Fidel Castro dirigiu os destinos de Cuba durante quase meio século mas apenas esteve em Portugal duas vezes, uma de passagem, quando elogiou o clima e outra mais longa, que terminou com a frase “gosto muito dos portugueses”.

“Gosto muito dos portugueses, esta estada ultrapassou as minhas expetativas”.

Era 19 de outubro de 1998 e Fidel tinha acabado de se reunir com o empresário Américo Amorim, partindo depois para Lisboa, no final de uma visita de três dias a Portugal, no âmbito da VIII Cimeira Ibero-Americana, que decorreu no Porto.

Fidel voltaria a Portugal menos de três anos depois, breves horas entre viagens com oportunidade para se encontrar com o então primeiro-ministro António Guterres e Jorge Sampaio, Presidente da República na altura, com quem jantou.

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Chegou ao fim do dia e partiu de madrugada, quase discreto não fosse Fidel Castro. Ainda assim nada como quando da cimeira do Porto e dos longos discursos, um no evento e outro num espetáculo de solidariedade para com Cuba, quando chegou perto da meia-noite e discursou duas horas e meia.

“Eu sei que aborreci um pouco as pessoas e os chefes de governo estão um pouco aborrecidos comigo”, confessou aos jornalistas na hora da partida, quando lhes disse também desejar voltar a Portugal. “Logo que puder” farei cá “uma escala”, disse.

Aconteceu a 17 de maio de 2001, no regresso a Cuba de uma visita de 10 dias à Argélia, Irão, Malásia, Qatar e Síria (com uma escala surpresa na Líbia para visitar o então dirigente líbio e amigo Muammar Kadhafi). Chegou a Lisboa às 18h30, descansou um pouco num hotel, reuniu-se com o primeiro-ministro e depois jantou com o Presidente da República. Como habitualmente despertou curiosidade e palavras de ordem contra o bloqueio dos Estados Unidos à ilha.

O embargo imposto pelos Estados Unidos começou em 1962 tinha acabado de ser reforçado pelo então Presidente norte-americano George W. Bush. Fidel comentou esse reforço em Lisboa, apelidando-o de “excelente”, por demonstrar, justificou, que a administração Bush usava “pouco a cabeça”, cometendo “mais erros”.

Bom conversador, tranquilo e simpático, justificou ainda aos jornalistas a escala em Lisboa e não em Madrid: “Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa” e, por isso, “não tão longe como Espanha”. Partiu à 01h40 para Havana.

Esse “gosto” ter-lhe-á ficado de outubro de 1998. Às 11h00 de dia 16 aterrava no Porto, precisamente uma semana depois de ter sido anunciado o prémio Nobel da Literatura para José Saramago. Ainda no aeroporto Fidel falou do amigo que esperava encontrar.

E encontrou, mas antes disse que os três símbolos da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, não chegaram ao fim do século XX, que a globalização tem “perigos muito grandes” (o tema de cimeira era “os desafios da globalização”), ou que “a ordem mundial dos Estados Unidos está condenada a entrar em crise”. À hora de almoço de dia 19 partiu para Espanha.

Deixara um memorável discurso na noite anterior em Matosinhos (numa festa promovida pela Associação de Amizade Portugal-Cuba), e encontros com o antigo primeiro-ministro Vasco Gonçalves (morreu em 2005) ou com Carlos Carvalhas (na altura secretário-geral do PCP), além de José Saramago (morreu em 2010).

Foi em 1975, quando Vasco Gonçalves era primeiro-ministro, que Lisboa e Havana mais próximas estiveram. Otelo Saraiva de Carvalho, um dos operacionais do 25 de abril, visitou Cuba nesse ano e foi recebido com pompa e circunstância.

Depois o Presidente Mário Soares apelidou Fidel Castro de “dinossauro”, e o primeiro-ministro António Guterres disse que preferia líderes democráticos cubanos a Fidel. Antes da visita de 1998 recebida “com prazer”, quando “el comandante” descobriu que até gostava muito dos portugueses.

Ficou por saber-se se a sua opinião mudou quando em 2001 o presidente do CDS/PP, Paulo Portas (que em novembro passado fez uma visita oficial a Cuba como vice-primeiro-ministro, acompanhando 30 empresas portuguesas) disse no Parlamento que Fidel seria sempre “persona non grata” em Portugal, criticando que fosse acolhido em Portugal e até lhe dessem de jantar.

Ou quando o amigo Saramago, em abril de 2003 e na sequência de terem sido fuzilados três cubanos dissidentes que tinham sequestrado um barco, escreveu: “Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, destruiu as minhas esperanças e defraudou as minhas expectativas”.