“Se as Montanhas se Afastam” (Jia Zhangke)

O realizador de “Plataforma” continua a refletir sobre a “nova China”, onde vigora um modelo económico capitalista incrustado num regime comunista. Em “Se as Montanhas se Afastam”, estão em causa a separação das gerações e a gradual despersonalização cultural e perda da identidade dos chineses desde o final do século XX. Sendo este também um dos filmes mais tristes e dramáticos já feitos sobre a alienação entre uma mãe e um filho. Mãe que, em “Se as Montanhas Também se Afastam”, simboliza também a pátria.

“O Primeiro Encontro” (Denis Villeneuve)

Baseado numa obra premiada de Ted Chiang, um dos principais autores de ficção científica contemporâneos, “O Primeiro Encontro”, do canadiano Denis Villeneuve, varre para fora de cena todos os clichés, situações feitas e lugares-comuns sobre filmes de “primeiro contacto” entre alienígenas e humanos. Não é uma história de conflito, mas sim de procura de entendimento, de construção de pontes entre espécies cósmicas diferentes, através da linguagem. Um filme para pensar que também tem “suspense” e emoção. E Amy Adams. Carl Sagan teria adorado.

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“Ela” (Paul Verhoeven)

Comédia negra amoral? Filme de terror com monstros de carne e osso? “Thriller” psicológico que arrasa os estereótipos do cinema sobre a mulher como vítima passiva e estridente dos predadores sexuais, sem perversões ou iniciativa carnal? “Ela”, de Paul Verhoeven, sobre uma empresária de jogos de vídeo que é violada em casa e põe em movimento um doentio e perigoso jogo do gato e do rato com o violador, é um pouco de tudo isto. Verhoeven passa o tempo a tirar-nos o tapete de debaixo dos pés e Isabelle Huppert é imperial e imperscrutável no papel principal.

“A Canção do Mar” (Tomm Moore)

A animação do ano é europeia e identitária, realizada pelo irlandês Tomm Moore, co-autor de O Livro de Kells. “A Canção do Mar” traduz-se numa belíssima história de magia passada em família nas costas irlandesas, que vai beber fundo no folclore e no fantástico da tradição da “faerie”, com uma personalidade visual que harmoniza a estética da arte tradicional celta e um traço moderno. O filme contempla um lirismo mágico e melancólico, mas não se esquece do sentido de humor, nem da música a preceito.

“Francofonia” (Alexander Sokurov)

Depois do Hermitage em “A Arca Russa”, Sokurov vai ao Louvre, de que faz o elogio – e por extensão, de todos os museus – como fortaleza da arte e da cultura contra as muitas tempestades do mundo, ao mesmo tempo que medita sobre o significado, a importância e a eternidade da arte e a sua relação com o poder. “Francofonia” tem um lado artesanal e outro experimental, é realista e fantasmagórico, documental e ficcional, faz reconstrução dramática e ilustração pedagógica. É um ensaio em cinema.

“Milagre no Rio Hudson” (Clint Eastwood)

Clint Eastwood e Tom Hanks juntaram-se para celebrar um herói americano consensual e exemplar, cuja proeza uniu os EUA em vez de os dividir. É ele comandante Chesley “Sully” Sullenberger, que em Janeiro de 2009 conseguiu pousar o seu Airbus no rio Hudson, após, ao decolar, ter perdido os motores numa colisão com um bando de patos. Eastwood revela ainda como as autoridades da aviação tentaram incriminar Sully e o seu co-piloto no inquérito, e foge à convenção de filmar o acidente de forma linear e “arrumada”.

“O Amigo Gigante” (Steven Spielberg)

No seu primeiro filme para a Disney, Steven Spielberg adapta um livro infantil de Roald Dahl sobre a amizade entre uma órfã e um gigante bondoso (Mark Rylance). O resultado é uma fantasia feérica com fagulhas de terror, muito bem-humorada e estriada de excentricidade muito “british”. E ainda sem a lamechice que tantas vezes compromete Spielberg, e com todos os ingredientes que fizeram de Dahl um dos escritores com quem os mais novos mais se identificam.

“O Herói de Hacksaw Ridge” (Mel Gibson)

Após um hiato de dez anos, Mel Gibson voltou à realização pegando na história real de Desmond Doss (Andrew Garfield), objector de consciência por razões religiosas que mesmo assim quis servir na II Guerra Mundial sem pegar em armas, como socorrista, acabando herói medalhado. “O Herói de Hacksaw Ridge” é um tremendo filme de guerra sobre um homem que fez da não-violência um princípio de vida, mas também sobre a Fé genuína, a força das convicções individuais, a coragem desinteressada e a aristocracia do espírito.

“O Exame” (Cristian Mungiu)

A cunha é o tema deste drama do romeno Cristian Mungiu, centrado num médico que pede um empenho para a filha fazer uma prova decisiva que lhe poderá valer uma bolsa de estudo em Inglaterra, e ser beneficiada por um dos examinadores. Mungiu tira uma radiografia moral aos seus compatriotas com um realismo descritivo, imperturbável e brutalmente eficaz, ilustrando os mecanismos corruptores da cunha, e a maneira como os que lamentam a sua existência também se servem dela. Podia passar-se em Portugal.

https://www.youtube.com/watch?v=XCjdQrcDtH0

“Dheepan” (Jacques Audiard)

Dheepan, guerrilheiro Tamil do Sri Lanka recebe asilo político em França. Vem com uma jovem que finge ser sua mulher e uma menina órfã que passa por filha deles. Em Paris, são alojados num daqueles subúrbios onde o Estado abdicou da sua jurisdição, a polícia passa a correr e os traficantes de droga e armas mandam. E Dheepan, que renunciara à violência, tem que recorrer á sua experiência de combate para proteger a família de ocasião. Jacques Audiard ganhou o Festival de Cannes de 2015 com este filme de um desassombro politicamente incorreto.