No final de Março, pouco mais de quinze dias depois de tomar posse, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou o Orçamento do Estado para 2016 e fez uma declaração ao país (a sua primeira) a anunciá-lo. Considerou-o o Orçamento possível, ou nas suas palavras, “um Orçamento de compromisso”: entre o que queria o Governo, o que reclamavam os seus parceiros políticos e o que lhe exigia Bruxelas. No momento da promulgação, manifestou três dúvidas e fez uma exigência. Que respostas foi encontrando nos meses que se seguiram?

Comecemos pelas dúvidas:

As previsões contidas no orçamento para a evolução da economia portuguesa não serão ainda demasiado otimistas?”

Este modelo que aposta no consumo das famílias e no consumo publico fará crescer a economia?”

Poderá ser executado sem medidas adicionais que venham a exigir retificação?”

Em António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa chegou a detetar, logo em maio, um “otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”. E até lhe deu um conselho: “Escusa é de o fazer de forma excessiva, sr. primeiro-ministro. Mas pode fazê-lo com os pés assentes no chão. Apesar de tudo, há otimismos minimamente racionais”. Entre risos e sem referências à economia, as declarações não deixaram de ser lidas como avisos do Presidente a perspetivas excessivamente otimistas sobre a realidade económica nacional. Ainda para mais quando, a 25 de abril, Marcelo já tinha recomendado “permanente atenção às previsões e aos seus reflexos financeiros”. No espírito de Marcelo estava a convicção que Portugal podia ser “obrigado a revisões de previsões, sem alarmismo mas com lucidez”, caso se mantivesse a conjuntura internacional de abrandamento económico, nomeadamente nos principais mercados destino das exportações do país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não chega ao final do ano exultante e afirmou, ainda há uma semana, ser “evidente que é preciso mais crescimento económico para, apesar das compensações sociais que houve, se poder dizer que se saiu da crise”. Até deu, num programa da TSF, uma nota baixa ao quadro social do país, “porque há custos sociais que duram para além da crise (…) Aqui é apenas suficiente, entre os 11, 12, 13 [valores], umas mais nos 11 e outras mais nos 13”.

Quanto à necessidade de medidas adicionais, até agora não há registo disso (pelo menos assumidas nesses termos), embora o Governo só possa respirar de alívio quando a execução do ano estiver fechada, o que só acontece no final de março. A verdade é que, a meio de julho, o primeiro-ministro veio afirmar que o Governo tinha uma “almofada de cativações adicionais”. Costa dizia-se confiante na execução orçamental, mas ao mesmo tempo falava numa medida extra: “Uma almofada de cativações adicionais equivalente a 0,2 pontos percentuais do PIB, o que constitui uma garantia de que as metas a que se propôs o Estado Português serão sempre alcançadas sem medidas adicionais e sem planos B”.

Era precisamente nessa altura que se levantava o fantasma das medidas adicionais levantava-se, perante a possibilidade de Portugal ser confrontado com sanções europeias, pela violação do limite de défice em 2015. Mas, nessa altura, Marcelo mostrava-se “sereno”: “Estamos à espera de ver qual é a avaliação técnica e depois a reação política, se há ou não há sanções e quando são e como são. Só depois disso é que se poderia discutir medidas adicionais e, depois disso, é uma altura em que o Orçamento para 2017 já está praticamente pronto”. Não foi preciso entrar nestes cálculos, já que as sanções discutidas não foram aplicadas.

Também colocava importância, nesta declaração ao país, no Plano Nacional de Reformas e no Programa de Estabilidade (com as metas orçamentas para os próximos quatro anos) que o Governo apresentaria em abril em Bruxelas. Quando os conheceu, referiu que o Governo escolheu “o caminho menos ideológico e mais pragmático”, elogiando isso mesmo: “Foi uma escolha muito sensata, prudente e realista“. Mas, na lógica sempre seguida de “uma no cravo, outra na ferradura”, Marcelo ainda acrescentou dúvidas sobre o alcance do corte da despesa em 2016: “É preciso saber se o esforço do corte drástico de despesa, e de cativação de despesa já este ano, é suscetível ou não de cumprir o compromisso”.

É que, na altura, o Presidente da República fazia sobretudo depender a necessidade ou não de medidas adicionais de três coisas específicas: da evolução da situação económica, do realismo das previsões sobre receitas e despesas e, em terceiro lugar, de como Orçamento iria ser executado. O que nos leva à exigência que deixou:

Insto o Governo e a Administração Pública a serem muito rigorosos na execução do Orçamento do Estado, é isso que permitirá fazer face a uma evolução económica menos positiva ou a problemas quanto ao realismo das despesas e receitas previstas no Orçamento”

O dado mais importante em matéria de execução orçamental é o cumprimento das metas assumidas junto de Bruxelas. E, para 2016, a que está fixada para o défice português é 2,5%. O Governo mantém que conseguirá os 2,4%. Embora Marcelo Rebelo de Sousa mantenha a sua previsão mais acima, ficando pela meta imposta a Portugal pelas instituições europeias. Ainda assim, a avaliação que faz é positiva: “A execução orçamental mostrou, até agora, que tem acompanhado o compromisso assumido com a União Europeia”. Disse-o em novembro, numa conferência do Jornal de Negócios onde foi especialmente elogioso para o Governo. “Assistimos a uma redução de um défice superior a 11% em 2011, para 2,5% em 2016, com um compromisso de redução significativa para 2017”.

A conclusão que se pode tirar é que, em matéria de economia, Marcelo foi sendo sempre mais cauteloso, nomeadamente sobre os dados que dizem respeito exclusivamente à evolução da economia. A sua maior confiança em relação ao Governo de António Costa é mesmo sobre a solução política. Na declaração de março pedia “estabilidade” — e nessa altura a solução governativa ainda dava os primeiros passos e produzia o seu primeiro Orçamento –, mas oito meses passados, no tal discurso elogioso para o Governo, Marcelo conclui que “foram processos lentos, complexos e difíceis de pilotar, mas superaram as expetativas. Aqui estamos no final de 2016 e podemos dizer que esses problemas, que eram inultrapassáveis em fevereiro ou março, foram razoavelmente ultrapassados”.