O debate quinzenal tinha como tema a descentralização, mas o duelo Costa-Passos foi, sem surpresa, centralizado na Caixa Geral de Depósitos. O líder do PSD não falava num debate quinzenal desde setembro, mas agora queria capitalizar o que correu mal ao Governo. O primeiro-ministro respondeu que o importante é recapitalizar o banco público. E, no fim, até brincou com a convergência com o líder da oposição, que vai sendo rara no velho ‘centrão’: “É um momento embaraçoso para os dois. Estamos de acordo. Se me pergunta se acho estranho [os administradores da CGD demitirem-se para não entregarem declarações] , acho. Mas nenhuma outra explicação me foi dada.”

Foi um debate Passos-Costa dentro da Caixa (Geral de Depósitos). O duelo parlamentar foi em jeito de debate televisivo, com tempos divididos quase por igual (1o minutos para o Governo, nove para o PSD) e um moderador a controlar os tempos (neste caso o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que fez avisos a ambos). Passos foi assertivo a tentar cercar Costa, que foi eficaz na resposta o líder da oposição, da forma que mais desarma quem ataca: assumiu que o executivo esteve mal em parte do processo.

Se me pergunta se correu bem o processo com a administração da Caixa Geral de Depósitos no quadro das obrigações junto do Tribunal Constitucional, manifestamente não correu bem“, admitiu Costa a Passos Coelho.

António Costa destacou, no entanto, que, mais do que a mudança de administração, “a questão central é: o que queremos para o futuro da CGD? E nós queremos que seja um banco totalmente público”. E aí não resistiu a enviar uma farpa ao presidente do PSD, numa alusão tempos em que este admitiu/defendeu a privatização do banco. “No passado houve quem quisesse privatizar a Caixa Geral de Depósitos“, atirou Costa. Neste particular, Passos não enfiou a carapuça e não respondeu à provocação. O tempo era pouco e a vontade de cercar Costa muita.

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Costa continuou para dizer que — ao contrário do que muitos pensavam (leia-se, a direita) — o Governo “conseguiu o que era essencial: garantir que o Estado tem luz-verde de Bruxelas para a recapitalização da CGD”. E antes de Passos continuar a falar atirou-lhe com um aliado incómodo para o líder do PSD (nas palavras de Passos, o “dr.Rebelo de Sousa”) para tentar matar um assunto:

Aproveito para deixar aqui um bom conselho que o senhor Presidente da República deu hoje: não transformar a Caixa Geral de Depósitos em batalha política e transformá-la num banco de confiança para todos os portugueses”.

Passos não quis saber e continuou a capitalizar o caso, numa intervenção de 20 segundos em que, basicamente, perguntou: “Porque é que a administração se demitiu?” Costa lembrou que lamenta, mas os gestores da CGD demitiram-se “precisamente porque o PSD aprovou um diploma que a administração considerou que a diminuía nas suas funções”. O presidente do PSD voltou a insistir, com a tal pergunta: “Não acha estranho?”. Costa disse que sim: “Acho”. O líder da oposição não vacilou e sugeriu que haverá algo mais. Costa ripostou então com uma questão: “O senhor sabe alguma coisa que eu não saiba sobre o compromisso que eu assumi?” E ainda desafiou o líder da oposição a tomar ele as diligências para obter uma resposta diferente. E ela chegou. O PSD anunciaria, no final do debate, através do líder parlamentar, Luís Montenegro, que irá chamar António Domingues e Mário Centeno à comissão de inquérito sobre a CGD que decorre no Parlamento para esclarecerem o assunto.

A “caixinha”, o “poucochinho” e o Estado Futebol Clube

Os parceiros de ‘geringonça’ também fizeram as suas advertência ao dossier Caixa. A líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins começou por dizer que o Bloco de Esquerda não quer uma “caixinha”. De seguida, atacou a escolha de Paulo Macedo para presidir ao banco: “Foi o ministro que mais pôs os problemas para debaixo do tapete, não conseguimos compreender a escolha”.

No rol de críticas, Catarina Martins disse ainda discordar do regime remuneratório aprovado pelo Governo, embora também condene a “hipocrisia” do PSD, que não aprovou nenhuma proposta dos partidos da esquerda no sentido de limitar o salário dos gestores da Caixa ao do primeiro-ministro. Também Os Verdes insistiram mais tarde na questão salarial, forçando Costa a justificar-se.

Costa reconheceu e admitiu que há uma grande disparidade de rendimentos e que “as pessoas sentem dificuldade em compreender isso, sim”, mas lembrou, no entanto, que para ter um “bom banco público” tem que se “ter um banco nas mesmas condições que o mercado” optando depois por uma metáfora:

Se por absurdo resolvêssemos ter uma equipa de futebol do Estado não podíamos ter uma equipa com jogadores com salários limitados ao do primeiro-ministro, porque se fosse assim não teríamos jogadores que quisessem jogar”.

O primeiro-ministro considerou mesmo que “é evidente que é chocante [salários altos na CGD], a mim também me choca, mas é essa a realidade e não a podemos alterar”.

Costa saudou depois Jerónimo de Sousa pela reeleição no PCP. Mas saudações, saudações, Caixa à parte. Tal como o Bloco de Esquerda, o secretário-geral comunista também não foi de modas e perguntou mesmo a António Costa: “Já se perdeu tempo a mais, quanto tempo vai ser necessário para pôr a Caixa Geral de Depósitos a funcionar?”

Jerónimo não só quer defender o banco público, como quer mais bancos públicos e propõe em forma de pergunta: “Porque não integrar o Novo Banco na esfera pública?” Costa respondeu apenas que “o processo está nas mãos do Banco de Portugal, em função disso tomaremos a melhor decisão”.

Mais agressivo foi o debate entre António Costa e Assunção Cristas. A líder centrista fez questão de fazer as contas: durante 54 dias o primeiro-ministro não debateu com os deputados. Mas ausências à parte, o tema voltou a ser a Caixa Geral de Depósitos, com Cristas a insistir: “O Governo socialista acordou ou não acordou com a equipa de António Domingues a libertação dos deveres de transparência?”

Costa voltou a sugerir que não assumiu qualquer compromisso nesse sentido. E mais: voltou a acusar o Governo anterior de ter lavado “as mãos como Pilatos” e de ter maquilhado “a situação do país para simular uma saída limpa”. No entender de Costa, “o país pagou caro a chamada saída limpa”, sujando-se depois com o BES e com o Banif.

Assunção Cristas confrontou António Costa com o que dissera sobre uma alegada “maquilhagem” (por parte do governo PSD/CDS) das contas da Caixa em entrevista à RTP. “Que provas é que tem para sustentar esta afirmação?”, questionou a líder democrata-cristã. Os centristas, recorde-se, entregaram um requerimento na terça-feira a exigir ao primeiro-ministro esclarecimentos sobre esta matéria. A discussão seguiu depois com respostas relâmpago de parte a parte. Cristas perguntou: “Qual é a sua missão para a Caixa?”. Costa respondeu que quer “um banco público como pilar de estabilidade do sistema financeiro, de garantia das poupanças dos portugueses e como instrumento ao serviço do desenvolvimento do país”. “Isso é poucochinho”, ripostou Cristas.

No final do debate, Costa voltaria ao tema CGD para o tentar encerrar definitivamente, defendendo que “o problema da Caixa está resolvido, porque o problema era o banco ser dotado do capital necessário para poder desempenhar o papel necessário ao trabalho da economia portuguesa e à ajuda às famílias.” Assunto encerrado. Pelo menos por agora, porque PSD e CDS vão continuar a capitalizar o assunto.

Descentralização prejudicada pelo ‘Caixocentrismo’

O debate em torno da descentralização (tema escolhido pelo Governo para o quinzenal) foi a apologia perfeita do que tem sido esta discussão nas últimas décadas: nem quando é tema central, se consegue impor. Costa bem fez a sua intervenção inicial dedicada ao assunto, mas, à parte disso, pouco se falou. Não foi conspiração do “centralismo democrático” de Lisboa, mas mais de um “caixocentrismo” a que nenhuma das bancadas conseguiu resistir.

Em matéria de descentralização, Costa estabeleceu o ambicioso objetivo de, no final da legislatura, em 2019, as autarquias já gerirem 19% das receitas públicas. Insistiu também numa medida que tem anunciado várias vezes: que “serão os autarcas eleitos no final de 2017 – e não o Governo – a escolher os próximos responsáveis das Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento Regional”. Ou seja, a reforma autárquica avançará ainda antes das autárquicas. Costa quer consenso nesta matéria e desafia também PSD e CDS a juntarem-se à discussão.

Passos Coelho fez questão também de lembrar que as propostas que o PSD apresentou no âmbito do orçamento sobre este tema “foram chumbadas liminarmente” pela maioria de esquerda. Porém, Passos promete colaborar, dando a garantia:

Nós não somos de amuar”.

Sobre este tema, Costa não dispensou dar uma bicada a Assunção Cristas. Como a descentralização era o tema do debate e a líder do CDS centrou-se na CGD, o socialista ironizou dizendo que ficaria “magoado” se Assunção Cristas não “achasse importante” este tema, até porque é a “candidata à principal câmara do país”. A líder democrata-cristã disse ainda que considerava “lamentável” e “irresponsável” a resposta de Costa.

Houve arrufos e amuos num debate animado, mas mais calmo que o habitual. Não houve revoltas, pateadas e, mesmo nas provocações, houve algum controlo. Nada fora da Caixa, portanto.