É finalmente conhecida a proposta do PSD e CDS sobre o objeto da nova comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Perante a polémica sobre se o acesso às SMS trocadas entre o Governo e aquele que viria a ser o presidente do banco público era do domínio público ou privado, PSD e CDS optaram por não fazer referência direta a essa questão, preferindo centrar o âmbito da próxima comissão de inquérito na atuação do Governo no processo de contratação, gestão e saída de António Domingues.

São três as alíneas em que se centra o objeto da comissão de inquérito:

  1. “Apreciar as negociações, direta ou indiretamente conduzidas pelo Governo, as condições e os termos de contratação da administração de António Domingues para a CGD”;
  2. “Apreciar a intervenção e responsabilidade do Governo pela gestão da administração liderada por António Domingues”;
  3. “Apreciar os factos que conduziram à demissão de António Domingues e à saída efetiva da administração da CGD”.

Apesar de não fazerem referência direta às comunicações entre António Domingues e o ministro das Finanças, na intervenção aos jornalistas, em conferência de imprensa, o líder parlamentar do PSD deixou claro que “apurar a verdade não é bisbilhotice”. Recusando-se a explicitar já quais as diligências que vão ser tomadas — se vão questionar António Costa e se vão pedir acesso aos SMS — Luís Montenegro limitou-se a dizer que era “expectável que a comissão pudesse ter aceso àquilo que já acedeu o primeiro-ministro, o Presidente da República, e que já veio nas páginas dos jornais”.

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Ao contrário do PSD, o CDS não chegou a pedir, no âmbito da comissão de inquérito atualmente em funcionamento, o acesso ao conteúdo dos SMS, limitando-se a perguntar se havia ou não SMS trocadas sobre aquela matéria em específico. Questionado sobre se concordará com o acesso a essa informação no âmbito do inquérito novo, o líder parlamentar do CDS Nuno Magalhães mostrou-se a favor de “a comissão tomar todas as diligências necessárias desde que legais e constitucionais” sublinhando que no seu ver de jurista aquele conteúdo “não se trata de matéria privada”.

A contratação pública não é natureza privada, enquanto jurista acho que é constitucional, mas costuma-se dizer que onde há três juristas há quatro opiniões”, admitiu, sublinhando ainda que, se estivesse no lugar de governante “não tinha problema nenhum em revelar”.

SMS de fora, para já. Mas “não são conversa de café”

Os dois partidos entendem, assim, que o conteúdo das mensagens trocadas é essencial ao apuramento da verdade, mas, para evitar dúvidas de constitucionalidade e para evitar que a esquerda trave a constituição do inquérito, optaram por não as pedir para já. As diligências virão depois, e poderão também passar por questionar o próprio primeiro-ministro.

Para Luís Montenegro e Nuno Magalhães a constituição desta comissão é “essencial e inevitável” para a “descoberta da verdade” em torno da contratação da anterior administração da Caixa, liderada por António Domingues, e das suas relações com o Governo. “Queremos apurar os termos e condições em que houve um convite, e esses termos e condições terão sido fixados em conversas entre os protagonistas e em documentação que foi já entregue ao Parlamento [mas impedida de ser usada]”, disse Montenegro, referindo-se aos emails enviados por Domingues à comissão de inquérito em curso mas cuja divulgação e acesso a maioria de esquerda travou. Daí que o líder parlamentar do PSD reforce que “é muito simples de perceber que não estamos a falar de conversa privadas, encontro de amigos, conversas de café”.

Também Nuno Magalhães notou que os deputados da atual comissão de inquérito foram “inibidos de fazer a pergunta que o país inteiro anda a fazer”, sobre se o Governo firmou ou não um acordo com a administração da CGD para os gestores não entregarem as declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional, razão pela qual a nova comissão de inquérito se afigura “inevitável”.

No requerimento, que foi apresentado aos jornalistas meia hora depois da hora prevista para a conferência de imprensa, os dois partidos recordam o que têm denunciado como problemas de funcionamento da atual comissão de inquérito sobre a Caixa – que visa esclarecer as condições que levaram à necessidade de recapitalização do banco público – e a rejeição de sucessivos requerimentos potestativos apresentados pelos partidos minoritários, da direita. “Estranho muito que as forças políticas que sustentam o atual Governo estejam a querer levantar uma nuvem a propósito da constitucionalidade”, até porque “outra coisa não têm feito as comissões de inquérito senão aceder a documentos”, insistiu Luís Montenegro.

“É verdade ou não que o ministro negociou a dispensa da apresentação da declaração de rendimentos [de António Domingues]?“, questionam os dois partidos, no requerimento, lamentando que a “maioria de esquerda tenha impedido a atual Comissão de fiscalizar” esta questão, com o argumento de que não se inseria no objeto. É esse problema que PSD e CDS querem agora ultrapassar ao propor a criação de uma nova comissão de inquérito apenas centrada nesta questão, esvaziando com isso o velho argumento da esquerda. A ideia, escrevem, é que a nova comissão possa “funcionar pelo prazo mais curto”, não ultrapassando os 120 dias.

Numa altura em que a tensão parlamentar está ao rubro, com acusações de “obstrução” e de “ditadura da maioria” de esquerda contra a “minoria” de direita, a definição do objeto da comissão de inquérito afigura-se peça-chave para saber se a constituição de um inquérito sobre este tema avança mesmo ou se fica pelo caminho. É que apesar de a comissão de inquérito ser criada por requerimento potestativo (ou seja, ser imposta pela direita), se a maioria de esquerda entender que o objeto definido vai contra a Constituição, o inquérito pode não avançar. A bola fica agora do lado dos partidos da esquerda e do presidente da Assembleia da República, que esta sexta-feira almoça com o Presidente da República momentos antes de o CDS ir a Belém queixar-se da “obstrução” parlamentar de que diz ser alvo.

O mesmo problema colocou-se aquando da constituição da primeira comissão de inquérito sobre a recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos, com PSD e CDS a terem de ceder sobre as balizas do objeto. Na altura, o problema era o facto de a direita querer incluir o processo de recapitalização em si mesmo no âmbito da comissão, mas a esquerda, com o apoio do presidente da Assembleia da República, alegou que não era legal inquirir sobre um processo negocial ainda em curso. Ferro Rodrigues pediu mesmo um parecer à Procuradoria-Geral da República. Resta saber o que fará desta vez.

PSD confirma inquérito só para “caso Domingues” e avisa que SMS “não são privados”

Quando PSD e CDS anunciaram a intenção de avançar com uma segunda comissão de inquérito, Luís Montenegro explicou que só avançava “porque PS, PCP e Bloco de Esquerda inviabilizaram o trabalho de apuramento da verdade na [comissão] que atualmente decorre”. Segundo disse na altura o líder parlamentar do PSD, a nova comissão “visa ultrapassar o boicote democrático” que os partidos de esquerda “impuseram ao Parlamento”. Sobre os SMS trocados entre Mário Centeno e António Domingues, Luís Montenegro considerou desde o início que “não são comunicações privadas”, mas sim “troca de comunicações oficiais”.

César critica “aborrecimento”, mas comissão foi ideia sua

No rescaldo do anúncio, o líder parlamentar do PS, Carlos César, acusou em declarações à agência Lusa, o PSD e o CDS de “cegueira partidária” e de não olharem em frente, aguardando para ver o “cabimento constitucional” da nova comissão de inquérito em torno da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

“O PSD e o CDS não sabem mais o que fazer para azedar a política e aborrecer os portugueses. Acusam o presidente da Assembleia da República, o PS e os partidos à esquerda de impedir os trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito e criam mais outra. No caso do presidente do parlamento aceitar a constituição da comissão veremos que diligências serão propostas e qual o seu cabimento constitucional e legal”, disse Carlos César.

Há uma semana, contudo, perante as acusações do PSD e CDS de “obstrução” aos trabalhos da comissão, foi o próprio Carlos César que sugeriu aos partidos da direita criar uma nova comissão de inquérito caso quisessem abordar o tema das condições acordadas e pedir o acesso às comunicações. “O PS entende que uma tal comissão pode ser constituída”, disse Carlos César no dia 16 de fevereiro, sublinhando que, desde que respeitasse a Constituição, a lei e o regimento da Assembleia da República, “tudo o que for feito com esse enquadramento é bem-vindo, porque para o PS a transparência faz parte da qualidade da vida democrática”.

Questionado sobre se o PS colocaria entraves à criação de uma comissão com esse âmbito, Carlos César respondeu, na altura: “Se o PSD entender que deve ser constituída uma comissão parlamentar de inquérito, pode ao abrigo do regimento exercer esse direito, e nada o poderá impedir. O PS só tem de respeitar”.