Tal como quase todos os restantes géneros cinematográficos tradicionais, o melodrama roça a extinção. Quando se manifesta ocasionalmente, é quase sempre sob a forma de adaptações de livros de Nicholas Sparks, que lhe servem de balão de oxigénio. Este “A Luz Entre Oceanos”, de Derek Cianfrance, autor de “Blue Valentine” e “Como um Trovão”, dois filmes cheios de turbulência amorosa, cada qual à sua maneira, é baseado num romance da escritora australiana ML Steadman. E parece querer compensar por si só o actual défice de cinema lacrimal e de fungadela intensa, propondo ao espectador uma “overdose” de sentimentalismo.

[Veja o “trailer” de “A Luz Entre Oceanos”]

Há filmes de fazer chorar as pedras da calçada. “A Luz Entre Oceanos” não se contenta com isso. Também quer que as paredes e os telhados das casas se desfaçam em lágrimas. É de pôr os fabricantes de lenços de papel esfregar as mãos de gozo. Tudo se passa depois da I Guerra Mundial, na Austrália, quando Tom Sherbourne (Michael Fassbender), um ex-militar, arranja emprego como faroleiro numa ilha que dá para os dois oceanos do título. Leva com ele a mulher, Isabel (Alicia Vikander), que conheceu no continente, pouco antes de ir ocupar a sua nova posição, e que está marcada pela perda dos irmãos no conflito.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja a entrevista com Michael Fassbender]

Se exceptuarmos as galinhas da capoeira, Tom e Isabel são os únicos habitantes da ilha. Vivem felizes e a certa altura decidem que é tempo de ter um bebé. Mas Isabel tem problemas de saúde e perde duas crianças de seguida. Estas duas tragédias, a solidão da ilha e a vinda do Inverno azedam as relações entre o casal. Um dia, dá à praia um barco a remos onde Tom e Isabel encontram uma bebé viva e um homem morto – aparentemente, o pai da menina. Tom sepulta o morto e vai avisar as autoridades sobre a criança, mas Isabel convence-o a que a criem os dois e a façam passar por filha deles. “Ninguém vai saber que não é nossa”, diz. Tom cede à mulher, e a menina, a que chamam Lucy, fica com eles.

[Veja a entrevista com Alicia Vikander]

Tudo parece estar a correr bem, até ao dia em que levam Lucy ao continente, para ser baptizada na presença da família de Isabel e dos amigos do casal. Enquanto esperam pelo padre no adro da igreja, Tom vai dar uma volta e depara, no cemitério, com aquela que identifica como sendo a mãe da criança (Rachel Weisz), ajoelhada junto à sepultura simbólica da filha, Grace Ellen, e do marido. Depois do choque, a consciência começa a atormentá-lo. O que fazer? Devolver Lucy à mãe legítima e mergulhar Isabel num desgosto sem fundo, ou não dizer nada e ter que viver todos os dias com a imagem da dor daquela? (Ao pé disto, Nicholas Sparks faz figura de Samuel Beckett).

[Veja a entrevista com o realizador Derek Gianfrance]

Derek Cianfrance tem as paisagens entre o idílico e o agreste, tem a cuidadosa recriação de época, tem a competência cinematográfica, tem um par de actores principais irrepreensível. Se “A Luz Entre Oceanos” tivesse um argumento mais subtil e mais recatado emocionalmente, e uma realização a funcionar em sintonia, que procurassem a comoção dramática e não a detonação sentimental, seria um filme bem diferente do puxa-lágrimas escancarado, arrepelado e também maçudo que é na realidade. É que não contente em servir-nos desespero soluçante, sofrimento lacrimejante e sacrifício romântico esgargalado em doses reforçadas, qual farta-brutos do melodrama, “A Luz Entre Oceanos” arrasta-se como um caracol letárgico.

[Veja a entrevista com Rachel Weisz]

Michael Fassbender faz passar as características de Tom – o feitio avesso à sociabilidade, a disposição introspectiva que se sente desconfortável com grandes efusões emocionais, a rigidez de atitude e o sentido do dever trazidos da vida militar – com um máximo de impressão na escassa expressão a que recorre (Cianfrance, bem como Alexandre Desplat, compositor da banda sonora saturada de sacarina, bem podiam ter-lhe seguido o exemplo); e Alicia Vikander transforma o rosto de Isabel num sismógrafo que regista os sobressaltos emocionais mais violentos como os mais momentâneos.

Só que o realizador exige demais dos dois actores, bombardeando-os com grandes planos e sobrecarregando-os com o grosso das despesas melodramáticas, levando a que aquilo que se queria pungente se limite a ser lamechas, e a que a fita se contente em abrir a torneira e deixar correr um oceano de lágrimas. Quem as tem fáceis sentir-se-à nas suas sete quintas. Quem não vai em pieguices. por mais profissionalmente veiculadas que sejam, ficará de pedra perante “A Luz Entre os Oceanos”.