A CIA disponibilizou esta semana cerca de 930 mil documentos desclassificados online (que equivalem a cerca de 13 milhões de páginas), que apenas podiam ser consultados pessoalmente nos Arquivos Nacionais, em Maryland. Estes incluem papéis relativos aos primeiros anos da agência norte-americana, ao avistamento de ONVIs e até ao período do 25 de Abril em Portugal.

Desde 1999 que a CIA tem vindo a permitir o acesso a documentos desclassificados através da ferramenta de pesquisa CREST. Porém, estes só podiam ser consultados a partir de um de quatro computadores que se encontravam nos Arquivos Nacionais de College Park, em Maryland. A passagem de toda a documentação para o site da agência veio assim facilitar a consulta de uma “coleção historicamente significativa que já não está limitada pela geografia”, como frisou em comunicado Joseph Lambert, o diretor de informação da CIA.

Segundo a CNN, a agência de informação norte-americana espera que todo o arquivo esteja online até ao final de 2017. Os documentos disponibilizados esta semana são variados e permitem conhecer um pouco da história da organização fundada em 1947 e as atividades por ela desenvolvida durante períodos-chave da história norte-americana, como a Guerra do Vietname ou a Guerra Fria. “Não foram selecionados. É a história completa, com as coisas boas e más”, garantiu Heather Fritz, porta-voz da CIA, à CNN.

Estes incluem papéis onde se discute o assassinato de Fidel Castro, informações sobre criminosos de guerra nazis e sobre a vigilância levada a cabo durante a Guerra Fria. Os mais surpreendentes, porém, são aqueles que dizem respeito ao avistamento de OVNIs, ao desenvolvimento de uma tinta invisível e ao programa “Stargate”, relacionado com poderes psíquicos e perceção extrassensorial e que tinha como objetivo recrutar “guerreiros psíquicos” para fazerem vigilância “à distância” (e que há muito é alvo de teorias da conspiração).

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Alguns dos documentos disponibilizados pela CIA estão relacionados os testes feitos em 1973 a Uri Geller, um famoso psíquico israelita. A agência concluiu que Uri Geller tinha capacidades “paranormais convincentes” depois de lhe ter sido pedido que replicasse os desenhos que um agente realizava numa outra sala, à qual não tinha acesso. Anos mais tarde, Geller revelou que “fez trabalhos para a CIA”. “Queriam que eu estivesse à porta da embaixada russa no México e que apagasse disquetes” usadas por agentes russos.

Portugal nos documentos da CIA: a conspiração russa

Uma pesquisa rápida no site da CIA permite encontrar 8.215 documentos relativos a Portugal, a maioria relacionada com o 25 de Abril e o período de grande instabilidade política que se seguiu. Estes incluem relatórios assinados por Henry A. Kissinger, conselheiro nacional de segurança, mas também artigos de jornais. Um deles, “Pentagon Sees Threat in a Red Portugal”, data de 3 de agosto de 1975 e foi publicado no New York Times.

De um modo geral, os documentos disponibilizados pela CIA esta semana mostram uma profunda preocupação pelo futuro de Portugal. Uma série de papéis — intitulados “Portugal, a step closer to Civil War” (“Portugal, mais próximo da Guerra Civil”) — discutem a possibilidade de o país vir a ser fustigado por uma Guerra Civil. Um deles, de 29 de agosto de 1975 e assinado por Kissinger, refere que “estamos preocupados que Portugal esteja cada vez mais próximo da Guerra Civil com a nomeação do Almirante [José Pinheiro de] Azevedo como primeiro-ministro e de Vasco Gonçalves como chefe da comissão coordenadora das Forças Armadas”.

De acordo com a CIA, “a fação anti-comunista de [Ernesto] Melo Antunes” tinha “agora de decidir se vai tentar derrubar esta nova disposição — como disse anteriormente que o faria — ou se vai desistir de tentar mudar a direção do país. O resultado também terá consequências importantes para o futuro dos Açores e Madeira”.

Outros documentos discutem o impacto da descolonização — como é o caso do memorandum “for the record” de oito páginas “Portugal: The Economic Impact of Losing Angola, Mozambique, and Portuguese Guinea” (“Portugal: O Impacto Económico de Perder Angola, Moçambique e a Guiné Portuguesa”), de 23 de setembro de 1974 — e a relação de Portugal com os Estados Unidos da América.

Mais estranho, porém, é o documento datado de 25 de dezembro de 1961, intitulado “Kremlin’s Conspiracy in India Against Portugal” (“Conspiração do Kremlin na Índia contra Portugal”). Nele é referido que, “de visita à Índia, o camarada L.I. Brejnev, presidente da União Soviética, disse a milhares de indianos que a União Soviética estava por detrás dos ataques recentes contra Portugal”.

“O camarada Brejnev disse que os indianos viram muito claramente quem é amigo deles e melhor amigo, durante o ataque da Índia contra o território português de Goa, Damão e o Diu. Ele disse que um ataque contra Portugal é um golpe profundo contra o capitalismo e contra o colonialismo e que a acreditava que a ‘vitória soviética’ estava próxima e que o capitalismo deve render-se ou será eliminado da face da terra”, refere o mesmo documento.

No final do “relatório especial”, a CIA conclui que “esta é a afirmação de uma conspiração internacional soviética. O conspirador do Kremlin vai visitar várias cidades e províncias da Índia com uma forte propaganda anti-americana”.