O PS, PCP e BE manifestaram esta sexta-feira, durante a reunião de coordenadores da comissão de inquérito parlamentar à Caixa Geral de Depósitos, vontade de acabar com o funcionamento daquela comissão depois de feitas apenas mais quatro audições: Nogueira Leite, Álvaro Nascimento e representantes do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral das Finanças. No rescaldo da reunião, o CDS acusou a esquerda de querer “boicotar” o apuramento dos factos, sobretudo numa altura em que o Tribunal da Relação, “numa decisão histórica”, obrigou todas as entidades a revelar a documentação pedida.

Na semana passada, a comissão de inquérito, que foi criada a título potestativo (obrigatório) por requerimento do PSD e CDS, tinha sido prolongada por mais 60 dias, mas agora pode mesmo ter os dias contados.

Aos jornalistas, o deputado do CDS João Almeida, classificou a atitude da esquerda como “boicote àquilo que até os tribunais reconhecem ser um poder do Parlamento, que é a possibilidade de escrutínio de um banco público”. E sugeriu mesmo que os partidos da esquerda parlamentar estejam a querer acabar com aquela comissão antes de os documentos em causa terem tempo de chegar às mãos dos deputados.

“Ter um documento e não poder confrontar a pessoa envolvida é boicote”, disse João Almeida, acrescentando que “nem sequer esperar pelo final da comissão para tirar conclusões é ter algum problema com essas conclusões”.

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O pedido de cessação dos trabalhos parlamentares daquela comissão vai ser debatido na próxima reunião da comissão de inquérito, marcada para a próxima quinta-feira. Até lá, o CDS diz que não vai desistir de exercer os seus direitos potestativos e vai marcar com caráter obrigatório as duas audições que tem ao seu dispor, chamando ao Parlamento Armando Vara e o ministro das Finanças.

O PSD tem também mais oito requerimentos potestativos ao seu dispor, podendo ainda chamar mais oito personalidades com caráter obrigatório. Entre os nomes que os sociais-democratas querem voltar a ouvir estão Mário Centeno e António Domingues, cujas últimas audições foram desviadas pelos partidos à esquerda da comissão de inquérito para a comissão de orçamento e finanças. Mas há também interesse em chamar quadros e diretores do banco.

Segundo apurou o Observador, o PS mostrou apenas intenção de querer ouvir Nogueira Leite, antigo dirigente do PSD que foi vice-presidente da Caixa durante o primeiro mandato de José de Matos e que saiu em aparente desacordo com a falta de estratégia do Governo de Passos Coelho, e Álvaro Nascimento, que foi presidente não executivo da CGD no último mandato de José de Matos. O BE quer apenas ouvir representantes do Tribunal de Contas (na sequência do relatório divulgado que aponta para ocultação de informação pela parte do anterior Governo) e da Inspeção-Geral das Finanças. Do lado do PCP não foram feitos mais pedidos de audições.

O argumento da esquerda para não calendarizar, para já, mais audições para além destas quatro, é o de que “já foram realizadas 14 audições e nenhuma dessas 14 trouxe qualquer facto novo, nenhuma novidade que levasse a novas audições”, como explicou ao Observador o deputado socialista João Paulo Correia, lembrando que a comissão só tem mais 60 dias de funcionamento e “é preciso conclusões”.

Para o PS não faz sentido agendar já novas audições antes de receber a documentação em falta. Depois disso, se a esquerda entender que é preciso ouvir outras personalidades, então João Paulo Correia lembra que, em conjunto, PS, BE e PCP têm ainda 12 requerimentos potestativos ao seu dispor. Para o PS também não faz sentido falar em “boicote”, como a direita acusou, porque “boicote era não poderem fazer mais pedidos de audição”, diz o deputado socialista, lembrando que PSD e CDS ainda têm a possibilidade de fazer 10 pedidos. “Acusarem-nos de boicote é falso, mentiroso e prematuro”, diz.

E os documentos que a Caixa tem de entregar?

Isto se os trabalhos da comissão parlamentar não forem entretanto cancelados. O argumento dos partidos da esquerda, manifestado durante a reunião de coordenadores desta manhã, prende-se com o facto de aqueles partidos considerarem que a não há novos factos por apurar. Esta posição esta a ser vista com incredulidade à direta, sobretudo depois do Tribunal da Relação ter autorizado a Caixa e o Banco de Portugal a quebrar o sigilo profissional e entregar à comissão a informação e documentos relativos aos créditos do banco e a auditorias e inspeções feitas pelo supervisor.

Apesar deste acórdão, a última resposta enviada pelos responsáveis do banco à comissão de inquérito continua a invocar o sigilo bancário para recusar a entrega de elementos pedidos sobretudo com detalhes sobre os créditos que foram alvo de imparidades (reconhecimento de perdas).

“Não nos passa pela cabeça que os trabalhos da comissão terminem antes de analisar os documentos” que têm de ser disponibilizados por ordem da Relação, admitiu uma fonte próxima do PSD, invocando a jurisprudência de outras decisões judiciais relativas a comissões de inquérito como a de Camarate. O acórdão da Relação é passível de recurso por parte da Caixa, do Banco de Portugal e da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e se isso acontecer como é esperado, vai atrasar os trabalhos da comissão de inquérito. Poderia ser pedida uma suspensão do prazo, que foi recentemente alargado, mas isso poderá ser travado pelos partidos à esquerda.