Num dos raros textos que escreveu sobre educação, a filosofa alemã Hannah Arendt tece uma crítica contundente às pedagogias modernas adotadas por escolas e famílias em que se advoga que as crianças devem ser deixadas livres para aprender. Segundo Arendt — o texto está publicado no livro Quatro Textos Excêntricos (Relógio D’ Água) –, “estas pedagogias mais não fazem do que deixar as crianças sozinhas. E nenhuma criança aprende sozinha”.

Hoje a agilidade com que os mas novos dominam as novas tecnologias volta a reforçar esse mito de que as crianças não precisam dos mais velhos, irmãos, país, avós ou professores, para aprender. E de que aprender é acumular informação. Ora, ter informação não é sinónimo de ter conhecimento. Pois sendo algo mais complexo, o conhecimento precisa de um adulto que ajude a criança a organizá-lo, cognitiva, afetiva e socialmente.

Antigamente esta tarefa era partilhada pela comunidade alargada — pais, irmãos, primos, avós, vizinhos. Os mais velhos ensinavam os mais novos, especialmente as brincadeiras, os jogos, as canções, mas também as histórias de família, segredos de polichinelo, lugares secretos das casas. Havia um conhecimento que passava de geração em geração e garantia a força dos laços tradicionais. Quem não se lembra das noites em família a jogar ao Loto ou à Sueca, ao Stop ou à Forca, à Batalha Naval ou a fazer Cadáveres Esquisitos?

Os jogos tradicionais, para além de não implicarem dispêndio financeiro, são jogos que obrigam à interação entre as pessoas e que vivem da proximidade física — exigem troca de olhares cúmplices e as mãos tocam-se. Obrigam a trabalhar a agilidade física, a motricidade fina (mãos, dedos, pulsos), obrigam a aceitar e compreender a existência de regras e até de ética, a lidar com a vitória e a derrota.

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No famoso quadro “Jogos infantis” do pintor renascentista holandês Pieter Brueghel, contam-se 250 crianças a participar em 84 brincadeiras diferentes. Olhando a imagem com atenção podem ver-se ainda alguns jogos que até há três décadas as crianças ainda jogavam. Todos eles são jogos de rua, jogos de grupo. Não se veem crianças a brincar sozinhas. Quem quer que olhe hoje para o recreio de uma qualquer escola verá que poucas crianças conseguem organizar-se em jogos coletivos. Porquê? Porque ninguém lhes ensinou.

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O quadro terá sido pintado em 1560 por Pieter Bruegel, o velho. Imagem: Wikimedia Commons

Porque não pôr um pouco de lado os brinquedos e investir tempo a ensinar às crianças alguns destes jogos que fazem parte do nosso património afetivo e cultural? E não vale dizer que elas “não querem”. Nada fascina e entusiasma mais uma criança do que um adulto que acredita no valor daquilo que está a ensinar. E quando as condições estiverem propícias para isso, não há que temer ir para a rua jogar às escondidas, cantar bem alto canções de roda, aproveitar as viagens de carro para desligar a rádio e ensinar a Menina Estás à Janela, mesmo que depois se mostre disponível para aprender também alguma canção do Justin Bieber. Por agora, se tiver essa sorte, aproveite o melhor do quintal ou jardim. E lembre-se que a comunicação é, antes de mais, uma troca.

Stop

Jogadores: 2 ou mais

Material: Uma folha de papel A4 e uma caneta.
Regras: Com a folha na horizontal escrevem-se várias categorias de elementos (nomes próprios, países, capitais, animais, cores, plantas, marcas, objetos, cantores, alimentos…) Divide-se a folha de forma a que cada categoria tenha uma coluna. A ultima coluna é para contabilizar os pontos ganhos em cada jogada.

© Instagram

Um jogador diz mentalmente o alfabeto e outro diz Stop definindo assim a letra que terá de ser usada para todas as categorias. O jogador que primeiro preencher a tabela com todas as palavras começadas pela letra definida diz Stop e a jogada termina. Cada jogador lê então as suas palavras. Sempre que os jogadores tiverem palavras repetidas entre si somam cinco pontos. Se tiveram palavras diferentes, somam 10 pontos. Se um jogador não tiver conseguido preencher a palavra necessária na sua tabela, isso reverte em mais cinco pontos para cada adversário. No final somam-se os pontos que cada um obteve na jogada. E depois das várias rondas, quando o jogo termina soma-se a totalidade dos pontos obtidos em todas as jogadas. Ganha quem totalizar mais pontos.

Vantagens: Este jogo é ótimo para treinar competências de Estudo do Meio, Língua Portuguesa e Matemática.

Mensagem Secreta

Jogadores: mais de 5

Material: Nenhum.
Regras: O grupo senta-se no chão em círculo. O primeiro jogador inventa um segredo breve. Di-lo ao ouvido do jogador à sua direita, que por sua vez tem que o contar ao outro jogador a seu lado, e assim sucessivamente, até a mensagem percorrer todos os jogadores. O último jogador a ouvir a mensagem ou o segredo repete em voz alta o que ouviu, que normalmente já foi adulterado em relação ao segredo inicial.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Vantagens: Este jogo é muito bom para discutir com as crianças a importância de respeitar os segredos que lhe contam, a forma como se disseminam boatos, a importância da verdade, mas também incita a imaginação e a verbalização.

Cadáver Esquisito (desenho ou texto)

Jogadores: 2 ou mais

Material: Folha de papel a4 lisa ou de linhas, caneta ou lápis de carvão, lápis de cor ou outro material de pintura.
Regras: Na folha de papel o primeiro jogador inicia um desenho, uma história ou um poema. Depois dobra o que fez deixando exposto apenas um pequeno traço ou uma única palavra. O jogador seguinte pega na folha e tem que continuar a partir daquilo que o jogador anterior lhe deixou. Quando terminar volta a dobrar a folha, deixando apenas um rasto de risco ou palavra, e passa-a ao jogador seguinte. O jogo só termina quando a folha estiver totalmente dobrada. O resultado será inevitavelmente um desenho ou história absurda, risível bem ao gosto surrealista.

© Instagram eliaaanaart

Vantagens: Este jogo é bom para trabalhar o desenho abstrato, mostrar quadros surrealistas, conhecer autores como Miró, ou Magritte, por exemplo. E perfeito para explorar a diferença entre a representação figurativa do mundo e a representação abstrata. Serve também para trabalhar a imaginação, a escrita e a ortografia.

Forca

Jogadores: 2 ou mais

Material: Uma folha de papel A4. Quanto maiores forem as letras mas fácil será para as crianças mas pequenas visualizarem a palavra.
Regras: Numa folha de papel desenha-se um forca (aproveite para explicar à criança o que é o objeto). O primeiro jogador pensa numa palavra e desenha tantos traços quantas letras tiver a palavra em que pensou. Para facilitar coloca duas ou três letras apenas. A partir daí cada jogador tem direito a sugerir uma letra. Se a letra existir na palavra mistério, ela é colocada no seu local correspondente. Se não existir o jogador vai à forca, sendo desenhada a cabeça do enforcado. De cada vez que a letra sugerida estiver errada continuar-se-à a desenhar o enforcado. Ganha quem conseguir adivinhar a palavra mistério antes de ser concluído o desenho do enforcado.

© Instagram monicabrinquedos

Vantagens: Este é um jogo simples que trabalha a ortografia. Se as crianças dão erros, por exemplo, os adultos devem usar na brincadeira palavras complexas, com casos especiais de leitura, (ch/lh, nh, s, z,ss, etc.).

Cabra-cega

Jogadores: mais de 8

Material: Um lenço grande.
Regras: Um jogador será a Cabra Cega e os seus olhos serão tapados com o lenço e terá de girar três vezes sobre si mesmo para perder o sentido de orientação. Os outros jogadores fazem uma roda à sua volta e vão trocando de lugares enquanto a cabra cega tenta apanhar um deles. Depois de apanhar outro jogador a “cabra” terá anda que adivinhar quem ele é tateando o seu rosto, as suas roupas, etc. Se o jogador conseguir adivinhar quem é que apanhou, o apanhado passa para o lugar de cabra cega. Se não o jogo recomeça. Enquanto correm, os jogadores podem cantar uma canção combinada previamente.

© DR

Vantagens: Este jogo estimula a criação de proximidade física entre as crianças, leva-as a experimentar tocar no outro, a observar os detalhes dos rostos e das mãos, criando um descentramento do Eu.

Jogo da Macaca

Jogadores: 2 ou mais

Material: Giz para desenhar no chão a figura da “Macaca”, pequena pedra ou pequeno objeto plano de plástico ou metal.
Regras: Cada casa da Macaca é numerada de 1 a 8. O primeiro jogador lança a malha para a casa 1. A seguir salta para as casas 2 e 3 a pé coxinho, passando por cima da casa 1, onde está a malha (nesta não se pode tocar). Nas casas 4 e 5 salta e põe um pé em cada casa ao mesmo tempo. Na casa 6 salta de novo ao pé coxinho. Nas casas 7 e 8 faz o mesmo que nas casas 4 e 5, e depois salta de novo para ficar virado ao contrário. Não pode pisar nunca os riscos do desenho. Retoma, sempre ao pé coxinho, o trajeto em direção à casa 1. Ao chegar à casa 2, apanha a sua malha que está na casa 1 e acaba o percurso saltando para fora, passando sobre a casa. 1.Enquanto o jogador não perder, vai jogando sempre da mesma maneira. Se pisar o risco, cair ou colocar os dois pés no chão, o jogador perde e dá a vez outro.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Caricas e Berlindes

Jogadores: 2 ou mais

Material: Tampas de refrigerantes e berlindes, giz.
Regras: Com as caricas traça-se uma pista no chão que pode ser do tamanho e forma que os jogadores quiserem. Depois cada jogador tem uma carica, à qual dá um nome ou um número. As caricas são alinhadas no início da pista. Sorteia-se quem principia o jogo. O primeiro jogador dá um piparote na carica para ela avançar mas sem sair da pista. Se a carica sair da pista, o jogador tem que voltar ao início. Os jogadores dão piparotes na suas caricas alternadamente. Ganha a carica que chegar primeiro à meta.

Com o berlinde é idêntico mas em vez de pista há uma cova, pelo que o jogo tem que ser feito num campo de terra. Alternadamente, cada jogador dá um piparote no seu berlinde até ele conseguir entrar na cova. Transposta esta dificuldade, cada jogador tentará alvejar os outros jogadores com o seu berlinde. O jogador que for alvejado sai do jogo. Ganha quem conseguir ficar no jogo sem adversários.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Macaquinho do Chinês

Jogadores: mais de 3

Material: Nenhum. Deve ser jogado num espaço amplo onde exista uma parede ou um muro.
Regras: Um jogador é o mestre e esconde os olhos de encontro a uma parede enquanto os outros se posicionam junto a uma linha real ou imaginária pré-definida. O jogador conta “1, 2, 3, macaquinho do chinês” e enquanto isso os outros têm que se movimentar rapidamente e ficar em estátua quando ele se virar para olhar. O jogador que for apanhado a mexer-se volta ao ponto de partida. Ganha quem conseguir chegar primeiro ao lugar do mestre sem ser apanhado em movimento.

Loto e baralhos de cartas

Jogadores: 2 ou mais

Material: Cartões numerados e peças numeradas, baralho de cartas.
Regras: Cada cartão tem 15 números desenhados aleatoriamente. dentro de um saco estão as peças cilíndricas numeradas, as quais se tiram ao acaso. Ganha o jogador que primeiro consegue preencher nos seus cartões, uma série de cinco números colocados na mesma linha, e o que consegue preencher todos os números no seu cartão. O jogo do Loto é um jogo muito útil para crianças que estão a aprender a numeracia e/ou que têm dificuldade em reconhecer números e efetuar contagens.

Os jogos de cartas, desde o Peixinho à Sueca, são igualmente entusiasmantes para jogar em família e treinar matemática de forma lúdica. Nenhuma versão disponível em computador pode bater o clima de grupo, o desafio e o calor humano de uma partida jogada mão a mão.

© Instagram nikki.mrsolson