Se isto fosse um tabuleiro de Monopólio, atirávamos o dado e, ao invés de adquirir património imobiliário ou correr o risco de ir parar à prisão, podíamos comprar a NYX, a Too Faced ou a MAC para as acrescentar à nossa carteira de marcas. Como no Monopólio ou no mercado de transferências de futebol, o mercado da beleza é altamente competitivo e movimenta milhões. As compras e vendas são comuns e envolvem gigantes como Yves Saint Laurent, La Mer, Cover Girl ou, mais recentemente, o grupo Estée Lauder, que acaba de comprar a jovem Too Faced por 1,4 mil milhões de dólares (cerca de 1,3 mil milhões de euros). A pergunta em causa não é “porquê?” mas sim “quem dá mais?”. E no final dos dados lançados, o que é que nós — consumidores — temos a ganhar com estas transações?

O caso L’Oréal Paris, a maior companhia de beleza do mundo

Durante os anos 80 e 90, grande parte das vendas da marca L’Oréal Paris estavam centradas na Europa, explica Rajan Saxena, autor do livro Marketing Management. Era uma marca associada à sofisticação do estilo de vida parisiense, o que tornava difícil a expansão para o mercado americano. Este foi o pontapé de saída para que a aquisição de marcas de diferentes origens entrasse neste jogo do Monopólio. Maybelline, uma marca pouco conhecida da cidade de Memphis, no estado de Tennessee, foi uma das primeiras aquisições estrangeiras feitas pela L’Oréal Paris. Estávamos em 1996 e esta jogada custou 758 milhões de dólares (cerca de 713 milhões de euros). O objetivo era entrar no mercado americano e o resultado foi bem-sucedido. A marca passou para Nova Iorque, para ganhar uma abordagem mais urbana, e a estratégia da companhia — comprar marcas pouco conhecidas de diversos mercados e países, dar-lhes uma nova roupagem e comunicá-las de forma agressiva — foi um passo de sucesso para se tornar numa das maiores companhias de beleza do mundo e, acima de tudo, conseguir penetrar em todos os mercados.

Esta estratégia já havia sido feita antes de Maybelline, é certo. Em 1993 o grupo já tinha comprado a americana Redken com o objetivo de a levar para o mercado francês. Mas foi o sucesso de Maybelline que cunhou a mudança. Em 1999 a L’Oreal pegou na lendária marca de cosméticos Helena Rubinstein, até então focada num público feminino de meia idade, e relançou-a com uma nova abordagem para chegar às gerações mais novas europeias; em 2000 comprou a marca independente Kiehl’s; em 2006 foi ao mercado “verde” e adquiriu a The Body Shop; em 2008 acrescentou mais um nome poderoso ao seu catálogo de luxo, a Yves Saint Laurent; em 2012, seria a californiana Urban Decay a levar o luxo às consumidoras mais jovens e em 2014 foi a vez de jogar o dado para a NYX.

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Atualmente, o Grupo L’Oréal Paris detém mais de 40 marcas distribuídas pelos quatro maiores mercados: luxo, grande consumo, farmácia e cabelos. E está presente em 130 países.

Quem tem o quê?

O universo da beleza está dividido em alguns grandes grupos que detêm as maiores fatias deste mercado. Embora isto não se aplique 100% a Portugal — porque pequenos nichos podem ser comprados por outras marcas localmente — a nível internacional é este o panorama:

L’Oréal Paris – Esta multinacional detém alguns dos principais nomes na beleza como Lancôme, Vichy, Giorgio Armani, Yves Saint Laurent, Urban Decay, Kiehl’s, Maybelline, NYX, Essie, Kérastase, Garnier, Redken e The Body Shop, num total de mais de 40 marcas.

Estée Lauder – Jogou no Monopólio como o grupo anterior e detém marcas como Clinique, Bobbi Brown, MAC, La Mer, Tom Ford, Smashbox, Aerin, DKNY e Jo Malone, num total de 28 marcas.

Procter & Gamble – Em 2015, esta companhia vendeu 43 das suas marcas de beleza ao grupo Coty mas, mesmo assim, ainda detém a Herbal Essences, Olay, Old Spice, Pantene e SK-II.

Coty Inc – Poderoso na perfumaria (Calvin Klein, Gucci, Dolce & Gabbana, Hugo Boss, Chloé, Marc Jacobs, entre outros), este grupo detém nomes grandes como Cover Girl, Rimmel, Wella, Max Factor, Bourjois e OPI.

LVMH – Este é o grupo da alta costura Louis Vuitton e, na beleza, agrega marcas como Dior, Guerlain, Benefit, Givenchy, Loewe, Make Up Forever e Kenzo.

Shiseido – Nasceu em Tóquio em 1872 e é a mais antiga companhia de beleza do mundo. Atualmente, alargou-se à Europa e EUA e detém marcas como bareMinerals, Laura Mercier, NARS, Avène, Joico ou Elie Saab.

Unilever – No universo de beleza, detém marcas como Dove, TRESemmé, Axe, Rexona e Vaseline.

Beiersdorf – O grupo foca-se essencialmente em cuidados de pele e tem marcas como Nivea, Eucerin, Labello e La Prairie.

O que leva uma marca a vender o seu “bebé”?

Esta pode ser a pergunta na cabeça de muita gente. As respostas variam mas estão sem dúvida relacionadas com o crescimento, o posicionamento e, claro, os milhões em causa, quer para quem vende quer para quem compra. Quando está em causa a internacionalização, não é fácil para uma companhia individual conseguir concorrer com os grandes. Para muitas, a solução passa então por se unirem aos “grandes” e aos seus laboratórios, conhecimentos e inovações.

Anita Roddick, criadora da The Body Shop, explicou ao jornal The Guardian, em 2006, que o grupo L’Oréal Paris demonstrava ter liderança visionária ao querer continuar a defender os valores contra os testes em animais que a marca sempre defendeu. Roddick e o marido, após a venda, ficaram com 18% da marca. Parece pouco mas, no final do ano, representa vários milhões em lucro repartido — milhões que, sozinhos, não iriam conseguir fazer.

Já Jerrod Blandino e Jeremy Johnson, fundadores da californiana Too Faced, explicaram à revista Forbes os motivos da venda do seu “bebé” à gigante Estée Lauder: “O grupo está empenhado em criar produtos de maquilhagem inovadores e livres dos testes em animais, que deem às mulheres a confiança necessária para se divertirem e sonharem alto”, acrescentando que estão confiantes no crescimento dinâmico que a companhia poderá dar à marca.

43 marcas de beleza vendidas por milhões e milhões

Em 2015, quando a gigante Procter & Gamble anunciou que iria vender cerca de 100 das suas marcas para se focar naquelas que realmente representavam o maior lucro da companhia, especulou-se que a divisão de beleza iria toda ser vendida. Mas a estratégia foi bem pensada: a P&G livrou-se de marcas que estavam fora da sua experiência (43 delas de beleza, como Cover Girl, Wella e Max Factor, foram vendidas ao grupo Coty Inc) e, pelo caminho, ganhou 12 mil milhões de dólares (cerca de 11,5 mil milhões de euros). Em casa ficaram a Pantene, Olay e SK-II, três marcas do domínio da companhia.

À revista Forbes, A.G. Lafley, CEO, explicou: “Esta estratégia vai proporcionar uma excelente nova casa para todas estas marcas. O nosso objetivo é focarmo-nos naquelas cujo crescimento acreditamos que conseguimos impulsionar.”

O que é que nós ganhamos?

Pode parecer insignificante saber quem comprou a Too Faced ou quem é que detém a Lancôme, a Kérastase ou a Estée Lauder. Mas além do jogo de poder e dos milhões envolvidos, há interesses também para o consumidor final. É que para além de partilharem a casa-mãe para a sua comunicação, as várias marcas de uma companhia também partilham a tecnologia, os ingredientes, os laboratórios e as inovações. Trocando por miúdos, um qualquer novo ingrediente patenteado pelo grupo L’Oréal Paris, por exemplo para a Lancôme, mais tarde ou mais cedo vai sair com uma nova interpretação na sua versão low cost numa das marcas mais baratas do grupo, como por exemplo Garnier. Ou quando uma grande inovação é lançada, por exemplo como os batons líquidos que se tornaram um fenómeno, é certo e sabido que em pouco tempo essa inovação vai chegar a todas as marcas de uma companhia e, posteriormente, a vários nichos de mercado, não tendo o consumidor que esperar para poder usufruir dessa inovação ou adquiri-la numa marca com a qual não se identifique.

Concluindo, no final do jogo o que ganhamos é acesso a marcas monetariamente acessíveis, sabendo que são feitas e desenvolvidas por laboratórios credíveis associados às grandes marcas de luxo.