É o frio, é o relvado, é o árbitro, é o poste, é a chuva, é o guarda-redes. As desculpas esfarrapadas acumulam-se para justificar um mau resultado. As do Porto é uma intrigante colecção do prefixo falta. Hein? Falta de atitude. Falta de discernimento. Falta de pontaria.

Com o 0-0 no Restelo, algo inédito no século XXI (o último é de 1999), o Porto soma cinco empates nos últimos seis jogos, quatro deles sem um golo para amostra. Aliás, a equipa de Nuno Espírito Santo esbarra invariavelmente no 0-0. Basta ver os últimos 400 minutos, 120 com o Chaves e 180 com Copenhaga mais Belenenses: zero golos sofridos (booooa Casillas e, vá, José Sá) e zero golos marcados (errrr, André Silva, Diogo Jota, Corona, Otávio e Depoitre chamados à recepção). Incrível? Nem tanto. Nos únicos três casos históricos de alergia à baliza adversária em três jogos seguidos (José Maria Pedroto 1978, Carlos Alberto Silva 1991 e José Mourinho 2004), o Porto é sempre campeão nacional. Convenhamos, desta vez a situação está ligeiramente fora de controlo. Pela tal colecção de faltas.

A de atitude, por exemplo. Em Tondela, é assim. No Bonfim, idem idem. No Restelo, aspas aspas. O Porto entra sempre adormecido e dá uma parte de avanço. Falta chama, intensidade e verticalidade. O Belenenses, anfitrião sofrível em 2016-17 (apenas uma vitória, e já em Setembro, em cinco jogos), tem 21 dias para preparar o clássico e entra mais afoito que o Porto. Isso não significa necessariamente que os remates se sucedam à baliza de Casillas. Nada disso. Só que o Belenenses atira-se para a frente e ganha muitas bolas no meio-campo, por culpa da falta de cultura defensiva de Corona e Otávio. Com a equipa partida, e sem emenda, o Belenenses impõe a sua dinâmica. Vai daí, cria a primeira grande oportunidade de golo, através de um remate ao poste de André Sousa, aos 14 minutos.

O lance espevita o Porto e exige-se uma resposta à altura. Pois bem, Corona acerta o primeiro passe com o pé esquerdo e isola Óliver. Em vez de atirar ao golo, com a baliza escancarada, o espanhol prefere o passe para o lado, onde está André Silva. A jogada perde-se e, acredite, é o Belenenses quem sente mais o golpe no sentido de incomodar Casillas (que falhanço de Sturgeon, aos 34′). No outro lado, Joel Pereira limita-se a apanhar bolas de cruzamentos previsíveis, sobretudo de Maxi. Por falar nele, o uruguaio vê o terceiro amarelo da época em 11 jogos com uma entrada despropositada sobre Florent na sequência de uma série de sururus inenarráveis. Um filme de todo o tamanho e Manuel Oliveira despacha quatro amarelos num piscar de olhos.

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Chega o intervalo e repete-se o resultado de 1999. A estatística informa-nos da falta de produtividade do FCP na segunda parte do Restelo, com 0-0 ao intervalo: a última vitória é de 1984, cortesia Gomes (1-0). É hoje? Num misto de falta de sorte e audácia, nem pensar. Aos 56′, Florent rouba o golo a Felipe na linha e, aos 70′, Depoitre escorrega no momento em que isola na cara de Joel Pereira. O belga seria ainda o actor principal de uma acção caricata, aos 80′, quando escorrega outra vez e atrapalha o remate de Varela. Até final, os dois guarda-redes brilham à chuva: Casillas estica-se todo para evitar o 1-0 de Gerso, aos 85′, e Joel Pereira faz a mancha a André Silva, aos 90′.

Quando o apito de Manuel Oliveira soa, o Porto encaixa o empate como uma derrota e os jogadores saem cabisbaixos do Restelo, onde o Belenenses continua sem ganhar o clássico desde Março 2002 (Verona, César Peixoto e Cafú, 3-0 ao FCP de Mourinho).

Estádio do Restelo, em Lisboa
Árbitro: Manuel Oliveira (Porto)
BELENENSES: Joel Pereira; João Diogo, Gonçalo, Domingos Duarte e Florent (Mica Pinto, 84′); Rosell e Vítor Gomes (Miguel Rosa, 86′); Sturgeon (Yebda, 77′), André Sousa e Gerso; Abel Camará
Treinador: Quim Machado (português)
PORTO: Casillas; Maxi, Felipe, Marcano e Alex Telles; Corona, Danilo, Óliver (André André, 68′) e Otávio (Varela, 74′); Diogo Jota (Depoitre, 61′) e André Silva
Treinador: Nuno Espírito Santo (português)
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