O Ministério do Planeamento e das Infraestruturas já tem o estudo da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) que permitiu ao ministro Pedro Marques ter afirmado, a semana passada, que está para breve a decisão de utilizar a Base Aérea do Montijo como aeroporto complementar de Lisboa. O relatório confidencial, elaborado pela consultora Roland Berger para a ANAC — a que o Observador teve acesso — conclui que “é necessário avançar no imediato para o aprofundamento da solução mais atrativa, Portela + Montijo, e garantir o alinhamento dos principais stakeholders — as entidades envolvidas no processo.

No entanto, ao que apurou o Observador, o grupo de trabalho que realizou o relatório para o Ministério da Defesa sobre a utilização mista (civil e militar) da Base do Montijo, não terá sido informado, mas o ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes estará “articuladíssimo” com o seu colega, de acordo com fontes governamentais. O próprio Azeredo Lopes afirmou, esta quarta-feira, na comissão parlamentar de Defesa que não há contradição entre as suas posições e as de Pedro Marques, ministro do Planeamento e Infraestruturas.

Começa a desenhar-se com muito mais clareza a necessidade de estudar e aprofundar a hipótese do Montijo”, afirmou o ministro da Defesa na comissão.

Azeredo Lopes disse aos deputados que, “no grupo de trabalho — onde está a Força Aérea — e nos estudos desenvolvidos no Ministério do Planeamento e Infraestruturas, o Montijo é uma opção privilegiada a partir de agora para uma futura tomada de decisão”. O Observador contactou o Ministério da Defesa para saber se o ministro e a Força Aérea tinham conhecimento oficial das conclusões do estudo da ANAC, mas fonte oficial do gabinete remeteu para as declarações de Azeredo Lopes na comissão parlamentar. Segundo o Observador apurou, o grupo de trabalho daquele ministério não teve conhecimento até esta data do estudo realizado pela Roland Berger.

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O processo está em vias de acelerar, até porque o ministro do Planeamento e Infraestruturas já tinha reconhecido, na sexta-feira, dia 13, ao lado do presidente da câmara do Montijo, que a Base Aérea Nº6, naquele concelho, foi estudada de forma particular para acolher um aeroporto complementar ao Humberto Delgado, que deverá receber os voos ‘low-cost’: “Fomos estudando de forma mais intensa a situação desta pista da Base Aérea Nº6 do Montijo e da sua utilização como pista complementar ao aeroporto de Lisboa e nas próximas semanas teremos novidades”, disse então Pedro Marques, citado pela Lusa. Uma fonte do ministério confirmou ao Observador que este estudo será apenas um dos vários suportes da decisão do Governo. E reafirmou que a decisão será tomada nas próximas semanas, ou seja, em fevereiro ou no início de março.

Portela+Montijo melhor solução menos ao nível ambiental

O relatório da Roland Berger para a ANAC é uma das últimas etapas que permitirá ao Governo avançar com a decisão. Com a perspetiva de “manutenção do forte crescimento de tráfego em Lisboa” nos próximos anos, o aeroporto Humberto Delgado não terá capacidade “para acomodar o crescimento de tráfego até 2019-20”, conclui o estudo da ANAC, sendo por isso necessária “uma nova solução para acomodar a evolução do tráfego a partir de 2020”. A Roland Berger analisou três hipóteses: a Portela stand alone, ou seja, o aeroporto hoje existente só por si com uma otimização da sua capacidade; a construção de um novo aeroporto em Alcochete; ou a requalificação da Base Aérea do Montijo enquanto aeroporto complementar da Portela, a solução preferida, até porque também é a mais barata, embora o relatório não aponte valores.

Conclui-se que Portela + Montijo se apresenta como a solução mais atrativa sendo viável pelo menos até 2050)”, indica o estudo da ANAC.

De acordo com o documento, a solução Portela + Montijo “deverá permitir acomodar o crescimento de tráfego previsto pelo menos até 2050” e um fluxo de passageiros de 50 milhões de pessoas por ano desde que haja “uma abordagem eficaz à transferência das low cost para o Montijo”.

As duas outras soluções apresentavam limitações que a utilização da Base Aére permitirá ultrapassar, de acordo com o relatório: se a continuação da Portela otimizada (stand alone) “não se afigura sustentável e acarreta riscos acrescidos no médio prazo”, a construção de um novo aeroporto — que se poderia colocar no muito longo prazo — não foi considerado como adequado “para responder aos constrangimentos até 2024)”. O ponto mais fraco da solução vencedora, Portela + Montijo, tem a ver com os aspetos relacionados com o impacte ambiental cuja avaliação ainda não foi feita.

Esta decisão implicará diretamente a Força Aérea e a sua operacionalidade que, segundo o Expresso, teria estimado um custo de 400 milhões de euros para sair da Base Aérea do Montijo. Uma fonte do ministério do Planeamento diz ao Observador que esses valores são demasiado elevados e Azeredo Lopes disse no Parlamento não conhecer qualquer estudo que aponte para 400 milhões. O ministro da Defesa recordou que havia um estudo que apontava para valores de “200 milhões a 300 milhões de euros”, se estivesse incluído o Campo de Tiro Alcochete, uma realidade “que não e transponível” para a atualidade porque a Força Aérea não abdica desse ativo.

O maior constrangimento desta solução para o aeroporto de Lisboa tem exatamente a ver com a necessidade de reconfigurar o dispositivo da Força Aérea Portuguesa. “A concretizar-se a opção pelo Montijo, resultarão constrangimentos para a operação da Força Aérea”, reconheceu o ministro da Defesa aos deputados. Na opinião de Azeredo Lopes, “a condição prévia é: qualquer que seja a decisão que fique sempre salvaguardada a operação da Força Aérea”. Mas não só. “Em segundo lugar, significa que não pode ser a Força Aérea a assumir os custos de transição”.

Tendo em conta estes constrangimentos, o documento da Roland Berger recomenda “o início imediato dos trabalhos relativos aos acordos de entendimento com as diferentes entidades” que terão de ser envolvidas no processo. Os militares são, para já, os principais interlocutores (o Observador contactou a Força Aérea, mas o gabinete do general chefe do Estado-Maior remeteu as respostas para o Ministério da Defesa). O estudo da ANAC chega a apontar soluções para a Força Aérea reduzir a sua presença no Montijo, embora na ficha técnica não conste que tenha havido contactos com aquele ramo das Forças Armadas. O relatório admite que os cenários considerados na análise “levantam algumas restrições às operações atuais da FAP” e faz cinco sugestões para relocalização e reafetação de meios da aviação militar.

  1. Em Alverca, a Roland Berger identificou a “necessidade de coordenação com OGMA/ Embraer no sentido de garantir o planeamento dos treinos de manutenção e alinhamento com o tráfego na Portela”;
  2. Para a Base Aérea de Monte Real, o relatório defende a cedência de áreas de modo a “rever e reorganizar atuais procedimentos e operações”, podendo haver “lugar a coordenação para utilização mista da área delegada”;
  3. Em Sintra, com esta solução, ficaria inviabilizada a operação dos aviões de treino Epsilon, que (necessitam de operar a 9.000 pés de altitude) o que, segundo o relatório “sugere a necessidade de transferir as esquadras de treino para outra localização (p.ex. Beja)”;
  4. No próprio Montijo, haveria a necessidade de deslocação dos EH101 (helicópteros de busca e salvamento da Força Aérea) e dos Lynx (helicópteros da Marinha) para a Base Aérea de Sintra.

Força Aérea não quer ter mais despesas por causa do aeroporto

Um relatório que antecedeu este, realizado por um grupo de trabalho constituído no âmbito do Ministério da Defesa Nacional — que o Observador divulgou em Outubro –, considerava que os encargos desta solução para a Força Aérea não podiam ser assumidos pelo Estado. Ficava implícito que essas despesas recaíssem sobre a ANA – Aeroportos de Portugal, a empresa concessionária. “Para a utilização mista da Base do Montijo os encargos relacionados com os trabalhos necessários às diversas intervenções (…) deverão ser, na sua totalidade, suportados por fonte de financiamento externo a este entidade”, podia ler-se no documento. A Defesa ia até mais longe:

Deverá ser criado um instrumento que permita ressarcir a Força Aérea dos encargos acrescidos, relativos aos deslocamentos das aeronaves” para treinos noutras unidades, pois passará a haver enormes constrangimentos à utilização do espaço aéreo.

A questão foi de tal forma enfatizada nas sete reuniões desenvolvidas pelo grupo de trabalho que o ministério de Azeredo Lopes considerava apenas há quatro meses que “não poderão ser imputáveis ao orçamento da Defesa os custos diretos e indiretos relativos a uma eventual transferência de meios aéreos da BA6 para outra infra-estrutura aeronáutica, como forma de viabilizar o projeto”.

A Força Aérea teria de deslocar infraestruturas nacionais e da NATO — como o Centro de Treino e Sobrevivência da Força Aérea –, e ainda “a capacidade de armazenamento de armas e munições, dos paióis existentes na BA6 para a BA11 em Beja”. No mesmo memorando, os militares avisavam que seria necessário ao Estado aumentar os custos com o reforço da vigilância dos pontos mais sensíveis da unidade, implementar “novos postos de controlo de acessos”, instalação de novos meios de vigilância e “incremento das necessidades de pessoal”.

Uma boa parte dos custos têm a ver com as mudanças no ambiente em que a Força Aérea passa a ter de operar. Tudo porque o uso civil da BA6 pressupõe “uma diminuição da atividade operacional”. Os dados disponibilizados pela ANA com base num estudo de uma consultora internacional apontam para 72 movimentos aéreos por hora (48 em Lisboa e 24 no Montijo). Com base nestes elementos, um estudo da NAV concluiu que “o objetivo em causa apenas seria atingível com grandes restrições à atividade militar na região de Lisboa”, explicitava o grupo de trabalho da Defesa. O novo estudo da Roland Berger para a ANAC utiliza exatamente os mesmos dados, prevendo um movimento máximo de 72 aeronaves por hora no espaço aéreo de Lisboa.

Perante este cenário, a Força Aérea assumia que “a capacidade de 72 movimentos por hora [descolagens e aterragens] apenas seria atingível com grandes restrições à atividade militar, numa porção significativa do território continental, afetando três das cinco bases da Força Aérea (Montijo, Sintra e Monte Real, bem como o Campo de Tiro de Alcochete).” O ramo colocou mesmo uma linha vermelha quanto ao uso do Campo de Tiro de Alcochete, cujos pressupostos de utilização devem permanecer “imutáveis”.

O treino das tripulações é que seria decisivamente afetado com o uso civil da Base do Montijo. E a operação de helicópteros — EH 101 da Força Aérea e Lynx da Marinha — “dada a sua tipologia e especificidade, dificilmente será compatível com a operação do tráfego aéreo civil regular”. Já os aviões de transporte C130 e C295 “poderão ser integrados no futuro ambiente operacional misto civil-militar, porém, dificilmente poderão efetuar as missões de treino local requeridas para o aprontamento das tripulações”.

Os militares apontavam ainda para a necessidade de “considerar a possibilidade de transferência” dos EH 101 e dos Lynx da Marinha para outra base, “como forma de viabilizar a mudança de ambiente operacional requerida por este projeto”. No documento não são abordadas as implicações da deslocação da frota de Epsilon para Beja, ou das frotas de EH 101 e Lynx para Sintra — tal como aparece no estudo da Roland Berger — devido “à complexidade e implicações que acarretariam estas deslocalizações”. Refira-se que os EH 101 são os helicópteros com as missões de busca e salvamento, que devem ficar estacionados junto ao litoral.

Segundo o documento da Defesa, os militares não estão convencidos dos benefícios da solução Portela +1, tendo em conta as implicações em termos de segurança nacional: “As restrições propostas pela NAV à atividade militar, com exceção do cenário dos 44 movimentos por hora não foram considerados aceitáveis pela Defesa Nacional, por restringirem de forma relevante a capacidade de aprontamento e operacionalidade dos meios militares, essenciais para o cumprimento da missão”. Se os movimentos aéreos por hora forem muito baixos, o projeto pode ser inviável para a aviação civil e comercial. Se forem muito intensos, tornam-se impossíveis para as Forças Armadas.