“Imagine” de John Lennon fez ontem as honras de abertura da primeira conferência promovida pelo grupo de Facebook que reúne já perto de 50 mil membros – todos com o mesmo sonho: trazer para Portugal a Gigafactory 2 da Tesla. Daí a escolha da canção e também da própria cantora, Roswitha Commandeur, uma voz de Amesterdão que, “tal como a Tesla, está a tentar fazer o seu caminho em Portugal”.

Duas músicas depois, começou o “espectáculo”. Precisamente, às 18h57. Estava dado o tom e marcado o ritmo para se dar início a um bailado de palavras, num encontro que se viria a revelar orquestrado pela emoção. Sim, é isso mesmo: o grupo “Bring Tesla Gigafactory to Portugal” pretende convencer o patrão da Tesla a fazer um investimento de milhões baseado em emoções.

Há razões (precisamente 21, mas já lá vamos) que o justificam, alega o grupo, mas é tocando no coração de Elon Musk que pode estar a chave para abrirmos as portas a um investimento superior a 5.000 milhões de dólares, fazendo com que o prato da balança penda para o nosso lado, quando em campo estão adversários de peso como Espanha, França, Holanda, República Checa e Finlândia.

“Temos de pôr Elon Musk a chorar”, disse ao Observador, Miguel Cunha Duarte, um dos promotores do encontro e um dos fundadores do grupo “Bring Tesla Gigafactory to Portugal”. E por que razão a emoção é considerada pelo grupo “um factor-chave” para convencer o homem da Tesla, da SolarCity e da SpaceX a vir para cá? Porque, defende Miguel Cunha Duarte, Musk é um empreendedor sensível. Segundo ele, Elon não escolhe só os seus recursos humanos com base nas qualificações. “I think it matters whether someone has a good heart” (“acho que importa se alguém tem um bom coração”), terá sublinhado Elon. Mais provas de que o caminho certo para trazer a fábrica da Tesla é aquele que conduz ao coração de Musk? O facto de a primeira Gigafactory, implantada no estado norte-americano do Nevada, ter sido precedida de um movimento similar ao que que a sociedade civil portuguesa está a desencadear. Lá, como cá, também se constituiu um grupo de apelo a esse investimento. E resultou. “Se mostrarmos a paixão dos portugueses, podemos influenciar a tomada de decisão”, sublinha Miguel Duarte.

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Apelar ao lado sentimental do patrão da Tesla, mostrando-lhe o quão interessados estão os portugueses na vinda da Gigafactory para Portugal, é a estratégia que o grupo criado no Facebook pretende seguir para convencer Elon Musk

Miguel não vai mais longe e cita um exemplo ainda mais recente, o Web Summit, lembrando que o co-fundador da conferência anual de tecnologia, Paddy Cosgrave foi o primeiro a reconhecer que a equipa que organiza o evento ficou “impressionada com a mobilização” gerada em Portugal, com o intuito de convencer a organização a escolher Lisboa, em vez de Dublin, como cidade anfitriã. E resultou.

“Considero que temos boas probabilidades de conseguir a fábrica. Até mais do que a Finlândia”, declarou Miguel Duarte, perante uma sala “composta”. Mas mais do que os argumentos competitivos que o país possa esgrimir, na opinião dele, o grande trunfo de Portugal pode passar por levar Elon Musk às lágrimas, emocionando-o. Como? Bombardeando Elon Musk no Twitter com mensagens apelativas, num registo de proximidade – quase “tu cá, tu lá”. Como esta, o primeiro de uma série de teasers que “uma equipa de profissionais está a preparar”:

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O que torna a Gigafactory tão apetecida?

A imagem pode não ser a mais feliz, mas é a que melhor define o actual estado das coisas: “muitos cães a um osso”. Desde que a Tesla fez saber que pretende construir uma fábrica em solo europeu, não faltam países a posicionarem-se para receber a Gigafactory 2 de braços abertos.

Em causa está um investimento que se acredita que possa vir a ser superior a 5.000 milhões de dólares. É esse o montante envolvido na primeira Gigactory, montada em parceria com a Panasonic, que entrou nesse projecto com 1,6 mil milhões. Mas essa fábrica produz apenas baterias, ao passo que a que está prevista para a Europa deverá ter também uma linha de produção e montagem de modelos Tesla. Por outro lado, um projecto dessa dimensão tem um forte impacto na criação de emprego. No Nevada, foram “só” 6.500 postos de trabalho directos e 11 mil indirectos.

A estas vantagens, Rui Coelho, o director da Invest Lisboa (agência que procura captar investimento em parceria com o município de Lisboa e a Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria, com o apoio do AICEP), soma outras. Desde logo, o “impacto extremamente positivo que uma Gigafactory traria para a balança de pagamentos”. E mais, segundo ele, se de facto esta fábrica vier a instalar-se em Portugal, “isso pode ser um excelente argumento promocional para captar ainda mais investimento tecnológico”.

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A vinda da Tesla para Portugal poderia ter um efeito multiplicador, em termos de captação de investimento

Mas Rui Coelho não é homem de meias palavras: “Vamos ganhar porque temos disponibilidade de recursos, acesso a mercados e custos baixos”, atira, acrescentando que não faltam exemplos de empresas que, ao escolherem Portugal, “conseguiram uma redução de custos na ordem dos 60%”. Porém, para que isso aconteça, há uma pessoa em particular que “tem de se atirar para a frente, sem medo”, diz o director da Invest Lisboa:

É preciso o senhor primeiro-ministro assumir que queremos ganhar.”

Do lado político, não houve presenças mas houve recados

Rui Coelho não foi o único a clamar pelo envolvimento de António Costa na tentativa de captar um “investimento que teria um efeito fabuloso” nas contas do país. Mas na sala do LEAP Center, em Lisboa, não estava nenhum representante do Governo central.

“Endereçámos os convites, mas só recebemos respostas diplomáticas”, revelou, no final do encontro, Miguel Duarte ao Observador. “Não sei se esta reacção se deve ao facto de o Governo considerar que esta não é a altura certa para fazer uma tomada de posição sobre o tema ou se deva interpretar este silêncio como um indicador de que o Governo acredita que a vitória de Portugal está garantida. Seja como for, julgo que seria bom algum representante governamental vir a público pronunciar-se sobre esta matéria”, acrescentou. Tanto mais, enfatiza, que se trata de “uma causa patriótica em que estão actualmente envolvidas mais de 46 mil pessoas”.

Pelo seu lado, o presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, uma das primeiras a manifestar publicamente o seu interesse em acolher a Gigafactory, notou que nesta matéria as conversações só podem decorrer ao mais alto nível. “O Elon só vai querer falar com uma pessoa quando vier a Portugal”, disse Carlos Bernardes. Para bom entendedor…

Além do autarca de Torres Vedras, marcaram presença na conferência o vice-presidente de Albergaria-a-Velha, Delfim Bismark, e o presidente da Câmara Municipal de Penela, Luís Matias. Cada um deles claramente interessado em receber no seu município a fábrica da Tesla. Mas abertos à “criação de uma plataforma congregadora de diferentes concelhos”, se isso vier a ser entendido pelos diferentes autarcas como um trunfo para a captação do investimento.

De notar que, embora sem estar presentes, os municípios de Viana do Castelo, Guarda, Figueira de Castelo Rodrigo, Évora, Cinfães e Sines enviaram à organização mensagens de apoio à iniciativa.

Vale tudo: as frases da noite

1. “Estamos prontos para pôr no ar um exército de drones”, disse ao Observador Miguel Cunha Duarte, realçando que o grupo “Bring Tesla Gigafactory to Portugal” tem neste momento “muitos mais recursos que muitas empresas e todos eles gratuitos”.

2. “O que a história nos mostra é que, sempre que quisemos muito alguma coisa, não olhámos a meios. Até recorremos a espiões. Temos de usar todos os recursos que estão ao nosso alcance, meios de inteligência se for caso disso.” A declaração é do director executivo da Invest Lisboa.

3. “O país tem mudado de mentalidade por causa do factor Éder [jogador de futebol]. Há que acreditar que contra todas as probabilidades, contra todas as estatísticas e já nos descontos, o resultado pode mudar.” Quem o diz é o autarca de Penela, para fazer valer a ideia de que Portugal ainda tem hipóteses.

4. “Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”, Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, citado também por Luís Matias, segundo o qual seria útil que se perdesse “a visão paroquialista do território” para atrair a Gigafactory 2.

5. “Até com latas de atum resolvemos as coisas.” Outra afirmação do edil de Penela, para demonstrar que os portugueses são exímios na arte do “desenrasca”. Foi o que aconteceu quando o seu município preparou uma festa para acolher refugiados e se apercebeu que estes não comiam carne. Valeu o improviso (latas de atum), algo que Luís Matias considera que dá provas da criatividade dos portugueses quando se trata de solucionar problemas. Será este um talento apreciado por Elon Musk?

6. “Isto não treme e raramente se apaga”. A frase é de José Medeiros Pinto, secretário-geral da Associação Portuguesa de Energias Renováveis, referindo-se ao facto de o sistema eléctrico português estar preparado para integrar várias fontes de energia, “sem quaisquer problemas técnicos”. Ou seja, a Tesla teria a garantia de que por cá, até a produção era mais verde.

21 razões que justificam a vinda da Gigafactory para Portugal

Começaram por ser 17 os argumentos elencados por um dos co-fundadores do grupo “Bring Tesla Gigafactory to Portugal”, numa tentativa de demonstrar que o país tem trunfos para ir a jogo. Mas com a interacção gerada nas redes sociais, a lista originalmente criada por André Marquet não pára de aumentar. São agora 21 as cartas colocadas em cima da mesa:

21 fotos

O Governo português, o poder local e a sociedade civil podem “baralhar e voltar a dar”, mas a cartada final só tem um rosto: Elon Musk. Será que o vamos ver a chorar? Certo é que acaba de se saber que a marca norte-americana registou a 22 de Novembro a Tesla Portugal, cuja sede social é na Avenida da Liberdade, em Lisboa.