Durante a campanha eleitoral para Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump utilizou o seu sucesso como empresário como trunfo para angariar votos. Algumas vozes colocaram em causa a dimensão desse sucesso, mas Trump apoiou-se na sua fama e fortuna para garantir aos americanos que, com ele, poderiam vir a ser como ele.

“Os meus investimentos já eram conhecidos antes da eleição”, disse Trump na rede social Twitter depois de vencer a corrida presidencial. Os seus críticos, porém, consideram que Donald Trump pode vir a enfrentar alguns conflitos de interesse durante o mandato se optar por manter todos os investimentos.

Numa conversa com a equipa do diário norte-americano New York Times, Trump chegou a dizer: “A lei está totalmente do meu lado: o Presidente não pode ter conflitos de interesse”. O que é verdade. De facto, a lei protege Donald Trump de uma forma um pouco enviesada. As regras do Departamento de Ética isentam o Presidente e o vice-Presidente de conflitos de interesse na base de que as pessoas escolhidas para estes cargos “são honestas o suficiente para fazerem o que é certo” e porque “o presidente tem tanto poder que qualquer decisão política pode ser vista, de uma forma ou de outra, como um conflito de interesses”.

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A preocupação, no caso de Trump, que mantém negócios em dezenas de países, é a de que se possa vir a verificar influência externa exercida através do pagamento de benefícios a membros do governo. Há, contudo, uma “Cláusula das Recompensas”, a “Emoluments Clause“, na Constituição, que traça uma linha vermelha nas “doações” feitas por entidades estrangeiras. E é para este pedaço obscuro de lei que os críticos de Trump se têm virado.

Até aqui, tinha partido dos próprios presidentes “selarem” os bens em fundos administrados por terceiros ou vender todas as participações em empresas, mas Trump ainda não garantiu que o fará. O próprio já admitiu que ser eleito tornou o seu nome “uma marca mais quente”.

O caso dos empregados do hotel de Trump em Las Vegas

Em outubro de 2015, centenas de empregados do International Hotel de Las Vegas, que é detido por Trump e pelo magnata dos casinos Phil Ruffin, deram a conhecer à gerência do complexo a intenção de se juntarem ao sindicato local de trabalhadores da restauração – coisa que Trump tentou impedir, primeiro contratando uma firma de consultores na área da sindicalização e, posteriormente, apresentando uma queixa junto do Departamento Nacional de Relações Laborais (NLRB, na sigla em inglês). Apesar de a disputa ter sido resolvida, o caso figura na lista dos casos mais controversos porque, se se tivesse estendido mais umas semanas, Trump teria estado em posição de nomear pessoas para as cadeiras que faltam preencher na NLRB, precisamente o organismo que o desautorizou. O universo empresarial de Trump emprega cerca de 34 mil pessoas, diz a CNN.

O acordo com a Carrier

Uma das primeiras “promessas cumpridas” de Trump foi a de garantir que a Carrier, um fabricante de aparelhos de ar condicionado, se mantinha em solo norte-americano, mais precisamente no Indiana. A Carrier tinha manifestado a intenção de relocalizar para o México, o que deixaria 1.200 pessoas sem emprego. Depois da intervenção de Trump, 750 pessoas conseguiram manter o emprego mas, em troca, além da redução dos postos de trabalho, a Carrier garantiu um pacote de benefícios fiscais avaliado em cerca de sete milhões de euros para usufruir ao longo de dez anos. A medida foi aplaudida e criticada mas há ainda uma questão por resolver. Apesar de um porta-voz de Donald Trump ter dito que o Presidente-eleito vendeu todas as suas ações em empresas como a Apple ou a Boeing, não há ainda prova de que o tenha mesmo feito. Ora, um dos seus investimentos é, ou foi, na United Technologies, uma companhia parente da Carrier.

O tal telefonema para Taiwan

O que fez manchete foram as implicações do telefonema no (des)alinhamento da política mundial, mas quando Trump escolheu ignorar a convenção, aceite pelos seus antecessores desde 1979, de que é a China que governa Taiwan, telefonando ao presidente do território, Tsai Ing-wen, talvez tivesse os seus próprios interesses em mente. Existem suspeitas de que Trump estivesse a ponderar expandir para Taiwan. O presidente da câmara de Taoyan, localidade na qual Trump iria investir, confirmou, numa entrevista, que se tinha encontrado com representantes da Organização Trump para discutir a viabilidade de investimentos na área do imobiliário. Um porta-voz de Trump já negou que o Presidente-eleito tenha interesse em investir no território.

As ligações à Arábia Saudita

A campanha para presidente não travou, nem sequer desacelerou, os investimentos de Donald Trump. Durante os 16 meses que durou a sua campanha, diz o Washington Post, Trump registou oito novas empresas na Arábia Saudita, uma a cada dois meses. Isto não só levanta questões sobre a posição que Trump adotará em relação ao preenchido cadastro da Arábia Saudita em matéria de direitos humanos, como põe em causa a transparência e a honestidade da sua campanha. Donald Trump acusou várias vezes Hillary Clinton de receber donativos, para a sua Fundação, de países onde os direitos humanos não eram respeitados, referindo-se especificamente à Arábia Saudita. Implícita, mas não sempre, estava a acusação de que estes países estivessem a contribuir para as causas humanitárias defendidas pelos Clinton na tentativa de obter contrapartidas de Clinton enquanto Secretária de Estado, o cargo mais alto da diplomacia norte-americana.

Fannie Mae e Freddie Mac

Toda a gente já ouviu falar destes nomes, que se parecem aos de pessoas. Mas não são pessoas. Fannie Mae é de facto a Federal National Mortgage Association (FNMA) e Freddie Mac é a Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC). Basicamente, são empresas com participação estatal, criadas durante o New Deal, para ajudar os americanos a adquirir uma casa. Depois da especulação imobiliária ter atingido o seu limite, durante a crise de 2008, ambas as empresas, que adquirem e revendem hipotecas, dando às pessoas a possibilidade de voltarem a pedir dinheiro sobre o valor da casa, colapsaram e tiveram que ser adquiridas pelo governo.

Porque é que isto interessa? Porque o homem que Trump quer à frente do Tesouro, Steven Mnuchin, é um forte adepto da desregulamentação do mercado financeiro e acredita que o governo deve abrir mão de ambas as empresas. Mnuchin disse que Donald Trump “provavelmente procederia a essa liberalização relativamente rápido” e as ações de ambas as empresas subiram mais de 40 por cento. O conflito de interesses está aqui: um dos maiores beneficiários deste disparo foi John Paulson, um dos principais conselheiros de Trump e aliado de Mnunchi nos seus negócios. Trump investiu entre três e cinco milhões em fundos geridos por Paulson, segundo documentos que ele mesmo apresentou junto da Comissão Eleitoral. As ações destas empresas sobem porque os investidores conseguem ver ao fundo do túnel a sua privatização total. Quem ganha com isto é Trump.