Há quatro mil anos e troca-o-passo, os índios da América do Norte assustam-se com a persistente violência dos raios nos carvalhos e concluem o óbvio: a imponente árvore é a morada dos deuses na Terra. Por isso, criam o hábito de bater com os nós dos dedos na madeira para afastar a má sorte. E resulta? Nem sempre. Na Madeira, o Sporting dá três toques na baliza de Charles e sai de lá com mais um resultado negativo.

É a música dos últimos tempos, um circo de feras. A vida vai torta, jamais se endireita. O ano civil 2017 já leva 21 dias e o Sporting acumula a quarta decepção em cinco jogos. A época desportiva 2016-17 já leva 31 jogos e o Sporting só soma 16 vitórias, entre 10 derrotas e cinco empates. Vai mal, muito mal. E com tendência para piorar, caso o Benfica cumpra a tarefa de derrubar o Tondela e esticar a diferença para 10 pontos.

No caldeirão dos Barreiros, com a intensidade no máximo pela presença de pouco mais de dez mil pessoas, o Sporting vai a jogo com Jesus no banco, após uma ausência de 15 dias provocada pela expulsão no final daquele polémico 2-1 no Bonfim, para a Taça da Liga. Como se isso fosse pouco, o treinador estreia Palhinha (21 anos) no lugar de William. Atrás, Schelotto e Zeegelaar ocupam as laterais, com Bruno César finalmente mais adiantado no apoio a Bryan e Dost. O Marítimo, única equipa a enganar o Benfica no actual campeonato (2-1 nos Barreiros), tem uma força imensa e basta ver o andamento de Edgar Costa mais Dyego Sousa. Se a isso a acrescentarmos alguns outros artistas, como Fransérgio e Éber Bessa, o jogo promete. E de que maneira.

Aos sete minutos, Coates calcula mal um passe lateral e permite a recuperação de bola por parte do Marítimo. Com a bola dominada, Éber Bessa sofre falta de Paulo Oliveira à entrada da área sportinguista. É o próprio Éber quem se encarrega do livre directo. O remate sai-lhe muitíssimo bem, puxado ao poste contrário. O problema (para o Sporting, claro) é Patrício. O homem copia um tique de Schmeichel, o de dar um passo para o lado da barreira a deixar o outro completamente desguarnecido (final da Liga dos Campeões 1999, Basler aproveita e é golo; finalíssima da Taça de Portugal 2000, Deco aproveita e é golo). Erro crasso. E alegria (para o Marítimo, claro).

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O Sporting, honra lhe seja feita, reage com categoria no imediato. Gelson e Schelotto semeiam o pânico pela direita em dois lances seguidos, aos 10 minutos. O domínio acentua-se por largos minutos. Aos 21′, Adrien marca um livre descaído para a esquerda e Coates falha o empate por milímetros. O cabeceamento sai ligeiramente ao lado do poste esquerdo de Charles. Aos 24′, outro livre naquela zona, curiosamente provocado por uma desatenção maiúscula de um maritimista que se embrulha com a bola para lançar o contra-ataque antes de cometer falta. Ora bem, aos 24′, Adrien cruza novamente com pompa e circunstância. A bola sai-lhe ligeiramente mais curta e Bas Dost eleva-se como um campeão. Tauuuu, 1-1. É o 14.º golo do holandês no campeonato. E, já agora, quantos tem o Sporting? Trinta. Uauuuu.

Problema (para o Sporting, claro). A equipa recua e é a vez do Marítimo apertar. Dyego Sousa apanha-se com espaço e acerta uma bola na trave, aos 31′. No quadradinho seguinte (33′), falta de Bas Dost sobre Raul Silva. Marca Éber Bessa o livre para a entrada fulgurante do mesmo Raul Silva. O Sporting congela, inclusive Patrício. Todos, sem excepção, acabam esse lance a meio caminho de qualquer coisa. Os centrais não acompanham os marcadores, o guarda-redes não chega a sair da pequena área, completamente atarantado. O cómico (para o Marítimo, claro) é que o toque de Raul Silva não é com a cabeça, e sim com o ombro. A fragilidade do Sporting é evidentemente preocupante e, daí até final da primeira parte, não há um único lance digno de registo na baliza do Marítimo – já no outro lado, Patrício atrapalha-se a despachar uma bola de Paulo Oliveira e só a segura à terceira. Acaba 2-1 e é a primeira vez desde 1987 que o Sporting sofre dois golos na primeira parte nos Barreiros.

Para a segunda parte, Jesus aposta em Alan para o lugar de Zeegelaar. Significa isso que Bruno César baixa para lateral-esquerdo. E não é que é ele o autor do cruzamento para o 2-2 de Gelson, aos 60′? Ah poizeeeee. Gelson domina no coração da área e atira sem hipótese de defesa de Charles, num momento em que até é o Marítimo a fazer tudo bem. Feito o empate, tanto Marítimo como Sporting encolhem-se ligeiramente. Há lances de perigo relativo junto às balizas, sem a intervenção dos guarda-redes. Uma bola por cima (Bas Dost 64′), outra às malhas laterais (Zainadine 81′) e é tudo.

Até que chega o minuto 82. Jogada simples, entre Adrien, Bas Dost e Alan. O argentino dribla Charles e o árbitro apita. Acto contínuo, a bola entra na baliza deserta. É golo, o 3-2 do Sporting. Só que não, o assistente Moniz vê fora-de-jogo de Alan. Inexistente. E basta uma imagem, sem ser em câmara lenta, para se perceber o erro. Nos restantes 13 minutos, ninguém ata nem desata e acaba 2-2 (o primeiro de sempre entre Marítimo e Sporting para o campeonato). Talvez por isso, pela falta de intensidade do Sporting nos últimos instantes, os adeptos atirem objectos para o relvado na hora dos jogares agradecerem o apoio.

Estádio dos Barreiros, no Funchal
Árbitro: João Pinheiro (Braga)
MARÍTIMO: Charles; Patrick (Zainadine, 66′), Maurício, Raul Silva e Deyvison; Éber Bessa (Alex Soares, 88′), Erdem Sen e Fransérgio; Edgar Costa (Xavier, 73′), Dyego Sousa e Ghazaryan
Treinador: Daniel Ramos (português)
SPORTING: Patrício; Schelotto, Coates, Paulo Oliveira e Zeegelaar (Alan Ruiz, 46′); Palhinha (William, 63′); Gelson, Adrien e Bruno César; Bryan (Campbell, 63′) e Dost
Treinador: Jorge Jesus (português)
Marcadores: 1-0, Éber Bessa (8′); 1-1, Bas Dost (24′); 2-1, Raul Silva (33′); 2-2, Gelson (60′)