Algo misterioso está a acontecer nas profundezas do planeta Terra. Um rio de ferro em estado líquido quase tão quente como a superfície do Sol — localizado a 3.000 quilómetros de profundidade entre a Rússia e o Canadá — está a correr cada vez mais depressa e os cientistas não conseguem explicar porquê. Esta é a conclusão a que os investigadores chegaram depois de analisarem as leituras feitas ao campo magnético da Terra desde o ano 2000, quando o rio foi descoberto. O motivo desta mudança de comportamento ainda é desconhecido, mas tudo indica que é um fenómeno natural que já tem mil milhões de anos e que pode ajudar a entender a formação do campo magnético, um escudo da Terra contra os ventos solares.

Este rio tem 420 quilómetros de largura e a sua velocidade triplicou em relação aos dados recolhidos há dezasseis anos. Essa velocidade é agora três vezes superior ao que é normalmente observado nas correntes de magma que existem no núcleo externo da Terra, a camada do planeta cujos movimentos do material em estado líquido (composto essencialmente por ferro) são os responsáveis por criar um campo magnético. Agora, o rio gigante tem circulado no sentido oeste, fazendo mais entre 40 e 45 quilómetros por ano, mesmo por baixo da Sibéria, em direcção à Europa.

A descoberta foi possível graças às últimas operações do enxame de satélites Swarm, um conjunto de três sondas enviadas pela Agência Espacial Europeia (ESA) em 2013, com capacidade para medir variações no campo magnético terrestre. Essas variações podem ser detetadas estudando o que se passa na fronteira entre o núcleo interno da Terra (com material em estado sólido) e o núcleo externo do planeta, em estado líquido. Só com três satélites é possível fazer esta análise no limite núcleo-manto porque podemos assim despistar eventuais perturbações provocadas pela crosta ou pela ionosfera.

Os cientistas conseguiram descobrir o rio porque repararam em duas “bolsas” magnéticas especialmente fortes: uma está debaixo da Sibéria, outra debaixo do Canadá e ambas pareciam ter origem no limite entre o manto e o núcleo da Terra. Isso não seria de estranhar se as bolsas não se estivessem a mover, o que significava que poderia haver um fluxo de ferro em estado líquido a originá-los. “É como descobrir para que lado se move um rio colocando velas na água e observando durante a noite para que lado vão. À medida que o ferro se movimenta, ele arrasta o campo magnético consigo. Com os satélites não podemos ver o fluxo, mas podemos perceber o movimento dessas bolsas”, explica Phil Livermore, cientista que coordenou a equipa, à New Scientist.

Ele acrescenta ainda que pode haver um fluxo semelhante no hemisfério sul, mas como essas “bolsas” não existem (ou ainda não foram encontradas), é impossível confirmar essa hipótese. Não impossível, mas ainda assim muito difícil, é compreender de onde vem a aceleração deste rio. Os cientistas apostam que pode estar relacionada com uma descoberta feita em 2005 em que se provou que o movimento do núcleo interno estava a tornar-se progressivamente mais veloz que o da crosta. Mas também pode ser que não seja o rio a influenciar os movimentos do campo magnético, mas sim este último a influenciar as características do rio de fero líquido.

Certo é que o campo magnético da Terra parece estar cada vez mais ativo desde 1840. Este rio pode ter as respostas de que precisamos para entender porquê e o que pode acontecer no futuro.

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