As crianças são o público-alvo da peça “Processo Fadas”, que se estreia no sábado, n’A Barraca, em Lisboa, baseada num caso verídico, na qual a encenadora tem por objetivo debater com as crianças quais os limites da verdade e da mentira. “Estas crianças [da peça] foram coagidas por adultos a mentir e mantiveram a mentira durante anos. Ainda por cima são instigadas a mentir sobre um mundo — o místico, o das fadas — que os adultos fazem ver às crianças que não existe”, disse a encenadora Rita Lello no final do ensaio de apresentação da obra à imprensa.

A peça baseia-se numa história verídica, passada em 1917, quando duas raparigas, Elsie, de 16 anos, e a sua prima Frances, de 10, se tornaram conhecidas na imprensa britânica, pela mão do escritor Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. A ilustrar o artigo de Natal de Conan Doyle, na revista The Strand, em 1917, o escritor utilizou a primeira de cinco fotografias das primas com fadas, que ficou para a história como “O caso das fadas de Cottingley”.

Inspirado numa dinâmica racionalista do teatro documental, “Processo Fadas” propõe assim tratar um tema do domínio do mágico e do espiritual, utilizando material disponível sobre o caso, e convocando um debate com o público acerca deste caso que foi considerado um dos maiores embustes do século XX. “O que se pretendeu foi fazer uma reflexão interativa sobre a fonteira, entre a verdade e a mentira, o material e o espiritual”, acrescentou Rita Lello.

Embora na peça se refira que as crianças inglesas veem fadas, e que “em Portugal, os três pastorinhos veem a mãe de Jesus em cima de uma árvore”, Rita Lello diz que não lhe interessou “minimamente traçar qualquer paralelismo” entre o caso de Cottingley e as aparições de Fátima. “Não foi esse o objetivo da peça, apesar de haver estudos com esses paralelismos”, frisou, acrescentando que o que lhe despertou curiosidade, na peça teatral, foi como aquelas “crianças inventaram uma mentira, com o beneplácito da mãe de uma delas, e foram sempre apoiadas por Arthur Conan Doyle, que, na altura, acreditou mesmo na existência das fadas”.

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“Por um lado entende-se o ‘Caso de Cottingley’, já que a Europa se encontrava mergulhada e destruída pela I Grande Guerra, o que favoreceu um avanço do misticismo”, disse. Rita Lello acredita que as duas crianças acabaram por mentir, porque a mãe de Elsie pretendia integrar a Sociedade Teosófica, uma organização mística internacional que pretendia divulgar os ensinamentos de teosofia.

“Mas o que é um facto, é que também Conan Doyle acabou por acreditar nas crianças e insistir na existência das fadas. Tanto assim que publicou o livro ‘A vinda das fadas'”, referiu. O “Caso das Fadas de Cottingley” acabou por perder o interesse ao longo dos tempos, ganhando um novo contorno quando, em meados dos anos 1980, as primas afirmaram que as fotografias eram falsificadas, à exceção da quinta e última imagem.

“Processo Fadas” tem texto e espaço cénico de Rita Lello, que também assina a encenação, e interpretação de Adérito Lopes, Sara Rio Frio, Rita Soares e Sónia Barradas. A locução é de Maria do Céu Guerra, Paula Guedes e Samuel Moura, e os figurinos são de Maria do Céu Guerra. Vai estar em cena aos sábados, às 16h00, e aos domingos, às 11h00, até 30 de abril.