As tomadas de posse são um grande espetáculo mas nunca tão grande como os Óscares. Nem a inauguração da primeira Administração Obama teve tantos espetadores: 37 milhões contra a média de 40 milhões que todos os anos ligam a televisão para a noite dourada do cinema. E isto são apenas os números referentes aos Estados Unidos. Costumava ser mais fácil esgotar uma sala de cinema do que um comício. A indignação levedava e ia-se espalhando, mas aos poucos, pelos inconformados de cada país. Agora olhamos para as redes sociais e temos a impressão de que todo o mundo é feito de cidadãos norte-americanos, a escassos dias de terem o seu país cercado de um muro ou os seus governos a desinvestir nas clínicas de planeamento familiar.

Donald Trump, o recém-empossado Presidente norte-americano, não terá uma noite fácil no domingo. Há quem preveja a edição mais politizada de sempre, uma espécie de prémios-barril de pólvora, e até houve quem defendesse que os Óscares não se deviam realizar este ano, como forma de protesto. Porém, e como escreve a revista Atlantic, não é certo que o impacto desta decisão justifique o cancelamento de uma cerimónia que no fundo é entretenimento mas onde se honra o trabalho de centenas de artistas.

As ausências deste ano serão mais notícia do que as presenças. Asghar Farhadi, diretor iraniano do filme “O Vendedor”, nomeado para melhor longa-metragem internacional, anunciou que não iria participar na cerimónia depois de a ordem executiva de Donald Trump ter impedido iranianos (e cidadãos de mais seis países de maioria muçulmana) de entrarem nos Estados Unidos. Farhadi até poderia conseguir um visto para vir aos Óscares mas não é assim que se faz protesto político. Também Hala Kamil, o sírio que protagoniza “Waitani: A Minha Terra”, nomeado na categoria de melhor documentário curta-metragem, também não poderá assistir. Os elementos dos Capacetes Brancos, uma das organizações de ajuda humanitária presentes na Guerra da Síria ficarão igualmente impedidos de participar apesar de o documentário sobre o seu trabalho junto dos refugiados também estar nomeado na mesma categoria. Segue uma lista de alguns dos momentos mais marcantes das edições passadas, quando os pequenos microfones se tornaram megafones de protesto.

Gregory Peck

1968

Em 1968, os Óscares realizaram-se apenas seis dias depois da morte de Martin Luther King Jr. O doutor Martin Luther King Jr. O presidente da Academia, Gregory Peck condenou o assassinato de King declarando que aquela tinha sido “uma semana madrasta na história da nação”. Dois dos filmes nomeados, (“In the Heat of the Night” e “Guess Who’s Coming to Dinner”) tratavam do tema dos conflitos raciais, largamente influenciados pelas palavras do ativista.

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Jane Fonda

1972

Era conhecida a sua posição em relação à Guerra do Vietname — não tivesse Fonda feito manchete com a sua visita a Hanói, reduto da rebelião comunista vietnamita. Quando recebeu o Óscar pela sua interpretação em Klute, em 1972, Fonda optou por não fazer ondas na cerimónia mas não poupou críticas à conduta política dos Estados Unidos. “Estava a pensar… enquanto estamos aqui todos a oferecer prémios, que são prémios muito importantes, há homicídios a serem cometidos em nosso nome na Indochina”, disse Fonda.

Marlon Brando

1973

Marlon Brando não exatamente porque o ator escolheu não receber a estatueta que a Academia lhe destinou. Estávamos em 1973, e a estrela de “O Padrinho” pediu a Sacheen Littlefeather, ativista pelos direitos das populações nativas da América que fosse no seu lugar receber o prémio, como forma de protesto contra a caracterização e tratamento dos povos indígenas na indústria cinematográfica. Mas não houve ovação. Alguns apupos e parcos aplausos foi tudo o que Brando conseguiu arrancar da plateia.

Vanessa Redgrave

1978

Em 1973, A atriz inglesa encontrou pela sua frente a Liga de Defesa Judaica que se opôs à sua nomeação como Melhor Atriz Secundária pelo seu papel em “Julia” por Redgrave ter sido sempre uma defensora dos direitos dos palestinianos. Isto apesar da atriz ter interpretado uma ativista anti-nazi no filme que lhe valeu o Óscar. No seu discurso, Redgrave disse que os zionistas eram “um insulto ao estatuto heroico do judeus em todo o mundo”.

Susan Sarandon e Tim Robins

1993

Foram apresentar o prémio para Melhor Edição mas fugiram ao guião. Em vez das palavras asséticas combinadas os dois atores optaram por condenar a decisão do governo norte-americano em prender, na prisão de Guantanamo Bay, mais de 250 cidadãos do Haiti portadores do vírus da SIDA que fugiam de um golpe de estado. “A SIDA não é um crime”, disseram na altura. Na mesma cerimónia, Richard Gere, manifestou-se contra os “horrendos abusos de direitos humanos” que, na sua opinião, estavam a ser cometidos pela China contra o Tibet.

Michael Moore

2003

Foram os anos pós 11 de Setembro em ao mesmo que os filmes serviam um dos seus propósitos reconhecidos, a evasão, eram também utilizados para criticar o início de uma guerra “iniciada por razões fictícias” no Médio Oriente, como disse o documentarista Michael Moore, um feroz crítico de George Bush e da sua Guerra do Iraque. “Shame on you Mr. President”, disse o vencedor da estatueta para Melhor Documentário com o hoje objeto de culto “Bowling for Columbine”.

Al Gore

2007

Político e ativista, Al Gore foi candidato presidencial contra George Bush em 2000 e sete anos mais tarde ficou famoso no mundo todo pela “Verdade Inconveniente” que revelou sobre o aquecimento global — o que lhe valeu o Óscar para Melhor Documentário e lhe ofereceu um palco para pedir a mudança política necessária para mudar o rumo do planeta. O aquecimento global “não é um assunto político mas sim moral e temos tudo o que precisamos para começar, exceção feita à vontade política para agir mas isso é um recurso renovável, vamos renová-lo”, pediu Al Gore.

Sean Penn

2009

2009. A Califórnia acabava de aprovar uma lei que apenas garantia reconhecimento legal aos casamentos celebrados entre homem e mulher. Sean Penn deu vida a Harvey Milk, um ativista norte-americano pelos direitos dos homossexuais e o filme — “Milk” — e venceu a categoria de Melhor Ator com a sua interpretação suada e sentida. Na cerimónia, Penn voltou a vestir a personagem. “É uma boa altura para que todos os que voltaram por esta lei antecipem a sua vergonha e a que irão ver nos olhos dos seus netos se continuarem a defender esta medida”.

Charles Ferguson

2011

A crise financeira chega ao grande ecrã. “Inside Job — A Verdade da Crise” põe a nu os verdadeiros culpados do colapso — e como os vícios no setor são aparentemente insanáveis. “Três anos depois desta crise horrível causada pela prática generalizada de fraude, nem um único diretor executivo enfrentou pena de prisão, e isso é errado”, disse Ferguson.

Óscares Tão Brancos

2016

A polémica gerou uma hashtag viral #OscarsSoWhite e alguns convidados como Will Smith, Spike Lee ou Michael Moore recusaram-se a participar na cerimónia como forma de protesto contra o facto de nenhum artista negro merecer uma nomeação em nenhuma das 20 categorias. Até 2014, apenas 2% Academia era constituída por pessoas de cor o que levou alguns críticos a argumentar que o poder de decisão estaria demasiado concentrado num grupo pouco abrangente. Neste ano, ficaram fora do grupo dos nomeados nomes como Idris Elba e Samuel L. Jackson.

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