O bastonário da Ordem dos Médicos afirma que a reposição das 35 horas de trabalho semanais na saúde está a ser paga pelos doentes, que continuam a sofrer com os efeitos da falta de financiamento na área.

“O reforço de financiamento da prestação pública de cuidados de saúde tem sido consumido na reposição dos vencimentos e das 35 horas. De alguma maneira os doentes é que estão a pagar, com a sua saúde ou falta dela, a reposição dos direitos individuais dos profissionais de saúde”, afirmou José Manuel Silva em entrevista à Lusa, numa altura em que está a concluir o seu segundo e último mandato como bastonário da Ordem dos Médicos.

O bastonário manifesta-se contra a reposição das 35 horas no contexto atual, considerando que não havia condições para o fazer. “Não devemos sobrepor os direitos individuais aos direitos coletivos; os doentes também têm direitos e devíamos ter reposto esses direitos, que não foram repostos.”

José Manuel Silva diz que continua a haver casos de “situações dramáticas” de doentes porque o Serviço Nacional de Saúde(SNS) está “crónica e tremendamente subfinanciado”.

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“É evidente que o dinheiro não chega para tudo e há pessoas que sofrem com isso. Está-se a institucionalizar em Portugal uma saúde a duas velocidades, prejudicado claramente os mais desfavorecidos”, afirmou.

Para o bastonário, a Ordem dos Médicos nunca poderá aceitar um sistema a duas vozes: “um para os mais pobres, para onde está a ser empurrado o SNS, e outro para os que têm dinheiro para pagar a saúde duas vezes — através dos impostos e de um seguro ou subsistema”.

Assim, para o responsável, que dentro de um mês será substituído no cargo, um dos principais desafios do novo bastonário dos Médicos será garantir aos doentes a acessibilidade atempada a cuidados de saúde de qualidade, recusando um sistema que divide os mais ricos e os mais pobres.

Com a reposição das 35 horas, e faltando dinheiro para mais, ficam por renovar equipamentos, fica por incrementar o acesso à inovação, ficam por alargar horários nas unidades de saúde e não se contratam mais profissionais, defende o bastonário.

Aliás, numa espécie de balanço dos seus seis anos à frente da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva confessa que a maior dificuldade “em termos pessoais e emocionais” foi ver doentes “a não serem tratados de acordo com o estado da arte por causa dos cortes na saúde”.

“Para um profissional que sente a saúde como uma vocação, isso é muito difícil”, reconheceu.

As eleições para a Ordem dos Médicos decorrem na próxima quinta-feira, havendo quatro candidatos ao cargo de bastonário. Dependendo do resultado, poderá ter de ser realizada uma segunda volta entre dois candidatos.