Paris tinha acabado de sofrer os ataques no Bataclan, no Stade de France e em cafés e bares da cidade. Balanço final: 130 mortos, 368 feridos. A reação da Comissão Europeia demorou duas semanas, dando luz verde ao Parlamento Europeu para, pela primeira vez, trabalhar num documento que desse orientações aos vários Estados-membros sobre como combater o terrorismo.

Entretanto, houve um ataque ao aeroporto de Bruxelas e ao metro de Maalbeek: 35 mortos (incluíndo três atacantes), mais de 300 feridos, em 22 de março de 2016. Houve Nice, em que um camião esmagou 86 vítimas e feriu outras 434 pessoas, em 14 de julho de 2016. Ainda houve Berlim e novamente um camião pelo mercado de Natal dentro: 12 mortos e 50 feridos em 19 de dezembro de 2016. Só para referir alguns dos ataques mais violentos do último ano em território europeu.

O trabalho do Parlamento Europeu, que ficou a cargo da deputada alemã Monika Hohlmeier, do Partido Popular Europeu, está agora prestes a ser concluído. Esta quinta-feira, os deputados ao Parlamento Europeu votam a diretiva de combate ao terrorismo que criminaliza viagens para fora da União Europeia relacionadas com intenções terroristas, algo que ainda não acontece em todos os países da União.

Também lança a mão a quem recebe ou dá treino, incita à realização de atos terroristas ou financia tudo o que está relacionado com treinos, armamento, logística, etc. E inscreve — também inédito — a obrigação de os serviços de informações e as autoridades policiais dos diferentes Estados partilharem informação sensível entre si, um calcanhar de Aquiles no combate ao terrorismo na Europa, minado pela desconfiança com que as diferentes secretas se relacionam.

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Mas há uma abordagem nova que só foi possível incluir no documento depois de vários países da União terem sofrido ataques terroristas: a criação de um sistema de resposta de emergência em caso de ataques. Leia a entrevista.

Qual foi a sua principal preocupação ao preparar esta diretiva?
O mais importante para mim, como relatora, foi transmitir um forte sinal de que o Parlamento Europeu tem colocado todos os esforços na luta antiterrorista e que estamos unidos neste combate. Para nós, também foi importante que as recomendações das Nações Unidas fossem respeitadas no que diz respeito à lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo. Estes são os princípios que se exige que sejam cumpridos pela União Europeia.

Qual a medida mais importante desta diretiva?
Há um leque de medidas, porque não se pode combater o terrorismo com uma medida isolada. Precisamos de várias medidas de diferentes âmbitos, que atuem como componentes da rede no combate contra o terrorismo. O importante, na diretiva anti-terrorismo, é que façamos mais contra os atos preparatórios de eventuais atentados — por exemplo, receber treino, dar treino, recrutar — e contra todas as ações de apoio à realização de atos terroristas.

A diretiva anti-terrorismo parece mais focada no combate a atos preparatórios e no financiamento do terrorismo, e menos nas raízes do terrorismo, nas causas para a radicalização destas pessoas que realizam ataques terroristas.
Esse não é o objetivo de uma lei criminal. Ainda assim, introduzimos na nossa diretiva, porque isso era importante para o Parlamento Europeu, [artigos] que obrigam os Estados-membros a dedicar mais esforços para combater a radicalização e trabalhar na prevenção de ataques. Pela primeira vez numa diretiva de lei criminal, fazemos referência à obrigação dos Estados-membros de produzirem uma declaração conjunta em que divulgam as medidas adotadas quanto à anti-radicalização e prevenção. É algo que acontece pela primeira vez e consta de uma uma declaração conjunta da União Europeia, do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia.

Secretas de costas voltadas

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Sem concretizar modelos que previnam a radicalização de jovens muçulmanos disponíveis para conduzir ataques em solo europeu, a diretiva Hohlmeier dá, no entanto, um contributo para mudar o paradigma na relação entre os serviços de informações e autoridades policiais europeias.

Identificou-se um ponto fundamental na prevenção de ataques terroristas que ficou particularmente claro depois dos ataques de Paris. Há pelo menos um ano e meio (antes dos ataques) que as movimentações dos irmãos Abdeslam tinham sido detetadas por um dos serviços de informações belgas.

Um segundo serviço de informações do país apanhou o apelido seis meses mais tarde. Mais: o “nome de guerra” de um dos atacantes da capital francesa constava das bases de dados de várias — não uma, várias — polícias belgas, mas essa informação nunca chegou ao conhecimento dos serviços franceses porque o nome não tinha sido duplicado para o serviço central de partilha de informações.

A resistência à partilha de informação entre os serviços secretos de diferentes países tem sido um problema no combate ao terrorismo. O que é que esta diretiva pode fazer para mudar essa realidade?
Passamos a ter uma obrigação de partilha de informação entre os Estados-membros. Os Estados passam a estar obrigados a enveredar por essa partilha de informação. Houve um debate muito forte a este respeito, mas no final os Estados-membros chegaram a acordo quanto a essa partilha de informação, especialmente tendo em conta o que aconteceu nos últimos anos: dados não inseridos no sistema, pessoas consideradas perigosas que não eram registadas, problemas entre os serviços de informações e as autoridades policiais resultando em informações que não eram partilhadas mesmo quando essa partilha era necessária. Foi por essa razão que o Parlamento Europeu consagrou essa obrigação de partilha de informação.

Nos Estados Unidos, o combate anti-terrorismo tem passado, sobretudo, pelo fechar das fronteiras. Tendo em conta as situações a que temos assistido também na União Europeia, com países que se recusam a deixar entrar refugiados vindos do norte de África e do Médio Oriente, o caminho europeu também poderá seguir essa via?
Não devemos ficar com a ideia de que o senhor Trump representa a totalidade dos Estados Unidos.

É ele quem está aos comandos do país.
Há muitos americanos contra o fecho das fronteiras, como se vê pelas manifestações na rua e pela posição do próprio procurador-geral. Não é uma questão de fechar fronteiras. Precisamos de saber quem está a entrar e quem está a sair da União. Mas fechar fronteiras não é solução porque há cidadãos europeus, eles têm o direito de voltar para casa. O desafio nas fronteiras é saber quem vem, mas ter uma verificação da identidade da pessoa que entra na União Europeia e devemos identificar aqueles que estiveram envolvidos em ações terroristas na Síria ou que foram treinados em campos sírios. Fechar as fronteiras não faz sentido porque os nossos Estados-membros estão a exportar e queremos ter crescimento económico.

O princípio de que devemos reforçar os controlos de segurança assenta muito na ideia de que a ameaça à segurança na União Europeia está fora da Europa.
Enfrentamos essa ameaça no seio da União Europeia, como vimos em Paris-Bataclan, na Bélgica, na Alemanha, nos incidentes de Itália e Madrid. E não se trata de pessoas que vem de fora — há cidadãos belgas, franceses, alemães. Por isso, sabemos que vêm terroristas de fora da União Europeia, mas também sabemos que há terroristas europeus.

A legislação anti-terrorista varia de Estado para Estado. Sente que as penas deviam ser agravadas para crimes relacionados com o terrorismo?
É isso que as Nações Unidas pedem, que os atos preparatórios ou atos terroristas sejam punidos de forma adequada. É mais grave ser organizador [de atos terroristas], financiar ou lavar dinheiro para financiar o terrorismo do que se alguém que o faz por sua iniciativa. Isso também é crime, mas nesses casos não se trata de conseguir matar o maior número de pessoas possível. Para mim, é importante que as autoridades judiciais tenham a possibilidade de analisar em profundidade aquilo que a pessoa fez e, então, decidir as sanções. Mas a amplitude dessas sanções deve admitir a possibilidade de aplicar penas muito pesadas ou penas menos pesadas. Depende do caso. É isto que os defensores europeus dos Direitos Fundamentais pedem. Particularmente, se crianças forem feridas ou mortas, ou se forem o objetivo do ataque terrorista. Nesses casos, o Parlamento Europeu pede um castigo mais grave do que para outros.

A diretiva aborda a criação de uma espécie de fundo de apoio às vítimas de terrorismo. Tem em mente um valor ideal que deva ser colocado nesse programa?
Não há um valor ideal, tudo depende dos casos concretos. Mas, depois de ver o que se passou nos ataques de Boston, nos Estados Unidos, percebemos que ali houve um bom modelo de compensação financeira. Para nós, é importante obrigar os Estados-membros a ter um apoio mais abrangente. Porque as vítimas de terrorismo não são vítimas por um azar. São-no porque os terroristas atacaram o Estado, por isso há uma obrigação do Estado de ajudar as vítimas. Daí que defendamos a existência de apoio médico, apoio psicológico, ajuda financeira, ajuda para que as vítimas sejam informadas sobre os processos legais contra os terroristas. Tem de haver um sistema de intervenção em situação de crise. Todos os Estados-membros têm de estar preparados para um ataque deste género. Precisamos de um sistema que atue de imediato, que informe as famílias, que disponibilize apoio psicológico, que dê apoio às famílias das vítimas, que disponha de um sistema de informação, contactos com os meios de comunicação, um site onde as pessoas possam sinalizar que estão bem ou uma linha de apoio para emergências para a qual as pessoas possam ligar. E que não tenha apenas um elemento, porque nestes tipo de incidentes precisamos de um mínimo de 5200 linhas para onde se possa ligar.

Da sua perspetiva, a maioria dos países não está preparada para lidar com uma crise deste género?
Diria que França é um dos Estados mais bem preparados porque aprendeu a lição. Na Alemanha estamos a começar a aprender. Na Bélgica, ainda enfrentamos muitos problemas. As vítimas ainda estão distantes. Vamos convidá-las a vir ao Parlamento Europeu nas próximas semanas, porque pensamos que o Parlamento deve dar uma voz às vítimas do terrorismo.