Os mais atentos à arte da fotografia saberão que as máquinas fotográficas Leica permanecem como objeto de culto de muitos profissionais e até de amadores. Mais do que a linguagem visual – onde o preto e branco das fotografias eleva-se como imagem de marca — ou as características técnicas dos produtos, a Leica tornou-se um fiel instrumento de trabalho de fotógrafos reputados em todo o mundo. Das lentes fotográficas da marca alemã nasceram retratos, paisagens e momentos imortalizados através do instante de um clique. Esta semana, a exposição “Eyes Wide Open! 100 anos de fotografia Leica” e a primeira loja da marca foram inauguradas no Porto.

Se as contas forem feitas com precisão, a marca fundada em 1914 na cidade de Wetzlar, na Alemanha, celebra 102 anos. No entanto, a celebração do centenário tem-se estendido no tempo e um pouco por todo o mundo. Hans-Michael Koetzle, investigador, jornalista e editor da revista Leica, assume a função de curador na exposição “Eyes Wide Open”. Depois de ter estado no país de origem, a história dos 100 anos da Leica viajou por várias paragens europeias como Bélgica, Áustria e agora, Portugal.

A Galeria Municipal do Porto nos Jardins do Palácio de Cristal é o local que recebe as honras. Nas câmaras escuras erguidas para a exposição, é possível não só conhecer o percurso da marca alemã até aos dias de hoje, como também são expostos factos desconhecidos da fotografia portuguesa com a Leica.

© Fred Herzog, Man with bandage, 1968, Courtesy of Equinox Gallery, Vancouver png

“Homem com penso”, 1968, Cortesia da Equinox Gallery, Vancouver. © Fred Herzog

À entrada, o público tem duas opções: sobe ao primeiro andar e começa pela pequena experiência de Oskar Barnack — o engenheiro ótico e funcionário da empresa Ernst Leitz, que haveria de criar a primeira máquina fotográfica de 35 mm –, ou fica no andar de baixo a descobrir (logo ao início) como alguns fotógrafos portugueses mantiveram e construíram tradição fotográfica com a Leica. São dois caminhos diferentes, mas Hans-Michael Koetzle avisa logo: “Começamos pela História, para depois irmos às surpresas.”

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Apesar de a produção ter começado apenas em 1925, o desenvolvimento tecnológico da pequena câmara fotográfica Leica nos primeiros anos mostrava como a inovação de um engenheiro estava prestes a mudar o mundo da fotografia. “Ele fabricava microscópios”, explica o curador da exposição, quando se refere a Oskar Barnack. Hans não referiu se esta aptidão do engenheiro para as lentes muito pequenas foi decisiva no processo de construção da Leica. Mas de uma coisa tem a certeza: “As pequenas máquinas Leica vieram no momento certo, numa altura em que tudo estava em movimento.” A Revolução Industrial estava na rua e a fotografia saía dos estúdios para as estradas, os mercados e a confusão.

Emolduradas em pequenos retângulos pretos, lado a lado com as vitrines de alguns modelos Leica, não é difícil reconhecer fotografias emblemáticas na exposição. De um lado está o retrato de Che Guevara tirado por Alberto Korda, já do outro fica a fotografia de Alfred Eisenstaedt em que um marinheiro beija uma enfermeira em Times Square, quando foi anunciado o fim da Segunda Guerra Mundial. Estas e muitas outras recordações, gravadas na memória de muitos e na História, estão organizadas por sequência e prontas a ser esmiuçadas. Algumas fotografias chegaram ao Porto através da cedência à organização por colecionadores privados, outras fazem parte do espólio da marca alemã.

VJ DAY

A famosa fotografia do beijo em Times Square. © Alfred Eisenstaedt

Os factos mais históricos acentuam-se a cada virar de página, ou como quem diz, a cada fotografia observada. Como numa foto de Robert Capa, conhecida pelo nome de “Soldado Caído”, em que mostra um soldado a cair para trás depois de ter sido alvejado na cabeça, na Guerra Civil de Espanha, em 1936. “Só existem três cópias no mundo, esta é uma delas”, aponta Hans-Michael Koetzle. Ao lado está uma vertente menos conhecida da Leica, relacionada com a fotografia de moda: páginas da Vogue, Harper’s Bazaar e uma jovem Kate Moss com o rosto desfocado perante a lente do fotógrafo. “A Leica veio mostrar que não havia regras, podíamos aproximar-nos do que queríamos fotografar e cortar o que quiséssemos.”

De volta à outra câmara escura e ao andar de baixo, onde se mostra um Portugal de meados dos anos 50 e 60 que já fotografava com máquinas fotográficas Leica. Victor Palla, Gérard Castello-Lopes e Silva Araújo são alguns dos fotógrafos portugueses, cujo trabalho está refletido em molduras a preto e branco na exposição “Eyes Wide Open”. Desde a Lisboa com os velhinhos elétricos ao retrato do quotidiano dos portugueses, a tradição (pouco conhecida) de usar a marca alemã foi uma das razões que levou o curador a investigar mais e melhor sobre Portugal. “É admirável como durante os tempos mais difíceis, com a ditadura e a falta de dinheiro, havia portugueses a fotografar com Leica”, refere Hans-Michael Koetzle.

A primeira loja Leica em Portugal, com sotaque do Porto

Mais de 73 lojas e 60 galerias da marca Leica existem em todo o mundo. Esta quinta-feira foi dia de inaugurar uma estreante: a primeira loja portuguesa da Leica abriu na Rua Sá da Bandeira, no Porto. Já em 2013, a Leica consolidava a sua presença em Portugal com a mudança da maioria da produção para Lousado, em Vila Nova de Famalicão. Hoje, cerca de 90% dos produtos Leica são feitos cá e depois finalizados na Alemanha. Porém, nem só de mão-de-obra se faz esta interação. Como afirmou Oliver Kaltner, CEO da Leica Camera AG (nome atual da empresa), ao Observador, a “engenharia da Leica é cada vez mais desenvolvida em Portugal”.

Os “amigos e a comunidade Leica” terão ao seu dispor uma loja no centro da cidade – o mesmo edifício que no passado albergou o Café Excelsior na década de 20 do século XX, uma instituição bancária durante o Estado Novo e, mais recentemente, uma livraria e papelaria. Para além de loja, a Leica Store acrescenta também uma galeria e uma academia. No rés de chão, os produtos estão expostos em vitrines, prateleiras e cabides: bolsas de várias cores para transportar a câmara, lentes de todos os tamanhos, modelos de máquinas fotográficas (dos mais antigos aos contemporâneos) e t-shirts da Leica variam entre as escolhas do cliente.

Para Oliver Kaltner, as lojas da marca são “um investimento no compromisso e na paixão que as pessoas sentem pela fotografia”. O CEO da Leica Camera AG revela que dez lojas abriram este ano em todo o mundo, num processo idealizado para unir “a marca de luxo da fotografia com a estratégia da globalização”. De notar que uma máquina fotográfica Leica, como o modelo M Monochrom, pode custar cerca de 7 mil euros.

Leica Store Porto Innenansicht

O interior da loja que foi inaugurada esta quinta-feira, dia 1 de dezembro. © Divulgação

E porque a experiência da Leica Store não se fica apenas pelas compras, ainda no andar de baixo há um pequeno balcão em memória do Café Excelsior, onde os clientes podem tomar café ou desfrutar de uma bebida enquanto mergulham no universo Leica. Mais à frente fica uma galeria de fotografia: por esta altura, está a cargo do fotógrafo portuense Daniel Rodrigues – vencedor do World Press Photo em 2013 – onde os recantos, “os pequenos segredos” e os pormenores da Invicta estão expostos com o carimbo de uma máquina fotográfica Leica. No primeiro andar, abrirá mais tarde uma academia onde os clientes poderão usufruir de workshops e pequenas formações.

No livro Apenas Miúdos, Patti Smith escreve: “Havia dias, dias cinzentos chuvosos, quando as ruas de Brooklyn eram dignas de uma fotografia, cada janela a lente de uma Leica, a vista granulada e imobilizada.” O que é afinal a fórmula mágica da marca alemã? Oliver Kaltner responde: “Terá de fazer a mesma pergunta ao CEO da Coca-Cola. Mas, numa sequência de dez fotografias tiradas com máquinas diferentes, um fotógrafo sabe dizer qual foi tirada com uma Leica.”

Coordenadas da exposição

O quê? Exposição “Eyes wide open! 100 anos de fotografia Leica”
Onde? Galeria Municipal do Porto, Jardins Palácio de Cristal, Porto
Quando? 30 de novembro de 2016 a 5 de fevereiro de 2017. Terça a sábado, das 10h às
18h. Domingo e segunda, das 14h às 18h. Visitas guiadas aos sábados, às 16h.
Quanto? Entrada livre.

Coordenadas da loja

Morada: Rua Sá da Bandeira, 48/52, Porto
Horário: Das 10h às 19h