A chanfana é o prato mais genuíno dos concelhos ligados à Serra da Lousã, mas escasseia a carne de cabra autóctone para a confecionar, com os criadores a apostarem mais na produção de queijo e cabritos. A carne de cabra, assada em vinho tinto no tradicional forno de lenha, tem sido crescentemente valorizada pelas autarquias, que organizam festivais gastronómicos com apoio de confrarias gastronómicas e da própria Turismo do Centro de Portugal. Só que, em grande parte, os animais utilizados nos restaurantes são criados noutras regiões do país.

Em municípios serranos dos distritos de Leiria e Coimbra, como Pedrógão Grande, Lousã e Góis, a agência Lusa entrevistou produtores cujo negócio não passa pelo gado caprino adulto, a “cabra velha”, mais adequada à preparação da chanfana, segundo o etnólogo Manuel Louzã Henriques.

A exploração da família Markl, em Pedrógão Grande, possui um rebanho de 100 cabeças que, em junho, chega a produzir 90 litros de leite por dia. “Não é possível aumentar o número de cabras”, afirma Marc Märkl à agência Lusa, frisando que a estrutura familiar da unidade, que dispõe de queijaria, desaconselha um reforço dos efetivos.

O produtor, de 35 anos, realça que o trabalho com um rebanho maior requer “mais meios humanos”. Oriundos da Baviera, na Alemanha, os pais e dois filhos instalaram-se em Vale do Barco nos anos 80 do século passado. Mais tarde, o pastoreio e o fabrico de queijo curado foram assumidos de forma profissional.

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Atualmente, todas as tarefas agropecuárias são realizadas por Manfred e pelo filho Marc. “O meu pai é queijeiro, pastor e patrão ao mesmo tempo”, graceja Marc. Esta atividade “ocupa 80% do dia-a-dia, uma mistura de vida privada, trabalho e lazer”, incluindo feriados e fins de semana, refere. “Não sei exatamente o que leva as pessoas sempre para a cidade”, questiona Marc, admitindo que a vida rural “é um bocado monótona”, longe dos principais centros urbanos da região. De janeiro a dezembro, Manfred e Marc Märkl têm “um dia cheio de manhã à noite”. No entanto, “não há nada mais gratificante do que ver alguma coisa nascer e crescer devido ao esforço que se fez”, regozija-se o filho.

O caprinicultor Carlos Paulino residiu e trabalhou sempre em Lisboa. A sua vida mudou radicalmente há três anos, quando criou uma empresa com um sócio, no concelho da Lousã. A NaturApproach produz atualmente cabritos e leite e possui mais de 250 cabras que pastam numa área de 100 hectares do baldio da freguesia de Serpins. “Não temos cabritos suficientes para a procura. Temos sempre os cabritos todos vendidos”, declara à Lusa Carlos Paulino, ao expressar o desejo de ver o rebanho aumentar até aos 600 animais, todos da raça serrana, maioritariamente fêmeas reprodutoras.

Investimento superior a 500 mil euros, com apoio da União Europeia, o projeto não previa a comercialização do leite, que passou depois a ser vendido a queijarias da região. “Nem pensávamos nisso”, admite Paulino, ao indicar que a empresa pondera a produção de queijo no futuro. A jovem unidade não tem ainda cabras velhas e comercializa apenas os machos juvenis, mantendo as fêmeas, a fim de aumentar o número de reprodutoras. Nos próximos anos, não venderá cabras para chanfana, mas poderá enveredar um dia por esse negócio.

Incentivada pela Câmara Municipal e pela Junta de Serpins, a empresa “é um caso de sucesso”, apesar de exigir “muito trabalho” dos donos, apoiados por dois pastores, segundo Carlos Paulino. O secretário técnico da Associação Nacional de Caprinicultores da Raça Serrana, Francisco Pereira, realça que a cabra serrana “tem uma boa adaptação” a todos os terrenos, entre Lisboa e Bragança.

Para o engenheiro zootécnico, a caprinicultura poderá ser “uma boa aposta” para jovens licenciados conseguirem o próprio emprego, quando se verifica “uma perda de efetivos” em todas as raças de cabras do país. Na Aigra Velha, concelho de Góis, a pastora Elsa Claro, de 55 anos, conduz 19 cabras pelas veredas da Serra da Lousã, entre urze, carqueja e tojo.

É um rebanho de subsistência. “Também vendo cabritos e queijo, mas enquanto houver cabritos não posso fazer queijo”, esclarece. Os fregueses também “querem cabras velhas” para a chanfana. “Só tenho chibas novas e também não as vendo”, lamenta Elsa Claro. Até meados do século XX, o montanhês tinha na cabra o seu mealheiro. Como explica Louzã Henriques, o animal só era abatido quando já não paria cabritos, nem dava leite.