Abusos sobre detidos, elaboração de “perfis raciais”, cadeias sobre lotadas e um sistema judicial sobrecarregado e sem meios são as conclusões da avaliação a Cabo Verde do comité das Nações Unidas conta a Tortura hoje divulgadas.

Cabo Verde, que aderiu à convenção das Nações Unidas sobre Tortura e outros Tratamentos, Desumanos, Cruéis e Degradantes em 1993, esteve em avaliação pelos membros do Comité Contra a Tortura a 26 de novembro, não tendo apresentado qualquer relatório sobre o assunto, nem enviado uma delegação para participar na sessão.

Esta situação mereceu a condenação do comité que considerou não ser assim possível obter informações sobre as medidas que o país tem tomado para implementar a referida convenção.

O comité, que trabalhou apenas com base no relatório da Comissão Nacional de Direitos Humanos, mostrou-se preocupado com “os consistentes relatos de brutalidade policial contra detidos” e com alegações da “recolha de perfis raciais durante operações de segurança e investigações”.

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O relatório do comité recordou a propósito os confrontos entre as forças policiais e imigrantes oeste africanos entre 2002 e 2005 e alegações de violência policial contra jovens como forma de punição extrajudicial.

Citando o relatório da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDC), o comité adiantou que foram recebidas uma média de 10 queixas por anos por uso excessivo de força por parte da polícia.

Deu ainda conta que foram recebidas 50 queixas por abuso policial nos primeiros 10 meses de 2015.

Face a estes dados, o comité lamentou que o país não tenha submetido informação sobre o tratamento que foi dado a estes casos.

Assinalou ainda como preocupação o facto de os atrasos nos processos criminais estarem a contribuir para uma perceção de impunidade junto da população, que frequentemente retira as queixas apresentadas na polícia.

A avaliação constatou que a população prisional duplicou desde 1997 e que a sobrelotação das cadeias está a contribuir para o aumento do tráfico de droga, em particular na cadeia de São Marinho, na ilha de Santiago, o maior estabelecimento prisional do país.

Falta de guardas prisionais e de mecanismos de vigilância, dificuldades de acesso dos detidos a serviços de saúde, nomeadamente mental, ventilação e instalações sanitárias deficientes foram outros aspetos apontados sobre as cadeias cabo-verdianas no relatório.

O relatório expressou também preocupações com os relatos de que o sistema de justiça está sobrecarregado e com falta de pessoal, o que gera atrasos, levando ao prolongamento dos períodos de prisão preventiva e ao acumular de processos pendentes.

O comité sublinhou ainda que o facto de os juízes cabo-verdianos serem mal pagos os torna vulneráveis aos subornos e à corrupção.

As Nações Unidas assinalam a prevalência da violência contra mulheres e crianças, particularmente na esfera familiar e nos bairros mais pobres das áreas urbanas, bem como o uso de castigos corporais às crianças em casa e nas escolas.

O envolvimento de “um largo número de crianças” na prostituição, mendicidade, tráfico de drogas e venda ambulante é também destacado no relatório, que lamenta que as alterações recentes ao Código Penal não tenham introduzido penalizações para quem promove a prostituição entre os 16 e 18 anos.

Apresentando uma série de recomendações no sentido de o país corrigir as situações assinaladas, o comité pede a Cabo Verde que apresente até 07 de dezembro de 2017 um relatório sobre a aplicação dessas recomendações.

Cabo Verde deverá ser novamente avaliado em 2020, devendo até lá apresentar o relatório da situação do país nestas matérias, bem como sobre a aplicação da convenção sobre tortura das Nações Unidas.