O primeiro-ministro já o reconheceu. O governo não é dono do processo de seleção e aprovação dos novos administradores da Caixa Geral de Depósitos, que, por ser um banco sistémico (que em caso de problemas pode abalar o sistema), cai na supervisão europeia. António Costa prometeu apresentar esta semana ao Mecanismo Único de Supervisão um nome para suceder a António Domingues — e esta quinta-feira ao final da tarde surgiu o nome de Paulo Macedo. É o primeiro passo, mas não basta para o exame europeu aos futuros gestores do banco que faz avaliações individuais, mas que também avalia as condições de funcionamento do conselho de administração como um todo.

A seleção e a aprovação dos supervisores passa por, pelo menos, quatro entidades, desde o acionista até ao Banco Central Europeu (BCE). O processo pode demorar quatro a seis meses, mas também pode ser muito mais rápido — a administração de António Domingues recebeu “luz verde”, ainda que com algumas ressalvas, em poucas semanas.

Não existe um prazo limite para o processo, e mesmo as regras e os critérios de avaliação de nomes são bastante subjetivos, dando uma grande margem de manobra aos supervisores na sua avaliação. Não há limites temporais ou quantitativos nos critérios de avaliação. Quantos anos de experiência no setor são exigidos? Que formação específica deve o candidato ter? O que é uma instituição comparável? Estes são alguns exemplos de questões que podem ter mais do que uma resposta.

Os fatores mais objetivos dizem respeito à idoneidade e determinam o afastamento de quem tenha sido condenado em processos criminais, administrativos ou regulatórios, ou seja acusado. Neste ponto, e já depois das novas regras bancárias e do caso BES (Banco Espírito Santo), passam a ser ponderados indícios de que o candidato “não agiu de forma transparente e cooperante nas suas relações com quaisquer autoridades de supervisão”.

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As regras a aplicar também resultam da combinação de mais do que um diploma: existe a legislação nacional e a europeia, regulamentos e avisos, mas também há orientações (guidelines) de instituições como a EBA (European Banking Authority). Existem ainda regras específicas dos supervisores nacionais, como os estatutos, que podem ter influência.

Quem escolhe os nomes?

O acionista, neste caso o Estado ou o Governo, é o primeiro elo de uma cadeia que envolve várias entidades e testes às capacidades e qualificações de um futuro banqueiro. A escolha mais decisiva é a do presidente executivo e é partir daqui que se constrói, em regra, o resto da equipa. O acionista pode dar espaço ao líder que escolheu, ou pode participar, ou mesmo condicionar a escolha da equipa.

No caso do presidente demissionário da Caixa, foi António Domingues quem escolheu todos os elementos da administração que foram aceites pelo Governo. É provável que o seu sucessor não venha a ter uma latitude de escolha tão grande. Até porque quatro dos 11 administradores da Caixa ainda se encontram em funções: três são executivos e um é o vice-presidente não executivo.

Há ainda orientações dos supervisores ou da legislação no sentido do reforço do equilíbrio de géneros nos órgãos sociais, que podem também influenciar o elenco selecionado.

Quem avalia os candidatos a banqueiros?

O exame começa em casa, ou na própria casa. Quem tem a obrigação de fazer o filtro inicial e avaliar se os nomes cumprem todos os requisitos legais e outros será a própria Caixa Geral de Depósitos, estabelece o regime geral das instituições de crédito.

“Cabe às instituições de crédito verificar, em primeira linha, que todos os membros dos órgãos de administração e fiscalização possuem todos os requisitos de adequação necessários para o exercício de funções”.

Na CGD, a tarefa cabe à comissão de nomeações, avaliação e remunerações, a CNAR. Ora esta comissão é liderada por Pedro Norton de Matos, que foi um dos administradores não executivos que bateu com a porta, mas que ainda estará em funções até final de dezembro. Rui Vilar, que se mantém como vice-presidente não executivo da Caixa, é outro dos membros da CNAR, que conta ainda com Luís Batista Branco.

As pessoas escolhidas para a administração devem enviar para a CNAR uma declaração escrita com todas as informações relevantes e necessárias para a avaliação da sua adequação, a quem compete produzir um relatório de avaliação que deve acompanhar o pedido de autorização para o exercício do cargo a entregar ao Banco de Portugal.

A segunda linha de exame é o Banco de Portugal a quem é entregue o processo para uma supervisão ajustada e adequada (fit and proper). Quando o dossiê chega ao supervisor nacional, e no caso de instituições sistémicas como a Caixa, o Banco de Portugal irá dar apoio à divisão de autorização do Banco Central Europeu no processo de avaliação dos futuros gestores, através de uma comissão de supervisão conjunta (composta por representantes dos reguladores nacional e europeu). É a esta entidade que compete chegar a uma avaliação para uma tomada de decisão final que pertence ao Banco Central Europeu.

Que critérios devem os candidatos cumprir?

Há vários critérios que são determinantes para o exame. Um documento explicativo do Banco Central Europeu (BCE), sintetiza estes cinco:

  1. Conhecimento, competências e experiência O candidato tem as capacidades teóricas (formação) e práticas para assumir aquela função específica no banco?
  2. Reputação/Idoneidade O candidato tem cadastro criminal ou qualquer processo de irregularidades administrativas ou contraordenações regulatórias? Está envolvido em processos pendentes, ainda que não tenha sido condenado? Neste ponto pode ainda ser analisado o papel e responsabilidade do candidato nos resultados obtidos por outras entidades que geriu, em particular no que toca a infrações, incumprimentos ou insolvência.
  3. Conflito de interesses Os membros do conselho devem ser capazes de atuar de forma independente quando tomam decisões. Neste ponto olha-se com grande atenção para as partes relacionadas (ligações pessoais ou ou relações profissionais passadas com entidades concorrentes) O candidato tem algum conflito de interesses que pode afetar de forma negativa o banco?
  4. Disponibilidade Pode o candidato disponibilizar tempo suficiente e adequado à função proposta dentro do banco? Esta será uma análise mais pertinente no caso dos administradores não executivos (aos executivos é exigida exclusividade) e foi o ponto fraco das propostas feitas pela gestão de Domingues, que levou ao afastamento de personalidades fora do setor financeiro, por acumularem cargos de administração em outras entidades.
  5. Adequação coletiva do conselho da administração Avaliar o valor acrescentado de um candidato particular para todo o banco. Como é que o candidato encaixa no resto da composição do conselho?

As avaliações são apenas individuais?

Não, ainda que os exames a cada candidato sejam decisivos. O quinto critério determina que, para além da avaliação individual a que candidato está sujeito, os supervisores também querem saber se o nome indicado funciona em conjunto com os restantes.

Por exemplo, todos os candidatos podem a título individual cumprir o caderno de encargos, mas a sua junção no mesmo órgão de uma instituição pode não assegurar a diversidade e especialização necessárias a uma comissão executiva de um banco. Se todos tiverem, por exemplo, o mesmo perfil em termos de experiência e qualificação ou se faltar alguém com uma competência que seja considerada fundamental na gestão de um banco. Daí que o BCE dê clara preferência a um processo completo onde é dada luz verde à avaliação individual de cada gestor em simultâneo com a de todo o conselho de administração.

A avaliação é feita apenas a partir do papel?

O essencial dos testes passa pela análise de documentos e comprovativos que começa com a entrega por parte do candidato à instituição (neste caso a Caixa Geral de Depósitos) de uma “declaração escrita com todas as informações relevantes e necessárias para a avaliação da sua adequação, incluindo as que forem exigidas no quadro do processo de autorização pelo Banco de Portugal”.

Mas o processo de avaliação pode sempre envolver contactos informais com os candidatos, nomeadamente na fase de preparação da candidatura. O comité conjunto de avaliação pode também querer entrevistar pessoalmente o candidato, numa abordagem que o BCE descreve como não sendo um teste, mas apenas uma “discussão franca e aberta que pode ser uma oportunidade para abordar as expetativas em relação ao papel futuro do candidato. ”

Se o candidato não cumprir todos os critérios e exigências, chumba?

Não necessariamente. Começando por assumir que as decisões sobre o perfil e habilitações não são públicas, o guia do BCE refere que no curto período de experiência (poucos meses, uma vez que o documento é de abril) apenas dois nomes terão sido “chumbados”.

O resultado do exame não se limita a passar ou chumbar, por vezes são impostas aos candidatos formação específica adicional. No caso da equipa de António Domingues, o BCE recomendou cursos na escola de negócios francesa Insead a três administradores executivos. Pode ainda ser pedida informação atualizada sobre processos pendentes ou sobre o desempenho de outras funções fora do banco. Podem também ser pedidas medidas adicionais às instituições para mitigar potenciais conflitos de interesses. O BCE pode igualmente reavaliar uma situação que aprovou condicionalmente, como a acumulação das funções de presidente executivo e não executivo por parte de António Domingues.

O BCE sublinha que por vezes alcança o seu objetivo de forma informal, quando por exemplo os bancos retiram candidatos que levantam objeções, como aconteceu aos administradores não executivos inicialmente pensados para a Caixa que apresentavam uma acumulação de cargos não permitida pela lei portuguesa.

Quanto tempo demora?

Depende. O prazo indicativo para processos que passaram pela avaliação do BCE, com base na experiência recente, oscila entre os quatro e os seis meses. Mas o processo poder ser muito mais rápido, como aliás aconteceu na avaliação à equipa de António Domingues. O documento orientador do Banco Central Europeu refere que o principal fator para determinar o tempo da avaliação é a disponibilidade de informação. “Depende de quanto tempo demorar o supervisor nacional a reunir toda a informação relevante, bem como a informação adicional pedida pelo BCE”.

O calendário tem em conta os prazos fixados nas leis nacionais. No caso português, o regime geral diz que as alterações dos membros dos órgãos de administração consideram-se autorizadas quando o Banco de Portugal não se pronunciar no prazo de 30 dias, após receber o pedido de autorização instruído, ou se, tendo pedido informação complementar, não tenha emitido uma opinião no prazo de 30 dias. Mas não há limites para estes pedidos.

A lei portuguesa também permite ao Banco de Portugal autorizar o exercício de funções de administração, previamente à designação formal dos membros para o cargo, mas esta autorização prévia caduca em 60 dias se não for pedido o registo.

Quem passou no teste já não tem de o fazer noutro banco?

Não. Uma decisão só reflete um momento no tempo, explica o BCE. Se tiver sido dada luz verde a um candidato num caso particular, isso apenas permite ao gestor ocupar o cargo naquele banco. Se a pessoa em causa se mudar para outro banco, a situação sofre alterações e terá de voltar a passar no crivo da avaliação dos supervisores.