Chamam-lhe “Dry January”, “Drynuary” ou ainda “Janopause”. As expressões podem variar entre elas, muito embora signifiquem o mesmo: chegado o mês de janeiro, depois dos excessos de comida e de bebida associados ao fim do ano, a ideia é abdicar do álcool. Sim, leu bem: em países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América existe uma espécie de costume onde, por vontade própria, o álcool é posto de lado durante 31 dias.

Para quem é consumidor de um ou dois copos de vinho por dia, por exemplo, esta pode parecer uma receita para a desgraça. Mas acontece que nos países onde já começa a ser uma tradição, é comum falar-se nos benefícios de não beber álcool durante um mês: o importante é começar, o difícil é chegar ao fim sem pôr o pé (ou a boca) em falso.

Janeiro de 2016. Há precisamente um ano, a jornalista Rita Machado, agora com 43 anos, estava a experimentar pela primeira vez esta coisa de deixar as bebidas alcoólicas no armário durante um mês inteiro. A iniciativa não era assim tão descabida, sendo janeiro o mês por excelência das resoluções de ano novo e do detox do ano velho.

Tirando uns brindes em que molhou os lábios, Rita Machado não bebeu nada durante 31 dias — nem vinho, nem cerveja, nem cocktails.

Foi difícil porque, sendo jornalista e na altura no cargo em que estava, tinha muitas viagens e jantares de apresentações de novos restaurantes e menus, que normalmente vêm acompanhados de vinho. Tive um fim de semana na Madeira que foi mesmo um verdadeiro desafio. Os momentos mais difíceis foram sempre os convívios com amigos e os jantares.”

Semana a semana, Rita Machado foi-se sentindo cada vez mais forte e, quando deu por si, estava mais magra. Além disso, e considerando que no seu caso o consumo de álcool está associado ao consumo de tabaco, acabou por fumar menos. “Tem tudo a ver com a cabeça e o mind set. Se decidirmos fazê-lo, fazemos. E ao fim de algumas vezes até te sentes bastante forte por estares a fazer algo que mais ninguém está a fazer, e que toda a gente diz que não consegue.”

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Menos álcool = mais saúde

O nome “Dry January” está vinculado à campanha da instituição de caridade britânica Alcohol Concern, que pretende mudar comportamentos ao convencer as pessoas a passar um mês sem molhar os lábios em vinho ou cerveja (entre outras bebidas). Se em 2013, aquando da primeira campanha realizada no país, aderiram cerca de 4.350 pessoas, em 2015 o número escalou para 50.000. E só no ano passado 1 em cada seis britânicos tentaram aderir ao “Dry January” (“janeiro seco”, em tradução livre).

Considerando que o desafio se prolonga por apenas um mês, os efeitos a longo prazo têm sido questionados. No entanto, um estudo liderado pelo psicólogo Richard de Visser, da Universidade de Sussex, concluiu que seis meses após o desafio do Dry January estar concluído, os participantes envolvidos na investigação estavam a beber menos quantidades e menos vezes — 72% dos participantes manteve níveis baixos de consumo de álcool, enquanto 4% ainda não tinha tocado em álcool desde o início de janeiro.

O mesmo estudo — cujos resultados foram publicados para coincidir com o lançamento da campanha de 2015 da instituição acima mencionada — mostrou que, depois de um mês sem beber álcool, as pessoas relataram vários benefícios: 79% poupou dinheiro, 62% dormiu melhor e 49% perdeu peso. Outra investigação mais recente, desta vez da University College London, assenta em resultados semelhantes: banir o consumo de álcool durante um mês reduz significativamente a pressão arterial e o colestrol.

Já a nutricionista Lillian Barros explica ao Observador que a iniciativa pode ajudar a alcançar “uma maior clareza mental”, bem como dar algum descanso ao fígado que, recordemos, é responsável pelo processamento de toxinas e gorduras. “É um órgão vital para o nosso bem-estar e, quando sobrecarregado, pode haver consequências”, atira a nutricionista.

Noites mais bem dormidas devem-se, por sua vez, ao facto de o álcool funcionar como um estimulante e, por essa razão, afetar o sono. Lillian Barros fala ainda na redução do risco de diabetes: “Ao longo de 31 dias veem-se alguns efeitos. Claro que isso depende da quantidade de álcool que a pessoa consumia antes. Se a reabilitação fica completa? Parece-me que não, mas estes inícios muitas vezes dão força às pessoas para continuar uma forma de estar mais saudável.”

Não esquecer ainda que menos álcool ingerido são também menos calorias consumidas, o que tem como consequência a quase sempre muito apetecida perda de peso. É que existem 7 quilocalorias por 1 grama de álcool, sendo que as calorias são vazias e acabam por não ter qualquer função no nosso organismo. A habitual sensação de inchaço, se for o caso, é coisa para também desaparecer.

Sumo de limão sem açúcar ou chá (também sem açúcar) tornaram-se nos melhores amigos da jornalista Rita Machado em período de “seca”. E, volta e meia, quando a agenda social a levava a sair à noite, a cerveja sem álcool enganava a sede. O mesmo se pode dizer do gin tónico sem gin que o barman do restaurante Bistro 100 Maneiras lhe chegou a fazer. “Os olhos enganam o cérebro e eu acabava por nem me lembrar que não tinha álcool.”

Também Kiko Pericoli, barman e fundador da Liquid Consulting, admite que existem alternativas às tradicionais bebidas alcoólicas. Ao Observador chegou a recordar que em países como a Arábia Saudita e o Kuwait, onde o consumo de álcool é proibido, encontrou Tequila e Vodka sem álcool. Já por terras lusas, diz que não é difícil dar de caras com cocktails sem álcool nos bares de Lisboa e do Porto — os chamados mocktails –, e avança que vai abrir um bar no Cais do Sodré até ao final do mês cuja carta de bebidas vai ter um leque variado de opções sem álcool.

Dito isto, importa recordar que o segredo parece estar no consumo moderado de álcool. Mas caso esteja numa de cumprir resoluções, aqui fica a pergunta: challenge accepted — aceita o desafio?