O PCP foi o primeiro a avançar com um projeto a pedir para serem repostos limites aos salários dos administradores da Caixa Geral de Depósitos, depois de o Governo ter libertado esses gestores dos tetos salariais a que estão sujeitos todos os gestores públicos. Mas apesar de o Bloco de Esquerda, o PSD e o CDS terem também reservas face às novas regras salariais, a proposta não foi aprovada. Esta terça-feira volta a acontecer o mesmo, mas agora com a direita na dianteira da iniciativa e a esquerda na posição de bloqueio. Todos (exceto o PS) querem limitar salários — e até o Presidente da República insiste neste sentido — mas vai tudo ficar como está.

PSD e CDS levam esta terça-feira a debate, no Parlamento, projetos sobre a polémica política que centrou os dois últimos meses: os salários e as obrigações de transparência a que devem estar sujeitos os administradores do banco público. O PCP — como já seu viu na ocasião anterior — concorda com a necessidade de alterar os limites salariais, mas não concorda com o que a direita quer. Já o Bloco de Esquerda, até já votou ao lado da direita no que a regras de transparência dos gestores da Caixa diz respeito, mas também discorda da posição do PSD face aos salários, ainda que critique os valores que atualmente são praticados (e que vão continuar a ser em relação aos novos administradores, já disse o próprio primeiro-ministro).

Mas afinal o que divide tanto assim os partidos que querem mudar a regra? Comecemos pelo partido pioneiro nesta matéria:

PCP: Não há exceção

Os comunistas levaram o seu projeto a votos, na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças dias depois do ministro Mário Centeno ter revelado, naquele mesmo palco, quanto iria ganhar António Domingues (então o presidente do banco público): 423 mil euros de salário por ano. Já os vogais da administração teriam um vencimento anual de 337 mil euros. Isto mais prémios de gestão que podiam ir até metade da remuneração fixa. O que queriam os comunistas? Fixar um limite para a remuneração dos gestores públicos e privados em 90% do salário do Presidente da República (cerca de 6 600 euros mensais). Quem votou a favor? PCP, Bloco de Esquerda e CDS. PSD e PS chumbaram a iniciativa legislativa. Mas o PSD também quer limitar os salários, por que motivo votou contra? A explicação vem a seguir.

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PSD: Limitar mas com exceção

Os sociais-democratas defendem o regime que se praticava, ou seja, que o salário do gestor seja fixado de acordo com a média dos últimos três salários antes de integrar a administração da Caixa. Já o PS defende que esse cálculo seja feito de acordo com a mediana do que é praticado no setor. O PSD mostra-se sensível ao argumento do mercado, com que os socialistas justificam a exceção aos tetos salariais permitida para os gestores da Caixa, mas quer que o limite para estes salários seja sempre o do primeiro-ministro (75% do salário do Presidente da República, ou seja, cerca de cinco mil euros), mesmo para a Caixa. Porque é que isso não enche as medidas do PCP e do BE? Porque o PSD permite exceções para “empresas mercantis que operam em mercado concorrencial”. Nesse caso, a responsabilidade de autorizar salários acima do limite é do ministro das Finanças, ainda que no seu projeto o PSD defina que ela deva ser exercida com “razoabilidade”. E qual o limite razoável? O PSD baliza-o entre o nível do primeiro-ministro e um valor que o ministro “fundamente como adequado, respeitando sempre o limite máximo da média dos últimos três anos”.

Bloco de Esquerda: Não há exceção

Os bloquistas queixam-se da alteração ao estatuto do gestor público desde que ela foi aprovada, em junho passado, e até apresentaram propostas de alteração ao Orçamento do Estado para acabar com a exceção ao estatuto do gestor público permitida para a Caixa e fixar o limite no salário do primeiro-ministro. Também votaram ao lado da direita, nesse debate, mas pela obrigatoriedade da administração da Caixa em expor os seus rendimentos e património junto do Tribunal Constitucional. Já sobre os salários, o Bloco tem as mesmas reservas que o PCP. Aliás, logo quando o PSD começou a argumentar a favor da sua regra salarial, da média dos três últimos salários, a deputada do BE Mariana Mortágua dava um exemplo extremo para explicar a oposição do Bloco: “Se convidasse o Ronaldo para trabalhar para a Caixa teria de lhe pagar a média dos últimos salários”. Mas esta terça-feira, o partido não apresentará qualquer iniciativa no sentido de limitar salários, apesar de ter chegado a ponderar fazê-lo.

CDS: Limitar mas com exceções (limitadas)

Também o CDS é radical na resolução do problema, por isso propõe que seja revogada a alteração que o Governo aprovou, por decreto, ao estatuto do gestor público. Mas o sentido é muito diferente do da esquerda, e mais próximo do PSD. Os democratas-cristãos querem acabar com “qualquer possibilidade de os gestores públicos serem remunerados acima da remuneração do primeiro-ministro”, mas “sem prejuízo de lhes ser pago um prémio de gestão, dependente de comprovado mérito individual do gestor no cumprimento dos objetivos fixados pelo acionista”. O prémio, fixa ainda o o CDS no projeto que leva a votos esta terça-feira, “não poderá exceder metade da média de vencimentos dos últimos três anos, cuja concessão depende de despacho fundamentado do Ministro das Finanças”. Mas há uma “contenção remuneratória” para a exceção, para situações de crise em que o país exceda “valores máximos previstos em instrumentos internacionais”, no que toca a contas pública. Uma reserva que, ainda assim, não convence a esquerda que não quer exceções em nenhum caso.