de dólares a Timor-Leste.

A acusação foi assinada pela procuradora timorense Angelina Joanina Saldanha no passado dia 29 de julho, mas os arguidos portugueses só foram notificados a 4 de outubro, altura em que o processo foi entregue no TDD.

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O despacho assinado pela presidente do coletivo de juízes do TDD, Jacinta da Costa, na terça-feira e a que a Lusa teve acesso hoje, manifesta dúvidas sobre o que se refere à eventual separação ou não do processo em dois, um para o casal português e outro para Bobby Boyle.

O despacho nota que o próprio MP confirma que Bobby Boye “não foi notificado da acusação do MP”, tendo feito um despacho “em que ordena extrair a certidão” do processo, o que poderia sugerir a separação do processo.

Porém, explica a juíza, nos autos não “existe a informação relativa ao cumprimento do mencionado despacho do MP pelo oficial da justiça desta instituição” pelo que o tribunal diz não perceber se esse despacho para extrair certidão é ou não para separar o processo de Bobby Boye do dos outros arguidos.

“Pelo exposto verifica-se que o oficial de justiça do MP ainda não cumpriu o despacho do MP sobre extrair a certidão dos autos. Pelo exposto, ordena a devolução dos autos ao MP porque é uma questão prévia que obsta a apreciação do mérito da causa”, conclui a juíza timorense.

Questionado sobre o despacho, Tiago Guerra manifestou preocupação pelo facto de tudo indicar que “um novo erro do MP volta a atrasar todo o processo” que se arrasta há dois anos.

“Estava esperançado que finalmente havia algo por escrito de que me poderia defender. Continuo a ter esperança porque vejo que o TDD está realmente a olhar para o processo e a descobrir as falhas e espero que as coisas se clarifiquem rapidamente”, disse.

“Reitero a nossa inocência e apelo novamente às autoridades timorenses para que garantam que os prazos são aplicados e não se continua a arrastar mais um processo que já dura há dois anos”, disse.

Na acusação o MP considera os três arguidos responsáveis pela autoria material em concurso real e na forma consumada dos três crimes.

Como provas, além de documentos contidos no processo, o MP timorense apresenta quatro testemunhas incluindo o ex-vice-ministro das Finanças Rui Hanjam, dois outros funcionários do Ministério das Finanças e a atual ministra, Santina Cardoso.

A procuradora defende a manutenção das medidas de coação, considerando até que “se reforçaram os pressupostos que determinaram a aplicação” dessas medidas.

Pede ainda que os três arguidos sejam condenados a pagar uma compensação civil no valor do que dizem ser as perdas do Estado timorense, que totalizam 859.706,30 dólares.

No caso do crime de peculato e de branqueamento de capitais, as penas máximas previstas no Código Penal timorense são de 12 anos de cadeia e para o crime de falsificação de documentos a pena máxima é multa ou três anos de prisão.

Tiago Guerra e a mulher só foram ouvidos pelo MP em junho último, mais de 20 meses depois de ser detido, estando há quase dois anos impedido de sair do país e com Termo de Identidade e Residência.

Tiago Guerra foi detido para interrogatório a 18 de outubro de 2014, passou três dias na esquadra da polícia de Caicoli e a 21 do mesmo mês foi ouvido no Tribunal de Díli, quando o juiz ordenou a sua prisão preventiva, entrando na cadeia de Becora, onde ficou preso até 16 de junho do ano passado.

Desde aí está, como a mulher, com Termo de Identidade e Residência (TIR) e impossibilitado de sair do país.

No pior cenário, se o processo avançar para julgamento e mesmo sem considerar eventuais penas de prisão, o casal poderá ficar ainda vários anos impedido de sair de Timor-Leste até que se conclua o julgamento e eventuais recursos.