2 de Abril de 1995 foi um dia de emoções fortes em Guimarães. Fora dos relvados, antes e depois do encontro entre V. Guimarães e FC Porto, registaram-se confrontos que fizeram com que as equipas entrassem de mãos dadas em campo (algo raro ou inédito); dentro das quatro linhas, os dragões foram mais felizes e venceram com um golo solitário de Domingos que praticamente assegurou o título aos comandados de Bobby Robson, o primeiro da caminhada rumo ao penta carimbado com Fernando Santos em 1999 (pelo meio ainda houve António Oliveira).

Porquê esta recordação com mais de duas décadas? Porque no conjunto vimaranense, então orientado pelo mítico Quinito, estavam nada mais nada menos do que Nuno Espírito Santo, jovem guarda-redes de 21 anos, e Pedro Martins, médio de 24 contratado nessa temporada ao Feirense. 22 anos depois, com trajetos e carreiras bem diferentes como atletas e técnicos, voltaram a sentir as emoções de um V. Guimarães-FC Porto em lados opostos. No banco. E foi a partir daí que a história de mais um capítulo deste confronto, que vai na 72.ª edição só para o Campeonato Nacional, teve o seu início: o anúncio das equipas oficiais.

De peito cheio pela forma como conseguiu ganhar a batalha táctica a Jorge Jesus na primeira parte do clássico do último fim-de-semana (sim, houve um herói chamado Soares, um santo Iker Casillas mas tudo ficou resolvido na forma como os azuis e brancos atacaram os laterais e as costas da defesa do Sporting fruto do posicionamento mais alto das suas linhas), Nuno decidiu moldar de novo o onze inicial às características do jogo e do adversário, lançando na batalha do meio-campo Herrera e André André e abdicando da velocidade/qualidade que a dupla Corona-Óliver confere a qualquer equipa. Pedro Martins, esse, não inventou mesmo vindo de uma derrota em Paços de Ferreira. E só mexeu no que estava obrigado (Hernâni e Marega, por serem jogadores do FC Porto, saíram da convocatória).

Quem disse que amigo não empata amigo? Ai empata, empata. O FC Porto ficou empatado: apesar do reforço do jogo interior com Herrera e Brahimi a jogarem por dentro numa óptica de potenciar as características ofensivas dos laterais Maxi Pereira e Alex Telles, os dragões tiveram apenas um remate para defesa fácil de Douglas nos primeiros 36 minutos (Maxi, 8’). Como as estatísticas não enganam, bastava ver um dado lançado pelo GoalPoint no primeiro quarto de hora para perceber tudo o resto – Alex Telles perdeu oito vezes a bola nas 14 em que esteve com ela nos pés. Mas o V. Guimarães também ficou empatado: apostando nas saídas em transição rápida, os visitados chocaram quase sempre contra uma muralha bem montada (até porque quem tem Danilo parece jogar sempre com mais um) e só conseguiram rematar bem longe da baliza (e ao lado).

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Mas, afinal, os ditados têm sempre alguma razão de ser e já se sabe: amigos, amigos, negócios à parte. Neste caso, golos à parte: Soares, o avançado que se estreou pelo FC Porto com um bis frente ao Sporting vindo do V. Guimarães, aproveitou uma bola a pingar na área após cruzamento de Alex Telles e amortecimento de André Silva para inaugurar o marcador. E já não foi a primeira vez que o brasileiro fez a desfeita ao anterior clube: na primeira partida pelo V. Guimarães contra o Nacional (ponto de partida em Portugal, vindo do Pelotas), também tinha bisado.

O golo foi como aquele café duplo com três pacotes de açúcar que o brasileiro tomava todos os dias de manhã na Casa Chica, pastelaria ao pé da casa onde vivia em Guimarães. Além da intensidade e entrega que tinham pautado o encontro desde início, houve um acréscimo de qualidade e velocidade que chegou até a ameaçar o empate mesmo em cima do intervalo, com Raphinha a disparar forte e rasteiro a rasar o poste da baliza de Iker Casillas. Saldo geral: o V. Guimarães tinha mais remates, mais posse e mais cantos. Quase tudo menos golos porque esses só um, do franzino da Paraíba que veste cada vez mais a capa de Super-Homem.

No segundo tempo, e mesmo sem mexer nas onze unidades iniciais, o V. Guimarães conseguiu fazer aquilo que poucos fazem a este FC Porto versão NES: partir o jogo. E foi assim que levou alguns calafrios à área dos dragões, que não conseguiam agarrar na batuta da partida por estratégia ou inépcia. Chegámos assim aos 64 minutos, altura em que as atenções se viraram de novo para os bancos: Pedro Martins abdicou do estratega Bernard para reforçar o apoio a Rafael Martins com a entrada de Fábio Sturgeon (curiosamente, os jogadores que vieram tentar esconder a baixa de Soares); Nuno Espírito Santo tirou André Silva, deixou Soares sozinho na frente e abriu o jogo pelos corredores laterais com Corona na direita (e Brahimi mais aberto na esquerda). Quem ganharia esta luta?

O FC Porto, que não tinha feito qualquer remate à baliza na etapa complementar, começou por ameaçar de bola parada e confirmou o ascendente em jogo corrido. Felipe já tinha criado perigo na sequência de um livre lateral e de um canto, mas seria Diogo Jota, que entrou para o lugar de Brahimi, a dar a chama final ao dragão com duas oportunidades perigosas em minutos consecutivos (77′, para defesa de Douglas; 78′, num remate em arco a rasar o poste). As seis substituições foram esgotadas em menos de 20 minutos mas amigo não empatou amigo e, neste particular, Nuno foi mais forte. Tão forte que, como não há duas sem três, o substituto Diogo Jota marcou mesmo o 2-0 a cinco minutos do final, com um remate cruzado e rasteiro após assistência de Alex Telles, o tal que começou o jogo com oito bolas perdidas em 15 minutos mas que voltou a ter um papel determinante nos golos portistas.

Estava escrita mais uma vitória do FC Porto, neste caso num dos terrenos mais complicados da Primeira Liga. Os dragões estão de novo a apenas um ponto do líder Benfica. E fica a promessa de Campeonato até ao fim.

Estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães

Árbitro: Carlos Xistra (Castelo Branco)

V. Guimarães: Douglas; Bruno Gaspar, Josué, Pedro Henrique, Konan; Celis, Zungu (João Aurélio, 71′); Hurtado, Bernard (Fábio Sturgeon, 64′), Raphinha (David Texeira, 78′); Rafael Martins

Treinador: Pedro Martins

Suplentes não utilizados: Miguel Silva, Prince, Rúben Ferreira e Tozé

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Marcano, Alex Telles; Danilo, André André (Óliver, 83′), Herrera, Brahimi (Diogo Jota, 74′); Soares e André Silva (Corona, 64′)

Treinador: Nuno Espírito Santo

Suplentes não utilizados: José Sá, Boly, Rúben Neves e Otávio

Golos: Soares (36’) e Diogo Jota (85′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Maxi Pereira (40’), André André (51′) e Bernard (62′)