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Ricardo Araújo Pereira: “O riso mata o erotismo”

Este artigo tem mais de 5 anos

Quatro humoristas portugueses juntaram-se na segunda-feira à noite para fazerem comédia, falando de comédia. Foi a estreia do ciclo de programação “Tragédia + Tempo” no Teatro São Luiz.

Ricardo Araújo Pereira foi o centro das atenções na noite de estreia do ciclo "Tragédia + Tempo"
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Ricardo Araújo Pereira foi o centro das atenções na noite de estreia do ciclo "Tragédia + Tempo"

ESTELLE VALENTE

Ricardo Araújo Pereira foi o centro das atenções na noite de estreia do ciclo "Tragédia + Tempo"

ESTELLE VALENTE

Ana Bola de ténis, Ricardo Araújo Pereira de fato e gravata, Bruno Nogueira sem gravata e Nuno Markl com calças de ganga. Todos de cores escuras, distribuídos por dois sofás castanhos. Ricardo Araújo Pereira (RAP) tomou a palavra por mais tempo, ou talvez tenha conseguido agarrá-la com mais eficácia, e estabeleceu o rumo da conversa – mesmo se teoricamente estava ali como convidado.

Foi segunda-feira ao fim da tarde, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, na conferência que marcou a estreia do ciclo de programação “Tragédia + Tempo”, da responsabilidade de RAP e Bruno Nogueira. A iniciativa prolonga-se até julho, com mais cinco conferências, duas noites de comédia stand-up, duas sessões de leitura e uma de cinema.

O fundador do grupo de humoristas Gato Fedorento deu a entender, e os outros convidados também, que tinha ali caído de pára-quedas, sem estar preparado para a tarefa de refletir em voz alta sobre o ofício. O que evidentemente não era verdade.

Mostrou um discurso organizado, cheio de reflexões impossíveis de improvisar, e voltou a uma ideia que tem repisado nos últimos meses: todo o humor é potencialmente ofensivo, pelo que tentar limitá-lo é um ataque à liberdade de expressão.

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“O humor é ótimo para engatar moças e péssimo para engatar moças”, explicou RAP, dando como exemplo um episódio do romance Na Praia de Chesil, de Ian McEwan. Um rapaz recém-casado vai com a mulher para o quarto de uma estalagem e deita-se numa cama velha que range muito. Começa a imaginar uma fila com todas as pessoas que já tinham estado naquela mesma cama, com aquele ranger, e começa a rir-se, o que o faz perder a vontade ter sexo.

“O riso mata o erotismo”, concluiu RAP. “Um humorista gosta de ser amado, isso é muito claro. Em princípio, fazer rir os outros é uma estratégia de sedução. As senhoras dizem isso nos inquéritos das revistas. É falso, mas dizem. A verdade é que o riso estabelece um momento de intimidade com as outras pessoas. Estar a rir com alguém gera uma intimidade superior à de um beijo”, defendeu.

Numa conversa aparentemente sem rumo, Nuno Markl disse que este “não é o melhor ofício para se ser amado”. “Porque somos amados, sim, mas quando somos odiados… Porra!”

O mesmo tema pôs Ana Bola a dissertar sobre a comédia como forma de defesa de quem a pratica.

“Ironizar é uma maneira mais fácil, e se calhar mais lúcida, de encarar a vida. A minha ida para o humor partiu da enorme solidão de ser filha única e de ter nascido num tempo em que as raparigas não podiam gostar de humor, era sacrilégio. Isto serviu para me esconder atrás de uma persona que criei instintivamente. Sou muitíssimo mais tímida e suscetível do que as pessoas podem imaginar, apesar de também ter muita lata.”

“Poupa-se imenso em terapia”, acrescentou Markl. “Através do humor, ponho cá fora coisa embaraçosas e tristes.”

“A comédia é uma variação da tragédia, não tenho dúvida nenhuma, por isso é que não há comédia sobre pessoas boazinhas”, explicou RAP. “A gente constata cedo que o mundo é demasiado assustador e áspero. O humor é uma estratégia para lidar com isso, não sei que estratégias as outras pessoas têm. O humor é uma maneira de olhar para o mundo da maneira que ele não pretende ser olhado, é uma vingança, mas uma vingança inútil, porque o mundo continua igual. Por isso, fazer humor é uma atitude burlona.”

Com um discurso bem montado, o humorista entrou por um tema que lhe é caro, o da liberdade de expressão e dos limites ao que pode ser dito.

As redes sociais “mudaram a perspetiva que as pessoas têm do que é uma ofensa”, afirmou. “Antigamente, a experiência de ser ofendido não bastava. Dizer ‘eu estou ofendido’ não era suficiente para se ter sido ofendido, era preciso uma terceira parte para avaliar. Mas a ideia de que é preciso haver razoabilidade nisso, perdeu-se. Hoje, quem diz que foi ofendido tem uma razoabilidade inquestionável.”

Em resumo: “É impossível fazer humor sem ofender, não dá, é inevitável. O simples facto de eu estar vivo, e a respirar, ofende pessoas”, disse RAP.

Bruno Nogueira acrescentou que “as pessoas querem à força questionar as palavras”, mas “as palavras que se usam são inocentes”, o contexto é que determina se são ou não ofensivas.

“As redes sociais criaram a necessidade de se ser interessante, nem que seja à custa de incendiar opiniões com uma entrevista ou sketch de há sete anos, só para se ser interessante.”

Nuno Markl rematou: “Todos já ofendemos alguém, mas comparado com o Bruno sou um tribunal de primeira instância das ofensas. Outro dia um senhor dizia-me para não falar mal dos Modern Talking”.

A conversa durou cerca de uma hora, seguida de perguntas e respostas do público, composto por cerca de duzentas pessoas de todas as idades.

Na fase final, Bruno Nogueira mostrou-se invejoso por não ter tido a criatividade da cantora Maria Leal (fenómeno recente de popularidade), que num vídeo publicado no Facebook deu as condolências à família de Mário Soares, para logo a seguir convidar o público a ir vê-la atuar na Mealhada:

“Tenho pena de não ter sido eu a escrever”, disse Bruno Nogueira. RAP acrescentou: “Vejam bem a mestria técnica deste texto.”

Quase toda a gente se riu com vontade, e mais ainda à medida que os conferencistas se foram soltando, com o passar do tempo. Se esta primeira sessão serviu de amostra, as restantes propostas do ciclo são capazes de marcar o entretimento lisboeta em 2017.

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