A história é contada na primeira pessoa, às primeiras páginas de “Os 100 Melhores Azeites de Portugal”: em 1998, durante um jantar faustoso, o jornalista Edgardo Pacheco viu um espanhol pedir azeite para temperar, a frio, uma peça de borrego que tinha acabado de lhe ser servida. O ato, que muitos encararam com estupefação, fê-lo aperceber-se, com tristeza, que pouco ou nada sabia da poda.

Decidido a remediar essa falha, participou, ainda nesse ano, na sua primeira prova de azeites, organizada pelo mesmo homem que lhe viria mais tarde a pegar o vício, José Baptista Gouveia, professor jubilado do Instituto Superior de Agronomia. E nunca mais parou. “Provo azeites desde essa altura. E com bastante regularidade há quase dez anos. Cursos já fiz todos os que existem em Portugal. E como não há mais, vou repetindo os módulos que já fiz”, recorda por telefone a partir da sua ilha-natal, a de São Miguel, nos Açores.

AZEITESCAPADR

O livro foi editado pela Lua de Papel e custa 22€.

“E se falássemos a sério de azeite?”

“Os 100 Melhores Azeites de Portugal” é um título que se compreende, especialmente numa era em que a internet prova, todos os dias, o poder apelativo da fórmula o melhor [produto] de [localização]. E, de facto, o autor faz a respetiva seleção no seu interior, elegendo, inclusive, um top 10. Mas acaba por ser muito redutor olhar para este livro apenas como um guia de compras de azeite.

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O autor

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Edgardo Pacheco é jornalista desde 1992 e dedica-se a assuntos de gastronomia há mais de 20 anos. Atualmente, é possível lê-lo no Jornal de Negócios e Correio da Manhã, onde a sua presença se estende aos ecrãs: conduz o programa “Prato da Casa” da CMTV. Este não é o primeiro livro com o seu nome na capa: em 2014 escreveu, a meias com o jornalista e crítico gastronómico Fernando Melo, o “Guia de Restaurantes de Portugal”.

A frase acima reproduzida a negrito foi escolhida para introdução da obra e bem que podia tê-la batizado por completo. Porque resume da melhor forma a intenção de Edgardo e tudo aquilo que o levou a ter, durante meses, mais de 200 garrafas de azeite e uma coleção admirável de copinhos azuis de prova espalhados por casa.

“Há uma certa sensação de revolta da minha parte. Principalmente quando vejo os azeites portugueses a fazer brilharetes lá fora e depois percebo que isso cá dentro não passa”, explica. Mas porque é que não passa? O problema, explica, está na proximidade que temos com o azeite. “Quando convivemos muito com determinado produto achamos que sabemos tudo sobre ele. Adquirimos determinados hábitos e sentimos que não é preciso saber mais. E as pessoas cresceram com azeite, faz parte da história, da sua alimentação.”

Edgardo Pacheco

Edgardo Pacheco escreve sobre assuntos relacionados com gastronomia desde 1996. Atualmente apresenta o programa “Prato da Casa”, na CMTV. (foto: © Jorge Simão)

Trocando por miúdos, os portugueses são, regra geral, maus consumidores de azeite. “Muitos ainda acham que bom azeite é o que o primo traz da terra”, afirma Edgardo antes de explicar que é muito frequente, em provas, ver pessoas a favorecer azeites defeituosos, principalmente com aroma a tulha. Ora a tulha era o local onde habitualmente se conservavam as azeitonas antes de lhes começar a extrair o sumo.

As azeitonas amontoadas em tulhas de madeira começam a fermentar e a ganhar um conjunto de aromas e sabores desagradáveis peculiares (azeitonas apodrecidas + madeiras húmidas), que jamais darão origem a um azeite virtuoso. Como durante centenas de anos se conservavam as azeitonas em tulhas de madeira, quase todos os azeites vinham com esse defeito. Daí que muita gente entenda, ainda hoje, que um azeite genuíno deve cheirar e saber a tulha.”

Mas não deve. E, garante Edgardo, os mesmos consumidores que à primeira prova elegem os azeites defeituosos como os da sua preferência conseguem identificar esses mesmos defeitos mais tarde. Basta um pouco de treino, não muito. Aliás, a análise sensorial no domínio dos azeites é algo recente. “Começa nos anos 90 e é também nessa altura que se inicia o processo das DOP de azeite. Antes nem isso havia. A cultura do azeite é milenar mas tudo o resto é novo.”

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Lê-se no livro: “O azeite é, pura e simplesmente, sumo natural de azeitonas, obrtido através de processos mecânicos básicos (pressão da polpa dos frutos). E nada mais.” (foto: iStock)

O bom azeite nem sempre vem ao de cima

Em Portugal, há dois grandes embaladores de azeite, Gallo e Oliveira da Serra, que juntos representam 60 a 65% da quota de mercado. E isto, citando o autor, “cria dificuldades aos pequenos produtores no acesso aos grandes canais de distribuição.” Pior: apesar de veicularem mensagens de portugalidade nas suas ações de comunicação, as duas marcas usam azeites importados do mundo inteiro para fazer a grande maioria dos seus lotes. “Eles não estão preocupados em criar um azeite de matriz portuguesa. Estão é preocupados em agradar ao perfil dos seus consumidores”, aponta Edgardo.

Os problemas não se esgotam aí. Primeiro, a ausência da data de colheita: alguém imagina um vinho ser comercializado sem a indicação do ano? Idealmente, devia consumir-se apenas azeite da colheita mais recente, já que, como se lê no livro, este “começa a perder riqueza de aromas e sabores a partir do primeiro dia em que é extraído das azeitonas”. Edgardo dá o exemplo italiano e espanhol, onde é comum o azeite da campanha anterior ser vendido com desconto. Em Portugal resta-nos confiar numa data de validade escrita em letra miúda. Depois, a inexistência de notas de prova. “Do ponto de vista legal nem se podia, pelo menos até há pouco tempo, ter notas de prova numa garrafa de azeite.” E porquê? Edgardo avança com uma hipótese: “Não há muito interesse por parte dos grandes operadores que haja um certo dinamismo da área.”

Azeites Top 10

O azeite ribatejano Cabeço das Nogueiras Premium faz parte do Top 10 eleito por Edgardo Pacheco. (foto: © Jorge Simão)

Apesar disto, é previsível que continuem a aparecer no mercado novos azeites de pequenos produtores. “No fundo, funciona como a moda dos vinhos. O investimento em área de olival aumentou imenso e nos últimos anos plantaram-se uns 30 mil hectares de olival com produções super intensivas”, justifica o autor.

Como escolher um bom azeite?

Havendo oferta, que a há — não esqueçamos que a obra identifica 100 azeites virtuosos — caberá aos consumidores saber encontrá-los. À pergunta “como escolher um bom azeite?”, Edgardo responde com uma condição primordial:

A primeira coisa a fazer é esquecer a lengalenga da acidez. Ainda hoje se acha que o grau de acidez é que conta. Mas não conta para nada. É um erro que merece quase uma investigação, porque é que a acidez é critério. Antigamente os azeites deviam ser tão ácidos que causavam problemas, daí a expressão ‘está com os azeites‘.”

Azeite para cozinhar?

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Se o objetivo do azeite for temperar a cru, este deve ser virgem extra, a categoria máxima dentro dos azeites. Mas se o objetivo for confitar, fritar ou refogar, não vale a pena estragar um azeite dessa gama: um virgem serve perfeitamente. No caso de frituras de grandes quantidades pode mesmo usar-se azeite de qualidade inferior.

Na verdade, e ao contrário do que se pensa, a acidez não tem cheiro nem sabor. E mesmo na gama mais baixa de azeites, que mistura lampantes refinados (azeites defeituosos que são submetidos a um processo industrial de limpeza) e virgens, há garrafas com apenas 1% de acidez, só duas décimas acima do máximo (0,8%) permitido para os virgem extra. E por falar neles, eis outra dica do especialista.

Para temperar a cru devemos escolher sempre azeite virgem extra. Quando escolhemos um virgem extra temos garantia imediata de qualidade, é a excelência em matéria de azeite.”

Depois, explica o autor, “é uma questão de gosto”. O bom azeite, tal como o vinho, traz consigo o terroir da região em que é produzido. Uma lição rápida nesta matéria:

Para quem gosta de azeites mais verdes, com aromas verdes, de relva, de folha de oliveira, de couve e sabores amargos e picantes na boca, o terroir de eleição será Trás-os-Montes. Se gostam deles mais suaves, mais doces, mais tranquilos, não amargos e pouco picantes devem consumir azeites do Alentejo e Ribatejo. Já os azeites do Douro têm um perfil peculiar. No Baixo Corgo e Cima Corgo os azeites têm notas de frutos secos e especiarias, alguns têm notas de canela, bastante vincadas, arbustos e ervas aromáticas que os tornam muito interessantes para usar em sobremesas, com chocolate ou até gelado.”

O ideal será não ter apenas uma garrafa de azeite em casa, mas várias, usando-as conforme as ocasiões. Se for para temperar carnes acabadas de sair do forno, por exemplo, um azeite mais forte (Trás-Os-Montes), já para peixes, sopas e outras receitas mais delicadas, azeites mais suaves (Alentejo e Ribatejo).

Basta ter três azeites diferentes. Um que sirva para peixe, outro que sirva para carne e outro que sirva para outras brincadeiras. Para temperar cozidos a vapor, por exemplo, não é preciso um azeite muito intenso. Mas imagine-se uma salada com anchovas: aí um azeite mais picante fará algum sentido. Depende da ocasião.”

Quem se quiser aventurar num uso ainda mais inventivo do produto deverá ter em conta as 25 receitas sugeridas no livro, da autoria de alguns dos melhores chefs a trabalhar em Portugal e com direito a excelentes fotografias de Jorge Simão. Do “Bacalhau com os seus sames”, de Pedro Lemos , ao “Carpaccio de polvo” assinado por Rui Paula. E sim, o azeite também vai bem à sobremesa, como o provam o “Gelado de azeite” de Rui Pascoalinho ou o “Leite Creme de Azeite, Gelado de Lima Kaffir e Caramelo” de Ricardo Costa.

Curiosamente, da restauração acabou por vir mais do que apenas estas receitas. Desde o lançamento do livro que Edgardo tem recebido, também, telefonemas de chefs e empresários da área interessados em construir uma carta de azeites. “Eu não me importo nada de ajudar, com a condição de que alguém fique responsável por rodar os azeites a cada três ou quatro meses”, assegura o autor, surpreendido com tantas reações ao seu livro: “Estava absolutamente a léguas de esperar isto. Achei que a paixão pelo azeite era uma doença minha.”