A Núbia é uma região situada no Vale do Rio Nilo atualmente partilhada pelo Egito e pelo Sudão. Agora, uma disputa de longa data do Egito pelas terras nubianas ganha novos contornos. O Egito pretende vender estas terras a um grupo de investidores para que seja desenvolvido um ‘megaprojeto’ na área, mas o caso está a criar uma tensão sem paralelo entre os planos de desenvolvimento do governo egípcio e os direitos deste grupo étnico, que quer proteger a sua terra natal, conta o The Guardian.

O maior foco de tensão acontece perto da cidade de Aswan, uma das áreas que restam do antigo império núbio, que em tempos foi próspero. A zona, que pertencia originalmente aos núbios, foi interdita a esta etnia que há muito que luta por poder voltar à sua terra de origem. Em janeiro, oito homens foram presos por organizarem protestos contra a venda das terras aos investidores e, poucos dias depois, as autoridades egípcias convocaram Mohamed Azmy, General da União da Núbia, que afirmou ter sido ameaçado de prisão.

“Os nubianos têm, agora, que pagar pelas terras em que vivem há anos”, disse ao The Guardian Mohamed, que afirma que os projetos que o governo está a pensar desenvolver nas suas terras podem até beneficiar muitos povos, mas não a comunidade nubiana. Para esta comunidade, que em tempos fez parte de um império que cobriu grande parte do Egito, incluindo o que agora é o Sudão, a área ao redor do Lago Nasser é o último vestígio da sua ‘casa ancestral’. Para o governo do Egito, no entanto, é apenas uma última oportunidade de desenvolvimento e negócio.

“O caso de luta pelas terras nubianas mostra que o governo não está disposto a apoiar os seus próprios cidadãos a desenvolverem as suas terras, mas prefere, no entanto, optar pelo caminho mais fácil e vendê-las a um grupo de investidores”, afirmou Fatma Emam Sakory, ativista dos direitos nubianos, no Cairo.

Foi em 2014 que a nova Constituição prometeu aos nubianos que poderiam voltar à sua pátria. Mas foi também neste ano que o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, designou parte desta área como sendo uma zona militarmente restrita. Agora, um ‘megaprojeto’ agrícola, que tem o cunho do Governo, pretende converter cerca de 2.400 quilómetros quadrados do deserto em terras férteis e de cultivo.

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Este projeto pretende não apenas colmatar a falta de alimentos, como também ajudar a impulsionar a economia do Egito, que enfrenta sérias dificuldades. Quase 11% do PIB egípcio depende da agricultura. Não é a primeira vez que o país tenta levar para a frente um projeto que pretenda resolver esta crise, no entanto, todos fracassaram por serem demasiado ambiciosos. Segundo conta o The Guardian, um dos grandes medos dos críticos é que estas terras se percam num projeto que pode nem dar frutos. Trata-se de uma região muito desértica e com uma rápida e grande expansão populacional.

Mas não é a primeira vez que os núbios perdem terras. Por volta dos anos 60, a comunidade teve que ser deslocada para a construção do Lago Nasser, que inundou grande parte da comunidade. Milhares de anos de história foram submersos pelas águas. Ainda assim, os arqueólogos da UNESCO conseguiram ‘salvar’ o templo de Abu Simbel, um símbolo dos núbios, reconstruindo-o noutro local.

Templos Abu Simbel

Não é a primeira vez que um projeto de desenvolvimento tenta ser implementado nesta área. No final dos anos 90 o Governo, então liderado por Hosni Mubarak, tentou implementar na agora ‘zona militar restrita’ um projeto que pretendia criar um “novo vale do Nilo”, onde se iria desenvolver uma comunidade não só agrícola como também urbana, com fábricas, escolas e hospitais. A primeira parte da obra só foi inaugurada em 2005, mas logo surgiram os primeiros problemas: o alto nível salino do deserto acabou por contaminar as águas subterrâneas .

Agora pode repetir-se a história. No Egito, 95% da população vive em 3% de terra que não é desértica. Segundo David Sims, autor do livro ‘Egypt’s Desert Dreams’, o recente ‘megaprojeto’ para as terras nubianas, avaliado em cerca de 1.5 milhões de euros, serve apenas para o governo conquistar capital político. Já segundo o governo, o projeto irá criar vários empregos.