O ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos, admitiu ter recebido um telefonema do ex-ministro Miguel Macedo no sentido de ser criado um cargo de oficial de ligação na China. Palos começou por esclarecer que a ideia de haver um a criação de um posto para um oficial de ligação para a imigração (OLI) na embaixada portuguesa na China “não veio do nada”. Era um desejo “antigo” do SEF , “natural”, não só porque a comunidade chinesa em Portugal estava a aumentar – naquela altura era a quarta maior comunidade – como já que existiam oficiais de ligação noutros países “com expansão migratória em Portugal”.

Por isto tudo, disse Palos, não ficou “surpreendido” quando recebeu o telefonema do então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, nesse sentido, contou ao longo da tarde desta terça-feira, no âmbito do julgamento do processo dos Vistos Gold.

Nessa altura, contou ainda o antigo responsável do SEF, pediu ao gabinete de relações internacionais para que “elaborasse um projeto de proposta de um oficial de ligação” e reuniu-se com a direção do organismo, onde falaram de quem seria pessoa indicada para o cargo. A então diretora do gabinete de relações internacionais, Luísa Maia Gonçalves, foi o nome proposto por Palos e consensual entre os demais. Assim que a diretora aceitou a proposta, o processo para a criação do cargo “foi posto em marcha” – porque era necessário criar o cargo de OLI antes de ser feita uma nomeação. Recorde-se, porém, que o Ministério da Administração Interna (MAI) – que tutela o SEF – pode propor um nome, mas o OLI é nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

Manuel Palos garantiu também que nunca imaginou que o cargo de OLI na China estivesse ligado à criação de uma agência para trabalhar vistos gold, como acusa o Ministério Público. Para o ex-diretor do SEF, isso “nem sequer faz sentido”, uma vez que o oficial de ligação responde ao embaixador e não ao SEF. “O oficial de ligação não tem poder de decisão”, acrescentou.

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O antigo responsável do SEF garantiu ainda nunca ter discutido a questão do um oficial de ligação na China nem com António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), nem com Jaime Gomes, consultor da Intelligent Life Solution (ILS) – ao contrário do que disse no interrogatório, segundo o procurador – não tendo, por isso, sido pressionado. “Nunca falei com António Figueiredo sobre oficiais de ligação portanto não podia haver pressão”

Segundo o antigo dirigente do SEF, a proposta para a criação de um oficial de ligação foi feita em março de 2014 e por várias vezes tentou “indagar” o antigo secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida, para saber “o ponto de situação”. “A última vez que indaguei, no mês de novembro, a resposta foi que o assunto estava no gabinete do ministro”. Até hoje ainda não existe esse oficial de ligação em Pequim. Palos garante também não ter dado tratamento preferencial à ILS.

Quanto à atribuição de vistos de estada temporária a cidadãos líbios que vinham a Portugal receber tratamento médico, através da empresa dirigida por Paulo Lalanda e Castro, a Intelligent Life Solution (ILS), Manuel Palos voltou a recordar o primeiro encontro que teve com Jaime Gomes e afirmou que, nessa reunião, acreditava que Gomes era o diretor da ILS. Miguel Macedo terá ligado a Palos para saber se este poderia receber “o representante de uma empresa” que queria implementar um programa para receber doentes líbios em Portugal.

Jaime Gomes apresentou o seu projeto, mas Palos esclareceu que os vistos de estada temporária para os doentes teriam de ser tratados com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e não com o SEF. Ainda assim, o antigo responsável do SEF, segundo o próprio, disponibilizou-se para “indagar” junto da direção geral de serviços consulares. O processo foi “posto em marcha” após uma reunião, que contou a com a participação de Palos, Gomes e do embaixador José Maria Cabral.

Manuel Palos disse ainda estranhar a acusação do Ministério Público, uma vez que não cabe ao SEF atribuir vistos, mas sim ao MNE. Garantiu ainda nunca ter dado um tratamento diferencial aos doentes líbios vindos para Portugal através da ILS, acrescentando que esta não era única empresa a trazer cidadãos líbios para Portugal. “As regras estabelecidas foram iguais para todos”.