Saudades do palco, a solo. Só ela, o violão e o público. Mas também da musicalidade brasileira, do samba, da bossa nova, da farofa, do biscoito globo. Foi “esta saudade” que deu o mote para o nome da digressão que fez Mallu Magalhães regressar, cinco anos depois do seu último disco. Durante este tempo, a vida deu uma volta de 180º. Casou, mudou-se para Lisboa, formou a Banda do Mar e foi mãe. Tudo isto antes dos 24 anos. A cantora brasileira prepara-se agora para um novo disco em 2017. Antes disso, apresenta algumas novidades este sábado no Vodafone Mexefest.

É num estúdio da Estrela, em Lisboa, que a compositora e instrumentista marca encontro com o Observador. “Foi um rabo [gíria brasileira para sorte]. Achamos o estúdio no OLX, acredita?”, conta Mallu enquanto afina o violão e trauteia “Onde anda você”, a adaptação que fez da música de Vinicius de Moraes, Toquinho e Hermano Silva em 2010. É aqui, na cave que transformou em estúdio, que tem passado os últimos meses a preparar o novo álbum.

Há microfones, amplificadores e cabos espalhados no chão protegido com tapetes persas. O grande piano preto Yamaha salta à vista quando se entra. Os violões nas caixas estão ao lado e ainda têm as etiquetas de identificação das últimas viagens que fizeram. “A gente ganha muito material e dá também. Já me deram tanto e eu tenho que retribuir”, confessa a cantora que começou a abrir o estúdio para outras artistas portugueses e brasileiros gravarem.

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Mallu Magalhães no estúdio onde está a gravar o novo disco (Créditos: Fábio Pinto/Observador)

Mallu mudou-se para Lisboa em dezembro de 2013 na companhia do marido, Marcelo Camelo, o cantor dos ex-Los Hermanos, uma banda brasileira de rock alternativo. “É uma cidade muito bonita. Faço tudo a pé. Adoro”, conta a cantora que escolheu o bairro de Campo de Ourique para morar. E diz que até sotaque ganhou. “Sinto que a minha música está mais “cantada” como os músicos portugueses”, comenta.

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Mallu mudou-se para Lisboa em dezembro de 2013 na companhia do marido, o cantor e compositor Marcelo Camelo. Há muito tempo que a capital portuguesa era destino de férias do casal. “A família do Marcelo é daqui, os pais falavam sempre de Portugal e nós viemos”, recorda a artista, lembrando ainda que o avô paterno de Camelo é de Trás dos Montes. “Estamos totalmente enraizados e fazemos a nossa vida normal”, diz Mallu. Por exemplo? “Adoro correr junto ao Tejo e participar nas maratonas da cidade.”

Em apenas oito anos de carreira, a cantora assume que esta nova fase profissional é também fruto do seu crescimento pessoal. “As coisas mudaram. Como isso é desafiador, interessante e bonito… Teve Banda do Mar, maternidade. Foram muitas coisas que me fizeram chegar até aqui. Acabou por encaixar tudo”, afirma.

Mallu quer deixar a imagem de menina, pré-adolescente que ganhou notoriedade no Brasil em 2008 através do myspace e das melodias que então cantava em inglês.

“Este álbum é de uma Mallu mais madura, delicada mas forte”, descreve a cantora. “Pela primeira vez, será muito voltado para a música brasileira, muito diferente dos meus anteriores. Este álbum é mais autoral e leve e todas as músicas são cantadas em português. É um disco que tem samba mesmo tocado na bateria. E sim, fala do Brasil e da distância que nos separa”, acrescenta.

O toque dela

Voltamos de novo à saudade. Em agosto deste ano, oito meses depois de ter nascido a filha, Mallu voltou aos palcos com uma pequena tour e lançou o single “Casa Pronta”, em que volta a ser só ela e o violão. Esta é a primeira música da sua carreira a solo desde o disco Pitanga, de 2011. E é uma primeira pista daquilo que aí vem. “Este disco é comunicativo, para fora. É sincero, sentimental e é bem eu à flor da pele”, descreve.

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Ao mesmo tempo, “Casa Pronta” estabelece a tal ligação inevitável entre Portugal e o Brasil. As imagens das duas cidades enriquecem o primeiro videoclipe do novo álbum, ainda sem nome. “O violão de nylon é que conduz tudo. Este disco terá mais samba e bossa nova” — explica a cantora que até o arranjador que está a fazer as linhas e os naipes no Brasil comentou como o “violão está tão presente”.

O disco conta com a colaboração de músicos portugueses e brasileiros. E, claro, os “inputs” de Marcelo Camelo, o marido. “Em casa, quando componho e mostro, ele diz: está bonitinho, sim. Mas tenta fazer um C, tenta um caminho mais assim para encaixar melhor”, conta Mallu que pede sempre opinião do músico desde que se conheceram em 2008.

Marcelo é o produtor do disco e tocou a maioria dos instrumentos que vão estar presentes no novo álbum. “Para mim, é incrível poder contar com uma opinião tão qualificada e de uma pessoa tão próxima” acrescenta. O novo álbum está previsto para abril de 2017. Mallu está na fase da pré-produção e começou a chamar aos poucos os músicos para gravar. “O nosso método é bem manual. Imaginamos, gravamos e depois começamos a cortar. Às vezes gravamos e nem usamos”, descreve.

As composições estão terminadas. Com ajuda dos “músicos de lá e de cá”, começa agora a pensar nos tons e estruturas das faixas. Sem pressas. “Às vezes você perde um dia inteiro procurando o tom certo no violão e no final nem usa. É preciso paciência. Se é para fazer, é para ser bonito”, conta.

Mallu quer aproveitar para “curtir” a filha que completa um ano de idade no próximo mês. Por isso, reservou um espaço no primeiro andar do estúdio da Estrela para colocar o berço e alguns brinquedos. “Agora ela é pequena mas quem sabe daqui a alguns anos ela não me acompanha no palco”, afirma.

E depois?

Para o próximo ano, promete muito trabalho e concertos,“pulando entre Portugal e o Brasil”. O próximo será já este sábado no Vodafone Mexefest. Um dos últimos da tournée. “Vai ser emocionante”, diz, com um brilho nos olhos. “Primeiro porque é em Lisboa, na minha cidade que amo. Depois no Tivoli e num festival que é fantástico”, explica. Mallu não poupa elogios ao evento de música. “Todo o mundo sabe, quer ir. É um happening e me sinto fazendo parte da história da música e do festival”, refere.

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O novo disco deverá ser editado no próximo ano (Créditos: Fábio Pinto/Observador)

Aos fãs garante um repertório completo e clássico. “Será muito emotivo e pessoal. É o meu regresso depois de tanto tempo. É para matar saudade e mostrar o que aí vem”, explica. Apesar de gostar estar acompanhada em palco, Mallu diz que há um lado positivo de voltar a solo. “Está tudo na minha mão. Posso tocar outras músicas, inventar, posso tudo”.

Para já, os outros projetos, como a Banda do Mar, ficam em stand by. Da mesma forma natural que se juntaram em 2014, podem regressar um dia. “Acho que a nossa amizade é tão forte que foi o que nos levou a fazer a banda. Por isso, ela pode voltar mais dia menos dia. Estamos sempre juntos”, diz Mallu.

Fred Ferreira, ou “Fredinho” como Mallu o trata carinhosamente, é amigo de longa data de Marcelo. É também baterista de várias bandas portuguesas como Orelha Negra e Buraka Som Sistema. “Ele vive pingando no Porto, com mil surpresas e ideias. Mas o estúdio dele também é aqui”, conta. Marcelo Camelo também está a começar um novo projeto: “É uma mudança musical diferente. Ele está indo noutro caminho. Acho que vai ser um susto interessante. Mas não posso contar se não ele me mata”.

Mallu Magalhães atua este sábado, dia 26, no Teatro Tivoli BBVA, (festival Vodafone Mexefest), às 20h55.