António Costa disse, em entrevista à RTP, que compete ao Governo “garantir a sobrevivência da Caixa”. Confrontado com o plano de recapitalização do banco, na ordem dos 5 mil milhões de euros, o primeiro-ministro afirmou que, no passado, a situação do banco foi “maquilhada” para que fosse possível anunciar “uma saída limpa” do programa de resgate.

“O que aconteceu, seguramente, no passado, foi maquilhar uma situação que permitisse anunciar uma saída limpa. Assim que a saída limpa aconteceu, começaram a surgir os problemas”, afirmou.

A entrevista do primeiro-ministro arrancou com a polémica que assolou o banco público nos últimos meses, mas António Costa optou por ressalvar que a CGD viveu “dois momentos importantes” e que tinham a ver com o plano de recapitalização do banco e com a administração. Questionado sobre a causa da demissão de António Domingues – e a polémica da entrega da declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional – , o primeiro-ministro optou por relativizar e fazer sobressair o que considera “positivo”.

“Ninguém pode negar que, no processo de formação da administração da Caixa, e no debate das obrigações legais, houve um conjunto de episódios que não foram positivos”, afirmou, ressalvando que “convém não confundir com aquilo que fica para o futuro”, ou seja, assegurar que o banco “continua a ser o grande pilar do sistema financeiro. Isso é o essencial”.

Afirmando que o que é positivo é “que a Caixa fique saudável” e “não fingir que está tudo bem”, António Costa não quis explicar a saída de António Domingues, que se demitiu do cargo de presidente executivo, explicando que o Governo tinha cumprido com tudo o que estava acordado, como a “luz verde” que obteve da Comissão Europeia, o compromisso com o regime salarial compatível com o mercado e a garantia de que não se aplicaria o Estatuto de Gestor Público. “Tudo o que foi acordado com António Domingues foi escrupulosamente cumprido pela parte do Governo”, disse.

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Sobre a auditoria feita ao banco, Costa esclareceu que os 3 mil milhões de euros de resultados negativos que foram noticiados pelo Expresso eram um número acumulado e não o prejuízo decorrente de 2016, ressalvando que a auditoria às contas do banco foi feita para que se pudesse avançar com o plano de recapitalização. “Para que o plano de capitalização fosse aprovado, tínhamos de saber quais eram as necessidades de financiamento”, disse.

“O governo tem um princípio fundamental que tem praticado com todas as empresas públicas e que também pratica com a Caixa. Temos de perceber que as empresas não são serviços do Estado. Mesmo quando são do Estado são empresas e têm de ter uma gestão autónoma. Ao Governo compete fixar objetivos, mas não pode nem deve estar a imiscuir-se no dia a dia”, referiu.

Novo Banco e o sistema financeiro

Na entrevista que deu esta noite à RTP, o primeiro-ministro afirmou que gostava de chegar ao final do ano “com o quadro geral do sistema financeiro totalmente estabilizado, com o quadro definido”, disse. E que não basta resolver o problema da banca. “Um dos problemas dos bancos maus é que a banca resolve os problemas, mas depois tendem a destruir o tecido empresarial.”

“Para entramos em 2017 a olhar para o sistema financeiro e para as contas publicas sem ser com a angústia do dia-a-dia e tranquilos em relação ao futuro”, disse.

Sobre a dívida pública, disse: “hoje estamos felizmente muito melhores do que estávamos” e a melhor forma de reduzir a dívida está em não a aumentar. “Não aumentar a dívida é fundamental e este ano vamos fechar o ano com o défice [público] mais baixo dos últimos 42 anos”, afirmou, explicando que a diferença entre o que foi previsto no início do ano e aquilo que se prevê agora teve a ver com o processo de alienação do Novo Banco, que ainda não se concretizou.

Questionado sobre se a a dívida pública – que está em 133% do produto interno bruto, o valor mais alto de sempre – é impagável, António Costa respondeu “não” e recordou as duas tranches que foram pagas antecipadamente ao FMI e que permitiram uma poupança de 40 milhões de euros.

Assumindo que, em matéria de dívida, Governo, PCP e Bloco de Esquerda “não têm a mesma posição”, o primeiro-ministro frisou que a primeira condição para o problema da dívida é que haja “uma boa gestão”. “Vamos continuar a ter uma gestão ativa da dívida, reduzindo os encargos”, disse.

“Temos pela primeira vez um défice dentro dos limites da União Europeia, o que vai ajudar a criar o ambiente que permite reduzir os encargos com a dívida”, afirmou.

Regras da União Europeia devem ser ajustadas

Sobre o problema da dívida – matéria em que o PS não está alinhado com os parceiros de coligação – Antónia Costa disse que é preciso esperar pela União Europeia, porque esta “não pode continuar a ignorar o problema”, mas que não crê que haja discussão sobre o tema antes das eleições na Alemanha, que se realizam em outubro de 2017.

“Mas, mais tarde ou mais cedo, infelizmente mais tarde do que cedo, [o problema da dívida] exige uma resposta integrada. Mas colocar essa questão agora seria inútil e contraproducente”, afirmou.

Quanto à necessidade de mudar regras na União Europeia, não tem dúvidas. “As regras da União Europeia devem ser ajustadas, para permitir recuperar do empobrecimento que temos tido, a estagnação prolongada em que estamos desde o início da adesão ao euro”, disse, acrescentado que, enquanto as regras não forem alteradas, vai continuar a cumprir.

Explicando que, no terceiro trimestre deste ano, Portugal “foi o país da União Europeia que teve o maior ritmo de crescimento”, o primeiro-ministro afirmou que o país tem “um problema prolongado”, que remonta ao início do século. “Se não olharmos para a série longa, dificilmente acertamos no diagnóstico”.

Combater a precariedade e mais contratação coletiva

Em matéria de código do Trabalho, António Costa referiu que “a condição essencial para melhorar a qualidade e dignidade do trabalho” está em combater a precariedade, sejam os contratos a termo para o desempenho de funções temporárias, ou os bolseiros que devem estar nos quadros a fazer investigação ou a lecionar, mas que continuam a ter de depender de bolsas para esse efeito.

“2017 vai ser um ano para resolver a situação da precariedade da função pública. Queremos iniciar o processo no início do ano”, afirmou, acrescentando: é “inadmissível o baixo nível de contratação coletiva que temos”.

Sobre eventuais desentendimentos com os parceiros de coligação nesta matéria, o primeiro-ministro disse que tem um acordo com o PCP e com o Bloco que tem cumprido. “As nossas posições conjuntas definem o que todos combinámos fazer em conjunto. Temos feito mais além disso, mas isso não significa que cada um de nós tenha de perder a sua identidade e estar de acordo com tudo”, afirmou o primeiro-ministro. “Até agora, não me posso queixar de falta de apoio do PCP ou do Bloco relativamente ao que quer que seja”, garantiu António Costa.