Exercício de memória: qual a última equipa do Benfica num jogo em casa com o Nápoles? Na baliza, Quim. Na defesa, Maxi, Luisão, Sidnei e Jorge Ribeiro. No meio, Katsouranis, Yebda e Ruben Amorim. No ataque, Reyes, Nuno Gomes e Di María. Entram ainda Binya, Carlos Martins e Urreta. O Benfica ganha 2-0, golos de Reyes e Nuno Gomes, e qualifica-se para a 2.ª eliminatória da Taça UEFA 2008-09.

Exercício de memória, outro: qual a última equipa do Benfica a jogar a um 6 Dezembro? Na baliza, Quim. Na defesa, Nélson, Luisão, Ricardo Rocha e Léo. No meio, Katsouranis e Petit. Mais à frente, Nuno Assis e Simão. Plantados na área, Nuno Gomes e Miccoli. Entram ainda Paulo Jorge e Karagounis. O Benfica perde 3-1 em Old Trafford, apesar de ter marcado primeiro, por Nélson, e é afastado da Liga dos Campeões 2006-07.

Exercício de memória, mais um: qual a última equipa do Benfica a jogar com italianos na Luz? Na baliza, Artur. Na defesa, Maxi, Luisão, Garay e Siqueira. No meio, André Gomes e Enzo. Mais à frente, Markovic, Sulejmani e Rodrigo. Plantado na área, Cardozo. Entram ainda Lima, Cavaleiro e André Almeida. O Benfica ganha 2-1 à Juventus e dá um passo firme rumo à final da Liga Europa 2013-14.

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Destes três exercícios, um único denominador comum: Luisão. Seja em 2006 com Fernando Santos, 2008 com Quique Flores ou 2014 com Jorge Jesus, o homem está lá. Esta terça à noite, o capitão brasileiro assume o desafio. Como sempre. À sua volta, mais dez jogadores escolhidos por Rui Vitória. Vem aí o Nápoles e só a vitória interessa para selar a passagem aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões pela segunda época seguida, facto inédito na história do clube.

Vem aí o Nápoles, insistimos: em cinco visitas a Portugal, começa muito bem (Porto 1-0 em 1974), tropeça aqui e ali (Sporting 0-0 em 1989, Boavista 1-1 em 1994) antes de se estatelar ao comprido (Benfica 2-0 em 2008, Porto 1-0 em 2014). Isto dos números não interessa nada, o importante mesmo é esmiuçar a viagem a Lisboa em Setembro 1989. O capricho do sorteio da primeira eliminatória junta Sporting e Nápoles, campeão em título da Taça UEFA. Na bagagem napolitana, um tal Maradona.

Quando desembarca na Portela, é o fungagá da bicharada. Um mar de gente amontoa-se para ver o melhor do mundo. “Ser rei tem estas complicações”, desabafa o argentino, de blazer branco e camisa folclórica-havaiana, sempre colado ao comissário Veríssimo, da PSP. Logo atrás, o popular benfiquista Manuel de Almeida, conhecido como Manuel das tripas, amigo de Maradona. Como quem não quer a coisa, Sousa Cintra também faz por andar naquelas bandas, de sorriso largo e gravata colorida. “Eu não disse que ele vinha? Pois aí está. Quando o presidente do Sporting garante uma coisa, é porque tem a certeza de falar verdade.”

Mais cheinho que o normal e com barba, Maradona tem de furar por centenas de pessoas para chegar ao autocarro. Nesse tortuoso caminho, Diego fala da família. “Prometi à minha filha que voltava a jogar na 1.ª eliminatória da Taça UEFA e cá estou eu.” Também larga umas frases de cortesia. “Gosto muito do Gomes, conheço-o bem das galas da FIFA”, a propósito do bibota d’ouro, recém-transferido para o Sporting. Mais à frente, “admiro Rui Barros, gosto de o ver jogar”. Quase, quase a chegar ao destino, “Futre tem perfeitamente abertas as portas do futebol italiano”.

Sem Maradona à mão de semear, e a caminho do hotel, o aeroporto perde glamour. Os adeptos arredam pé, só os jornalistas continuam por lá a ouvir Sousa Cintra dar algumas novidades. “O jogo não vai dar em direto na RTP, não pode dar, porque vendemos o jogo para fora de Portugal. Mais de 40 países, incluindo a TV Manchete do Brasil, transmitem o Sporting-Nápoles, o que é um motivo de orgulho para o clube e até para Portugal.” Há quem insista na ideia e Cintra descose-se finalmente. “Não haverá transmissão televisiva para o Continente. Quem quiser circo, tem de pagar aos palhaços.” A questão prende-se com contos. A RTP só tem dez mil para dar (porque gastara já seis mil no Belenenses-Monaco), só que Cintra quer 30 e depois baixa para 20. Nada feito, a diferença é enorme.

Adiante. Há notáveis na bancada VIP em Alvalade? “Como o Sporting é o maior de Portugal, vamos receber Mário Soares (presidente da República) e Cavaco Silva (Primeiro-Ministro). Com eles a puxar por nós, mais os milhares de sportinguistas no estádio, vamos ter o apoio necessário para ganhar por quatro golos de diferença. Vai ser 4-0.” A confiança é enorme e nem Manuel José força o ritmo. “As pessoas estão a fazer do Nápoles um bicho de sete cabeças num tempo em que não existem papões no futebol. O Nápoles já ganhou uma Taça UEFA e o Sporting também. Se o Nápoles é grande por ter ganho um campeonato italiano, recordo que o Sporting já ganhou 16.” No campo, os campeonatos não contam. Nem o estatuto. Por isso, 0-0 com Venâncio a acertar uma bola na trave, de cabeça, e Maradona a jogar 20 minutos apenas, com a camisola 16, posteriormente trocada com o capitão Carlos Manuel, a caminho do balneário.

Pormenor: quem se demora a sair do estádio, por qualquer motivo, ainda vê Maradona dar uns toques junto à baliza norte, com o preparador físico. Em litígio com o Nápoles desde Julho, o argentino só entra em Itália, via Buenos Aires, no início de Setembro, a uma semana do jogo de Alvalade. Daí aquela barriga mais saliente que o costume e a lentidão de processos (Douglas aproveita o momento para fazer um túnel a Diego e entrar no imaginário dos sportinguistas como o maestro das meias descaídas). É imperioso emagrecer uns quilos para dar a volta ao texto e Maradona sua mais um pouco no no futebol sem balizas de Alvalade. Detalhe: o Nápoles será campeão italiano oito meses depois, com 16 golos do número 10, antes de Maradona eliminar a Itália nas meias-finais do Mundial-90, em Nápoles.

Passam-se uns anos, vira-se o século e o Nápoles perde as referências sul-americanas: além de Maradona, os brasileiros Alemão e Careca. Agora, o Nápoles é mais pró europeu, com um eslovaco a capitão (Hamsik) e um espanhol goleador (Callejón). Tanto um como outro jogam barbaridades e Callejón já sabe o que é marcar na Luz, após dois golos pelo Real Madrid de Mourinho na Taça Eusébio-2012. Adivinha quem joga nesse dia pelo Benfica? Esse mesmo, Luisão.