A Agência Europeia do Medicamento aprovou um novo tratamento para a colangite biliar primária, uma doença rara no fígado. É a primeira vez em mais de vinte anos que é encontrado um novo tratamento para esta doença que, se não for tratada atempada e corretamente, pode evoluir para cirrose ou insuficiências hepáticas que obriguem ao transplante de fígado. O medicamento traz uma nova esperança para os 40% de doentes que não respondiam positivamente às terapêuticas descobertas até agora.

De acordo com Guilherme Macedo, médico gastrenterologista, a colangite biliar primária é uma doença crónica e evolutiva que cria infeções nos canais biliares, que fazem a ligação entre o fígado e o intestino. Na maior parte dos casos, a doença é assintomática – ou seja, não manifesta sintomas que sirvam de alerta para o problema – o que dificulta o diagnóstico precoce, essencial para que não evolua para doenças ainda mais graves. “Imagine como seria viver com um prurido permanente, uma comichão persistente. Isso é o que sente um doente de colangite biliar primária”, explicou ao Observador o especialista.

Até agora, o único medicamento para a colangite biliar primária aprovada pela Agência Europeia do Medicamento no mercado era feito de ácido ursodeoxicólico, um composto a que 40% dos doentes não respondia bem, o que impedia a travagem da doença a tempo de chegar a estágios mais avançados. O novo remédio, composto por ácido obeticólico, evita a inflamação das vias biliares e bloqueia a atuação de citocinas na região, o que ajuda a controlar a doença. De acordo com as análises, até os doentes cujo organismo não respondia bem ao medicamento anterior conseguem ver a doença mais controlada com este novo remédio.

Embora a doença ainda guarde muitos mistérios para os médicos, uma coisa é certa: ao contrário do que se pensa normalmente, o consumo excessivo de álcool não é um dos problemas que conduzem ao surgimento da doença. “A colangite pode ser causada por causa do vírus da hepatite ou por deficiência imunológica e afeta entre mil e duas mil pessoas em Portugal”, esclarece Guilherme Macedo. A maior parte das vítimas são mulheres com entre 40 e 60 anos porque, por questões genéticas, elas estão mais propícias a desenvolver doenças do foro imunológico. Não há como curar a doença: mesmo após o transplante de fígado, a doença pode ressurgir.

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Uma doença rodeada de preconceitos

Como a colangite biliar primária é uma doença relacionada com o fígado, muitos doentes têm receio de ver a sua condição associada a problemas alcoólicos. Foi por isso que Joana Neves, psicóloga clínica da Raríssimas, inventou a Informa Rara, que desmistifica a doença e coloca as vítimas em contacto umas com as outras. “A maior parte das pessoas que nos procura têm uma doença rara e sentem necessidade de encontrar outras pessoas com o mesmo problema, porque se sentem a entrar em isolamento”, conta a psicóloga ao Observador. O projeto foi candidato ao programa Practice to Policy da Intercept e procura “promover o conhecimento sobre a colangite biliar primária”. É uma das formas de educar a população para a doença e de alertar para a necessidade de investimento em investigação nesta área.

Através da Informa Rara, a Raríssimas quer contribuir para aumentar o diagnóstico precoce e adequado. “Como a doença é assintomática, ou como quem manifesta sintomas associa-os a outros problemas, muitas vezes não se procuram as especialidades adequadas. Através do material informativo que estamos a preparar, como filmes de sensibilização e workshops, as pessoas vão estar mais atentas e podem procurar ajuda mais cedo”, explica Joana Neves. Em fevereiro, alguns desses workshops já devem estar a acontecer em Lisboa e no Porto, por ser o mês das doenças raras.