A campanha eleitoral do Sporting conheceu este domingo o episódio mais mediático e que promete ainda dar muito que falar: a gravação de uma conversa entre José Maria Ricciardi, antigo presidente do BESI e do Haitong Bank Portugal, e Sikander Sattar, líder da KPMG. No áudio com cerca de 12 minutos, que tão depressa caiu no Youtube como foi retirado quando se tornou viral, ouve-se Ricciardi, atual membro da Comissão de Honra da lista de Bruno de Carvalho, defender que a única solução para os leões seria a perda da maioria do capital social da SAD (uma espécie de “ideia proibida” em Alvalade, como se percebeu em assembleias gerais) e que o presidente do Sporting deveria ter apenas um papel figurativo a nível de gestão.

Pedro Madeira Rodrigues, candidato da lista A à presidência do clube, convocou uma conferência de imprensa neste domingo à noite para defender que aquilo que se ouvia na referida gravação é a prova de que “há um projeto em curso para tirar o Sporting aos sócios”.

“Há um projeto em curso para tirar o Sporting aos sócios. A 4 de março vamos dar uma resposta a esta gente que se acha dona do Sporting. A máscara caiu e quero explicações de Bruno de Carvalho. [Data da gravação?] Não sei nem acho importante, certo é que continuam a tomar conta do clube”, referiu Pedro Madeira Rodrigues

“Não vamos comer e calar! A 4 de março vamos dar uma resposta a esta gente que se acha dona do Sporting. A máscara caiu e quero explicações de Bruno de Carvalho, a pessoa perfeita para esse plano. É uma pessoa fraca e podem usá-lo como marioneta”, afirmou, ao mesmo tempo que relativizou a data em que a referida conversa tinha ocorrido (que o Observador confirmou ter sido em 2013, ou seja, antes da reestruturação financeira). “Não sei dizer nada nem acho que seja importante, certo é que continuam a tomar conta do clube. Perguntem aos intervenientes quando decorreu, eles poderão responder”, comentou.

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Em paralelo, e num ponto que passou um pouco à margem face ao que já tinha sido abordado na conferência de imprensa, Madeira Rodrigues deixou também dúvidas sobre os 18 milhões alegadamente investidos na SAD, mostrando um prospeto do Haitong Bank de 2016 onde estaria evidenciado que seria a instituição a garantir a procura desse capital.

Ao final da manhã, Bruno de Carvalho, candidato da lista B, comentou as declarações da véspera e, num post no Facebook, criticou duramente o adversário. “O candidato da lista A passou a campanha a dizer que a reestruturação estava feita quando cheguei e que nada fiz. Afinal, faz uma patética conferência de imprensa com uma gravação de 2013 que só veio comprovar o que sempre disse: não existia nenhuma reestruturação financeira feita. O plano era o Sporting perder a maioria da SAD e estávamos numa pré-falência que todos julgavam ser uma morte anunciada”, escreveu, completando: “Afinal tinha razão: apenas o trabalho de 24 horas por dia, o amor incondicional a este clube e a defesa constante e intransigente do Sporting conseguiram inverter esse caminho, colocando os sócios no centro das decisões, mantendo o controlo da SAD e fazendo uma recuperação económica que todos os especialistas diziam à época ser impossível mas que hoje elogiam”.

“Afinal, faz uma patética conferência de imprensa com uma gravação de 2013 que só veio comprovar o que sempre disse: não existia nenhuma reestruturação financeira feita. O plano era o Sporting perder a maioria da SAD e estávamos numa pré-falência que todos julgavam ser uma morte anunciada (…) [Fizemos] uma recuperação económica que todos os especialistas diziam à época ser impossível mas que hoje elogiam”, respondeu Bruno de Carvalho

Ainda na mesma publicação, acompanhada do vídeo de uma conversa de Pedro Madeira Rodrigues com um adepto no Estoril (“Fala de uma gravação em que cai a máscara a alguém e é de forma consciente e alegre que, à frente das câmaras da TVI, ofende um sócio cinquentenário e o clube”, escreve), o atual presidente do Sporting volta a dizer que a Doyen, “que quer ficar com os passes de todos os atletas, já veio defender o seu ‘boy’”, ao mesmo tempo que refere estar todos os dias a receber “telefonemas a pedir treinador para o Sporting, questionando se é verdade”.

Uma queixa-crime confirmada, outra por confirmar

Após o debate da passada quinta-feira entre Pedro Madeira Rodrigues e Bruno de Carvalho, onde o primeiro acusou José Maria Ricciardi de ser “dos que mais recebe comissões do Sporting”, o ex-líder de BESI e Haitong Bank já tinha afirmado que pretendia mover um processo ao candidato da lista A, assegurando que nunca tinha recebido qualquer comissão dos leões. Agora, em declarações ao jornal Record, o banqueiro foi mais longe (e duro) nas críticas a Madeira Rodrigues.

“É um mentiroso patológico. Primeiro, reparo que este senhor faz uso de uma conversa privada, gravada ilicitamente, recorrendo a métodos mafiosos enquanto mostra um ar de bonzinho. Aquelas declarações foram feitas no final da era Godinho Lopes, quando o Sporting se encontrava num estado calamitoso, quase em pré-falência. Na altura, não via outra solução que não fosse o Sporting abrir portas a investidores mesmo que isso implicasse a perda da maioria da SAD. Era entre perder o clube ou mantê-lo vivo. Na altura pensei que seria possível, pois aconteceu com o Manchester United, o Chelsea e o Manchester City. Bruno de Carvalho operou um verdadeiro milagre”, referiu entre elogios ao papel do atual presidente e candidato da lista B, de que faz parte da Comissão de Honra: “Depois da conversa, negociando uma fantástica reestruturação financeira, Bruno de Carvalho conseguiu evitar [que a SAD perdesse a maioria na SAD] e aí, confesso, tiro-lhe o chapéu. Fez algo que achava impensável”.

Do lado oposto, a candidatura de Pedro Madeira Rodrigues garantiu que, caso Ricciardi não se retrate a propósito da ligação entre a lista A e a divulgação desse áudio, poderá avançar com um processo nos tribunais por difamação. Fonte próxima do processo garantiu que “o facto de ser uma gravação de 2013 não altera em nada o ponto mais importante: José Maria Ricciardi quer ter o poder no Sporting”. “Recebemos essa gravação e tivemos de falar sobre a mesma porque os princípios por trás do seu apoio são os mesmos. Tivemos de elucidar os sócios”, acrescentou antes de dar como exemplo uma entrevista de Daniel Sampaio, antigo vice-presidente da mesa da assembleia geral do clube e atual mandatário da candidatura de Bruno de Carvalho, ao Diário de Notícias, já depois do ato eleitoral de 2013, onde afirmava que José Maria Ricciardi o tinha convidado para ser presidente com remuneração a combinar.

Com quem estava Ricciardi nas outras eleições?

Sportinguista confesso, José Maria Ricciardi já fez parte dos órgãos sociais do clube mas no Conselho Fiscal e Disciplinar, como vogal e vice-presidente dos elencos entre Pedro Santana Lopes e Godinho Lopes. Agora faz parte da Comissão de Honra da candidatura de Bruno de Carvalho, figura que nunca apoiou oficialmente nas duas anteriores eleições.

Em 2011, Ricciardi declarou o seu apoio a Godinho Lopes, numa votação onde acabaria por ganhar por margem mínima a Bruno de Carvalho (ainda hoje algumas pessoas colocam em causa a “legalidade” do ato). Em 2013, muito se escreveu sobre para que lado penderia o seu apoio, ficando a perceção de que estaria com José Couceiro. Ainda assim, o candidato ex-treinador e diretor do futebol verde e branco referiu, em entrevista, “que já se tinha encontrado com Ricciardi tal como Bruno de Carvalho”. Neste ato eleitoral, e mesmo não integrando qualquer órgão social, manifestou total apoio ao projeto desenvolvido pelo atual presidente ao longo de quatro anos.

O que mudou? De acordo com várias fontes contactadas, a reestruturação financeira – foi a partir daí que José Maria Ricciardi passou a ter outra ideia sobre Bruno de Carvalho, que conseguiu algo impensável para todos os conhecedores do processo. Aliás, essa terá sido a principal razão para a resposta brusca do banqueiro às declarações de Madeira Rodrigues: depois de fechada a reestruturação que todos achavam impossível, passou a entender a manutenção da maioria do capital social da SAD como algo tangível, deitando por terra a ideia contrária que tinha em 2013. Em paralelo, a “jogada” da contratação de Jorge Jesus, antigo treinador do Benfica, foi outro dos pontos que fez com que Ricciardi se “rendesse” ao percurso de Bruno de Carvalho como líder do clube.