Portugal “fica mal na fotografia quando comparado com quase todos os países do mundo”, no que diz respeito ao endividamento do Estado e do setor privado, lamenta a agência Fitch. Para que o “rating” suba e saia de “lixo”, terá de haver “mudanças estruturais”, avisa o analista responsável pela notação de risco de Portugal. A Fitch avisa que estará atenta a qualquer solução para a banca (Novo Banco, crédito malparado) que afete as contas públicas.

As declarações foram proferidas por Federico Barriga Salazar, diretor da Fitch, durante a conferência que a agência Fitch realiza anualmente em Lisboa.

“A ligação entre o setor bancário e a dívida pública é muito importante. Qualquer solução que se encontre para o setor bancário que tenha impacto na dívida pública, estaremos muito atentos”, afirmou o analista, lembrando que não pode falar muito sobre Portugal porque está iminente uma nova decisão sobre o “rating” de Portugal (3 de fevereiro).

Ainda assim, Federico Barriga diz que Portugal “é dos países mais endividados do mundo, fica mal na fotografia na comparação com quase todos os países do mundo”. Esta é uma referência não só à dívida pública mas, também, à dívida no setor privado (empresas e famílias). Em Portugal “tem de haver mudanças estruturais para que mudemos o nosso ‘rating’, explica o analista.

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Tem havido alguma melhoria no endividamento, mas Portugal continua a ser um dos países mais endividados do mundo, fica mal na fotografia em comparação com quase todos os países”.

A Fitch diz-se atenta ao desempenho do governo no equilíbrio das contas públicas. A agência deu um “murro no estômago” a Portugal em março de 2016, quando deixou de atribuir uma perspetiva “positiva” ao “rating” de “lixo” que há vários anos tem para Portugal. Essa decisão retirou muita atratividade ao investimento em dívida pública portuguesa, porque se tornou menos provável que Portugal passe a ter um “rating” de qualidade, o que abriria um grande conjunto de investidores por via da reentrada nos principais índices de obrigações.

Federico Barriga acrescentou que, para Portugal, “é importante acompanhar o “rating” de Itália, que foi colocado sob “perspetiva negativa” em outubro. “A Itália tem sido a economia mais anémica na zona euro nos últimos anos. O governo tentou, nos últimos anos, aliviar a pressão orçamental para tentar estimular o crescimento, mas o crescimento anémico significa que a dívida sobe e os bancos ficam em dificuldades maiores”.

Para Portugal, “Espanha também é importante mas temos dúvidas sobre a estabilidade do governo de Mariano Rajoy e a sua capacidade de passar os próximos orçamentos do Estado”, enquanto governo minoritário. “Espanha falhou as metas orçamentais vários anos consecutivos e os esforços de consolidação são sempre adiados”.

Fitch dá a entender que Trump pode fazer os EUA perder o “rating” máximo (AAA)

A Fitch está a antever um crescimento global mais elevado, sobretudo graças a perspetivas de um crescimento maior nos EUA e em alguns mercados emergentes importantes, como a Rússia. Quanto à China, a Fitch não antevê uma “aterragem brusca” mas, sim, uma desaceleração controlada da economia (6,7% em 2016, 6,4% em 2017 e 5,7% em 2018).

A agência de “rating” acredita que vai continuar a haver alívios fiscais nas economias avançadas, ainda mais agora com a eleição de Trump nos EUA, mas é preciso “ter atenção à subida dos custos de financiamento”. Na zona euro, a Fitch acredita que o Banco Central Europeu (BCE) vai continuar numa atitude de estímulo monetário mas a zona euro enfrenta riscos sobretudo políticos (populismo, eleições em vários países europeus, as negociações do Brexit).

O risco está nos EUA. Se todas as políticas de Trump se confirmarem, a Fitch alerta para o risco de um endividamento nos EUA — dando a entender que o “rating” norte-americano pode estar em risco, a Fitch diz que “os EUA são o emitente AAA mais endividado que nós seguimos”.

Na zona euro, o analista lamentou que apesar dos estímulos monetários e do alívio das pressões orçamentais, o crescimento continua “anémico” e as “dinâmicas na dívida continuam estagnadas” em níveis elevados.

Quanto ao calendário eleitoral de 2017, com eleições em França, Alemanha, Holanda e talvez Itália, “a probabilidade de os partidos mais radicais ganharem parece ser pequena, mas há riscos”. “Em todo o lado no continente europeu vemos uma divergência dos eleitorados para os extremos”, assinalou Federico Barriga Salazar, sublinhando que estes partidos têm menos apetência por fazer as reformas estruturais que a agência de “rating” considera essenciais.