As conversações para unir a ilha do Chipre, que está há mais de quarenta anos dividida entre cipriotas gregos no sul e cipriotas turcos no norte, receberam quinta-feira um convidado de peso: o primeiro-ministro turco Binali Yıldırım. A Turquia já tinha dito que só se faria representar em Genebra ao mais alto nível se considerasse que a conferência poderia alcançar resultados tangíveis.

Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia, não deverá participar e também não é esperada a presença de Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego. No entanto, esta poderá ser uma das últimas chances para a união da ilha. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, disse que, “apesar de não querer dramatizar o que se está a passar em Genebra, esta é a última das últimas chances para que a ilha volte à sua união original”.

De todas cidades Europeias partidas ao meio pela guerra ou pela religião, Nicósia é mesmo a única que falta unir.

Porque é que o Chipre está dividido?

Chipre está dividida deste 1974, ano em que as tropas turcas invadiram a ilha duas vezes – de uma vez capturando apenas 5% do território e, de outra, cerca de 40%. Apesar de ser uma ilha grega desde a antiguidade, o Chipre fez parte do império Otomano e foi aí que os turcos, maioritariamente muçulmanos, começaram a habitar o território. Em 1914, o Reino Unido decidiu anexar a ilha como retaliação pela entrada da Turquia na Primeira Guerra ao lado da Aliança Central e contra os Aliados. Os britânicos deram aos turcos uma única escolha: permanecerem na ilha como cidadãos britânicos ou irem embora.

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A educação maioritariamente inglesa e o peso do poder colonial acabou por transformar duas etnias em dois inimigos – ou se era uma coisa ou outra apesar de, até aí, turcos e gregos sempre terem convivido sem escaramuças de maior. Em 1950, um grupo nacionalista grego, o EOKA, ou, numa tradução livre “Organização Nacional de Rebeldes Cipriotas”, iniciou uma luta contra o domínio britânico na ilha. Como os britânicos tinham recrutado turcos para se conseguirem opor à rebelião grega, os gregos começaram a matar turcos como se fossem também eles forças colonialistas. Istambul decidiu assim invadir a ilha para “proteger” os seus cidadãos, o que resultou no estabelecimento de uma República turca no norte do país.

Antes do estabelecimento da Linha Verde, que divide o país de um lado ou outro e é patrulhada por tropas da ONU, a violência intercomunitária fez milhares de mortos e mais de 160 mil refugiados gregos. Hoje, apenas o sul é reconhecido internacionalmente com um país legítimo e a ocupação turca do Chipre é vista com um dos maiores impedimentos da entrada do país na União Europeia. Se já existiam bastantes gregos cipriotas céticos em relação a um governo partilhado com os membros da comunidade turca, as recentes posições de Erdogan, que tem adotado medidas mais duras de controlo social, pode também prejudicar as conversações.

O que é que se pode alcançar em Genebra?

O líder da comunidade grega, Nicos Anastasiades, está reunido há já cinco dias com o líder turco, Mustafa Akıncı e o enviado especial das Nações Unidas para o Chipre, Espen Barth Eide. Os relatos que chegam das conversações dão conta de um novelo complicado de problemas: em primeiro lugar há a questão do futuro modelo de governo de uma ilha unida – os turcos querem mais poder de decisão, uma presidência rotativa, e os gregos acham que não têm que partilhar o poder com “invasores”.

Há também a questão do regresso das terras aos gregos que ficaram sem elas, principal motivo que fez cair todas as anteriores tentativas de alcançar a paz. A reatribuição de terras é extremamente complexa porque para isso é preciso a identificar as áreas onde os gregos se concentravam no mapa pré-invasão, ou seja, voltar 50 anos atrás nos registos de propriedade que podem já nem existir, para averiguar os donos originais dos imóveis. Além de que ninguém sabe se os turcos poderiam continuar a viver nessas terras. Seis dos oito partidos presentes no parlamento cipriota opõem-se a qualquer acordo, por considerarem impossível que haja algum capaz de compensar a população grega pelas suas perdas.

Há também as questões de segurança – se antes da da violência sectária, turcos e gregos tinham vivido sem grandes conflitos desde o fim do século XVI, depois dela as coisas ficaram muito mais complicadas e o tempo não alterou a crispação dessa altura. A zona de segurança separa as pessoas, que não podem, assim, entender-se. O exército turco continua presente no país – com mais de 40 mil homens segundo as estimativas da ONU.

Na terça-feira, os cipriotas reuniram-se ao longo da Linha Verde para pedirem a união os líderes que estão em Genebra.

Estima-se que mais de sete mil cipriotas tenham morrido durante a invasão turca e a violência intercomunitária que lhe deu origem. Qualquer decisão que possa vir a sair de Genebra terá que ser submetida a um referendo em ambas as zonas, que poderá acontecer ainda no verão de 2017.