Antes de descer até à Assembleia da República, para o primeiro debate quinzenal de 2017, António Costa assinou o acordo de Concertação Social no seu gabinete em São Bento e só depois é que o documento seguiu para um périplo de recolha de assinaturas, sede a sede, dos parceiros que aceitaram assiná-lo. Na quinta-feira, na reunião com o primeiro-ministro, os patrões já tinham combinado que não valia a pena fazer cerimónia pública, por duas razões: já tinha passado muito tempo desde que o acordo fora acertado, a 22 de dezembro, não havia por que esperar mais e as circunstâncias políticas também o tornavam escusado.

João Machado, da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), conta ao Observador que nessa reunião se definiu que “não fazia sentido uma cerimónia muito pomposa com estas circunstâncias de haver um pedido de apreciação parlamentar” — que deixa um ponto importante do acordo em risco. Combinaram que as assinaturas seriam feitas “por protocolo”, ou seja, sem cerimónia pública. O acordo de Concertação Social seria firmado com base na confiança entre as partes e assinado assim que fosse promulgado pelo Presidente da República o decreto-lei para a redução da TSU dos patrões, parte integrante do acordo. E assim foi.

Marcelo Rebelo de Sousa alinhou na velocidade que o Governo já tinha dado sinal de querer imprimir ao processo — ao aprovar o decreto segunda-feira por via eletrónica –, e promulgou-o logo de manhã. A pressa, da parte do Governo continua a ser justificada com a necessidade de dar seguimento a um processo que estava pendente desde 22 de dezembro e de ter tudo pronto para a medida estar em vigor a 1 de fevereiro. Costa esteve na Índia e o Executivo não queria esperar mais, sobretudo depois de nos últimos dias se ter levantado a probabilidade forte de a compensação prometida aos patrões cair no Parlamento. O primeiro-ministro deu logo a garantia de que tinha intenção de honrar o acordo, na reunião que teve com os patrões na segunda-feira. Havia que serenar os parceiros diretamente afetados com o eventual chumbo parlamentar. Mal souberam que o PSD se preparava para chumbar novo desconto da TSU dos empregadores, dispararam em pedidos de compensações alternativas.

A promulgação rápida do Presidente da República foi vista no PS como um sinal que Marcelo quereria dar: de apoio à Concertação Social. Aliás, o próprio chefe de Estado tinha mostrado simpatia pela causa dos patrões à hora do almoço, quando explicou a rapidez da sua decisão: “Havia um vazio. Deixou de se aplicar o regime que vinha do Governo anterior, que era um desconto de 0,75 pontos percentuais. Há um vazio agora, portanto, isso pune as entidades, nomeadamente empresariais, e era preciso preencher rapidamente esse vazio, com o novo regime. Daí, a urgência da promulgação”, explicou. Na verdade, o desconto de 0,75 vigora até ao final de janeiro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Naquele momento, o Ministério do Trabalho contactou os patrões e a UGT para saber se estavam disponíveis para receber uma pessoa do gabinete do ministro para assinarem o acordo. O aval foi generalizado, ainda que João Vieira Lopes, representante da Confederação do Comércio, estivesse em Barcelona e só regressasse ao final do dia. Ficou combinado que assinaria no fim, mal chegasse a Lisboa, o que aconteceu ao início da noite. O resto foi num processo habitual, ainda que pouco comum quando se trata de um acordo-chave, como é o de Concertação Social, habitualmente assinado numa cerimónia pública.

Depois de Costa ter assinado o documento, o motorista do Ministério do Trabalho seguiu para a Confederação do Turismo, depois para a CAP.

Eu fui o quarto. Quando chegou, o documento já vinha assinado pelo primeiro-ministro, pelo Francisco Calheiros, do Turismo, e pela CAP”, conta Carlos Silva que foi o único a dar registar o momento, num vídeo que foi divulgado na página da UGT.

Carlos Silva garante que o texto estava “nos termos que tinha ficado definido”. Por isso, assinou um acordo que é o que “neste momento melhor serve os trabalhadores”.

Ao lado do secretário-geral adjunto Luís Correia, Carlos Silva começou por dizer — e com um documento à frente, com uma caneta em cima, o dia e a hora do acordo: 17 de janeiro, 15h22. Parecia que adivinhava a polémica que se seguiria minutos depois, no Parlamento, com Assunção Cristas a acusar Costa e “mentir” ao dizer que o acordo já estava assinado. Não estavam recolhidas todas as assinaturas. Àquela hora, o acordo de Concertação Social andava a correr as ruas de Lisboa, para chegar a António Saraiva (CIP), que foi a assinatura que se seguiu. Contactado pelo Observador, o Ministério do Trabalho garante que até ao final desta terça-feira todas as partes assinarão o acordo (faltava apenas João Vieira Lopes, da CCP).

Quando tiver as assinaturas de todas as partes, o documento segue para ser homologado pelo Conselho Económico Social — o que deve acontecer entre esta terça e quarta-feira — que é a entidade responsável por torná-lo público através do seu site oficial.

Só que, desta vez, a história não fica por aqui. O documento já está em risco. Aliás, já estava antes mesmo de ser assinado, perante a ameaça de um chumbo parlamentar à compensação prometida aos patrões. Na UGT, Carlos Silva avisa já que é difícil encontrar uma alternativa: “Reconheço que não é fácil. Nem o PSD teria sugerido, como sugeriu em 2014, o desconto da TSU, se houvesse alternativa. Não sei que coelho o Governo ainda pode tirar da cartola”. Mas o secretário-geral do sindicato que aceitou assinar o acordo (a CGTP ficou de fora) também reconhece que um chumbo da redução da TSU “não deixa de pôr em causa o acordo”.

Na CAP, João Machado também diz que “é muito difícil encontrar alternativas. Estivemos quatro meses a negociar e não encontrámos alternativas. O desconto tem de ser direto”. Mas a questão não foi muito debatida na reunião do dia anterior com Costa. “Para já, o foco é cumprir o acordo. O interlocutor é o Governo que se comprometeu a cumpri-lo”, diz ao Observador João Machado. A apreciação parlamentar que avançou já pela mão de PCP e BE (os outros parceiros do Governo noutra frente, a parlamentar) tem 30 dias para ser debatida pelos partidos, mas a discussão deve ficar já marcada esta quarta-feira, na reunião dos líderes parlamentares.