O desabafo é de James Clapper, o homem que durante os últimos seis anos liderou os serviços de informações dos Estados Unidos: as ameaças à segurança que se colocam aos Estados soberanos são de tal forma complexas que o período da Guerra Fria chega a deixar saudades. “Às vezes sinto saudades dos dias dourados da Guerra Fria”, ironiza.

Clapper, que se prepara para deixar o cargo depois de ter sido nomeado por Barack Obama, em 2010, deu uma rara entrevista à Wired, onde fala sobre vários temas, desde os escândalos associados aos programas de segurança interna dos Estados Unidos ao papel que o seu sucessor, Mike Pompeo, um republicano associado ao movimento ultra-conservador Tea Party, pode vir a desempenhar no futuro. Mas o que salta mais à vista na entrevista de Clapper é o facto de o norte-americano nomear, sem grandes dúvidas, a “ciberguerra” como a maior ameaça à segurança dos países.

O ainda diretor dos serviços de informações norte-americanos acredita que os países podem facilmente mergulhar numa estratégia idêntica à utilizada durante a Guerra Fria e que ficaria conhecida como Destruição Mútua Assegurada — na prática, cada país procurava assegurar o poder nuclear necessário para garantir que a outra parte não tinha a tentação de iniciar um conflito. Quando o inimigo é uma sombra, no entanto, a resposta é ainda mais complexa e difícil de perceber. “As pessoas percebem a dissuasão nuclear, mas com a ciberguerra é muito mais difícil”, reconhece James Clapper.

Os problemas que se colocam, analisa James Clapper, vão para lá do roubo de informação sensível. Envolvem armas informáticas, que poderiam atacar centrais nucleares — como, aliás, conseguiram fazer os Estados Unidos e Israel com as centrais nucleares iranianas [Programa Stuxnet] –, mas também instrumentos de manipulação de informação, atacando estruturas governamentais e industriais.

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Tudo somado, a previsão de Clapper é preocupante: ao contrário do que aconteceu durante o século XX, quando quem detinha a informação detinha o poder, agora, quem detiver a habilidade para ganhar a ciberguerra pode subjugar uma nação inteira.

Para James Clapper, de resto, os Estados Unidos estão demasiado focados na luta contra o terrorista. “Desde a guerra espacial, a China e a Rússia construíram armas anti-satélite que ameaçam o domínio dos Estados Unidos. [A isto somam-se os desenvolvimentos] na inteligência artificial e na modificação genética que podem colocar em causa a segurança social”.

Existe ainda outro apontamento da entrevista de James Clapper que deixa alguns calafrios. Quando questionado sobre se o mundo e os norte-americanos devem habituar-se à ideia de viver com ameaça permanente do terrorismo, o diretor dos serviços de informações é claro: “Sim”. E faz uma nova comparação com o período da Guerra Fria. “Levou tempo até nos acostumarmos à Guerra Fria. Décadas”. Será um longo caminho até nos habituarmos a viver com o terrorismo.