Sócrates contra Cavaco. O ex-primeiro-ministro acusou o antigo Presidente de deturpar as conversas que manteve com ele enquanto esteve à frente do Governo. Em entrevista à TVI, José Sócrates diz que Cavaco Silva preparou uma “conspiração” para atacar os seus adversários políticos e para permitir que o seu partido ganhasse as eleições de 2009 (que o PS veio a ganhar, derrotando o PSD). E “um homem que é capaz de fazer isto, é capaz de fazer tudo”, disse esta segunda-feira.

A entrevista no Jornal da 8 foi justificada como a defesa de Sócrates perante as revelações feitas pelo primeiro livro de memórias de Cavaco Silva sobre a sua presidência. O primeiro tema é o caso das alegadas escutas ao Presidente da República, noticiadas pelo jornal Público na pré-campanha das legislativas de 2009. José Sócrates reconhece que este episódio marcou um ponto de inversão na relação que tinha com o Presidente.

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Começando por distinguir: “Há memórias e há bisbilhotice política”, o ex-primeiro-ministro critica a falta de sentido de Estado do ex-Presidente por ter escrito sobre reuniões em que só estavam presentes duas pessoas, sem testemunhas. Nunca um Presidente da República fez tal coisa, realçou.

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Mas para Sócrates, o principal problema não é revelar as conversas, mas sim deturpá-las. E a acusa Cavaco Silva de faltar à verdade na versão de que deu deste acontecimento em particular. E de “transformar conversas num ataque político traiçoeiro a um adversário político”.

Contrariando a tese publicada pelo ex-Presidente de que o episódio das escutas foi uma “construção tenebrosa da máquina do PS”, José Sócrates diz que há provas de que não foi assim e recorda o mail de um jornalista do Público, divulgado antes das legislativas de 2009, onde era divulgada a fonte da noticia dada em agosto. O jornal escrevia que o Presidente suspeitava que estava a ser alvo de escutas, lançando a suspeita sobre o PS e o Governo então liderado por José Sócrates.

Cita ainda o livro de memórias do ex-assessor do Presidente que é citado no mail como fonte, para recordar que Fernando Lima diz que não fez nada à revelia dos superiores.

Na entrevista a Judite de Sousa, o ex-primeiro-ministro lembra ainda que confrontou o então Presidente da República com a noticia e que lhe pediu que a desmentisse. E que Cavaco recusou, alegando que não iria de propósito interromper as férias no Algarve para esclarecer a questão. “Eu perguntei sobre alhos e respondeu bugalhos”, disse Sócrates. A resposta do então Presidente era sobre a alegada participação de colaboradores seus na campanha do PSD.

Sócrates garante que não suspeitava da intervenção do Presidente na história das escutas até ter sido publico o mail a revelar que a informação tinha saído de Belém . “O sentimento que fica quando leio este mail é repugnância”. José Sócrates acusa ainda Cavaco Silva de ter sido estado na origem do que classificou como “tramoia” e “conspiração” para combater um adversário político e permitir que o seu partido ganhasse as eleições — na verdade quem ganhou essas eleições foi o PS, mas sem maioria.

E lança várias perguntas: “Como poder ser tão jesuítico”, por dizer que a responsabilidade era de uma “tenebrosa campanha do PS”? “Porque iria o PS colocar noticias que eram contra o partido?” Para responder: “Um homem que é capaz de fazer isto, é um homem capaz de fazer tudo”.

Sócrates diz que Cavaco “provocou a crise política” de 2011

A entrevista focou ainda o papel do Presidente da República na queda do Governo de Sócrates, em março de 2011, na sequência do chumbo do PEC IV (Programa de Estabilidade e Crescimento). Confrontado com o testemunho de Cavaco Silva que só dissolveu o Parlamento porque o então primeiro-ministro se demitiu, Sócrates diz que foi o contrário. E acusa Cavaco de ter estado por trás da crise política que levou ao seu afastamento e, pouco tempo depois, à ajuda internacional.

O ex-Presidente da República, diz, “comportou-se sempre como o principal fautor da crise política, manobrou na sombra. Ele provocou a crise política, dando o braço ao PSD para derrubar o Governo”. Sócrates ataca ainda a opinião dada por Cavaco Silva nas suas memórias da Presidência onde defende que Portugal iria sempre precisar de ajuda internacional, mesmo que o PEC IV (um programa com várias medidas de austeridade negociado com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu) fosse aprovado pela oposição.

Bava e Granadeiro foram trazidos para “encher o processo” contra Sócrates

Se a defesa face às revelações do livro do ex-Presidente é o pretexto para esta entrevista, a segunda do ex-primeiro ministro à TVI depois da sua detenção em novembro de 2014, Sócrates não deixa de comentar o inquérito criminal de que é alvo há dois anos e meio. Volta a denunciar o incumprimento dos prazos legais para deduzir acusação contra si, a investigação decorre há 43 meses, assinalando que isso põe em causa os seus direitos constitucionais. Acusa o Ministério Público de não querer prazos para deduzir acusação. Quando questionado sobre o que espera do último prazo, indicativo, 17 de março, para ser apresentada a acusação, responde:

“Estou preparado para que o Ministério Público reconheça que não tem nada contra mim e que seja feito o arquivamento do processo”.

E as novas suspeitas e arguidos que têm surgido recentemente na Operação Marquês e que envolvem o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, e os ex-gestores da Portugal Telecom, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro?

José Sócrates compara o surgimento de novos casos com outras empresas e negócios que foram investigados no inquérito de que é alvo, como o Grupo Lena, Parque Escolar e Vale do Lobo, para dizer que não têm fundamento. Lembrando que o Zeinal Bava e Granadeiro, que foram constituídos arguidos na Operação Marquês na sexta-feira passada, estavam a ser investigados num inquérito autónomo, relacionado com os investimentos da PT na Rioforte, diz que foram trazidos para encher de substância o seu processo.