A administração demissionária da Caixa Geral de Depósitos classifica o ambiente que viveu no último mês, desde que se iniciou a polémica da entrega da declaração de rendimentos e património no Tribunal Constitucional até ao dia em que sete dos 11 administradores puseram um ponto final e apresentaram a demissão, como um “turbilhão mediático politicamente instrumentalizado e frequentemente a resvalar para a demagogia populista”.

É desta forma que os administradores se referem ao processo na pronúncia entregue esta segunda-feira no Tribunal Constitucional, em resposta a um ofício dos juízes, avança o jornal Expresso. Segundo aquele jornal são 37 páginas com argumentação jurídica para justificar a não entrega de declarações de rendimentos e património, mas também para qualificar o ambiente que viveu “a partir de meados do mês de outubro de 2016” como um “turbilhão mediático politicamente instrumentalizado e frequentemente a resvalar para a demagogia populista” por terem surgido “no espaço público notícias, opiniões e outras manifestações” sobre o “alegado dever” de entregar os documentos ao tribunal.

Nos termos da pronúncia entregue no TC pela administração da Caixa, citada pelo Expresso, os administradores referem que se mantiveram em silêncio até aqui por considerarem que o assunto era “estritamente jurídico” e por acharem que “os altos interesses” em causa assim o exigiam. Só quebram o silêncio agora, explicam, porque “a verdadeira controvérsia” que se instalou levou a que fossem feitas “apreciações de caráter político e supostamente ético que, intencionalmente ou não, atingem o seu bom-nome”.

“A discussão pública sobre esta matéria tem sido extensivamente permeada por considerações de caráter político, autoproclamadamente ético ou de bom senso e até pessoa”, dizem os administradores na missiva, considerando que essa discussão na praça pública é “irrelevante” do ponto de vista jurídico e legal para saber se há ou não dever de entregar a declaração de rendimentos e património. “É apenas segundo critérios estritamente jurídicos que o Tribunal Constitucional terá que decidir o presente processo”, argumentam.

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Uma outra razão que apontam tem a ver com a “dignidade” que a Constituição lhes confere, enquanto pessoas. “São portadores de dignidade constitucionalmente reconhecida e titulares dos direitos fundamentais que dela decorrem, em particular direitos, liberdades e garantias à reserva da intimidade da vida privada e familiar”. Segundo o Expresso, a missiva refere ainda que os administradores estão protegidos, por lei, “de garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas ou contrárias à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias”, assim como estão protegidos de “formas adequadas de proteção de dados pessoais”.

Isto enquanto pessoas. Direitos esses que, explicam, não lhes foram retirados apenas pelo facto de “se terem tornado administradores de uma empresa pública”.

Antes da decisão da demissão de António Domingues e de mais sete administradores da Caixa, o Tribunal Constitucional ainda não tinha deliberado sobre se a entrega das declarações de rendimentos era ou não obrigatória para os gestores do banco público. Até agora limitou-se a enviar um ofício notificando os administradores a “apresentar a declaração” ou “justificar a razão pela qual o não faz”. E foi isso que fizeram os administradores — pelo que dizem não estar a incorrer em qualquer incumprimento legal.

A pronúncia foi entregue esta terça-feira às 14h35 aos juízes, escrita em nome de toda a administração, embora tenha sido apenas subscrita por nove dos 11 administradores: Pedro Norton e Rui Vilar não subscrevem o documento, segundo o Expresso.

Entretanto, o Tribunal Constitucional anunciou que recebeu a contestação destes nove administradores. Num comunicado enviado às redações, os juízes do Palácio Ratton confirmam que seis administradores entregaram as suas declarações, cinco não entregaram, e nove (os cinco que não entregaram e quatro dos que entregaram) contestaram o dever de apresentação da declaração de rendimentos.

“Na sequência da notificação dirigida aos membros do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, seis administradores entregaram as suas declarações de património e rendimentos no Tribunal Constitucional. Quatro desses administradores, juntamente com os restantes cinco administradores que não apresentaram as declarações, contestaram a existência do dever de apresentação”, lê-se no comunicado.

O TC avança ainda no mesmo comunicado que, enquanto não decidir sobre o dever de apresentação, irá suspender todo o acesso público às declarações de património e rendimentos entregues pelos membros do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos.