O governo conservador de Theresa May, primeira-ministra britânica, pode estar a poucas horas da sua primeira derrota parlamentar desde que o processo legal para avançar com o Brexit se iniciou. A Câmara Alta britânica está reunida para escrutinar e propor emendas ao projeto de lei aprovado pela Câmara dos Comuns, que deu a Theresa May plenos poderes para retirar o país da União Europeia, assim que o desejar, e há pelo menos um ponto a gerar discórdia. O documento que autoriza o Brexit, um prodigioso exercício de concisão, tem sido criticado pela ala esquerda dos Lordes — e também por alguns conservadores — por não conter qualquer menção à salvaguarda dos direitos dos emigrantes europeus residentes no Reino Unido e pode vir a ser parado pela Câmara Alta já esta quarta-feira.

O projeto de lei ainda está na fase de análise e um voto para o fazer regressar à Câmara dos Comuns nesta fase é “tão raro como um hipopótamo branco”, disse uma fonte dos Lordes ao diário Guardian, mas é precisamente isso que se espera. A emenda dos trabalhistas pede que os ministros de May apresentem propostas concretas para a proteção dos direitos de todos os cidadãos europeus residentes no Reino Unido num máximo de três meses depois de ativado o Artigo 50, a cláusula do Tratado de Lisboa que torna oficial a cisão de um país com a União Europeia.

Se não passar na Câmara dos Comuns nesta fase de comité, o projeto de lei poderá entrar num “pingue pongue” entre as duas Casas, um processo que pode adiar indefinidamente a aprovação do documento como o Observador já explicou. Ninguém quer que isto aconteça, nem os que se opõem à saída da UE porque o processo democrático não deve parar e já foi aceite pela larga maioria dos deputados e dos Lordes que a decisão dos eleitores britânicos será respeitada. Isto apesar de não estar totalmente posta de parte a hipótese de que os Liberais Democratas venham a propor um segundo referendo às condições negociadas por May no fim do processo.

O governo tentou impedir esta “medida drástica” dos Lordes na terça-feira através de Amber Rudd, secretária de Estado da Administração Interna, que enviou um comunicado à Câmara Alta insistindo não haver “qualquer dúvida” de que os cidadãos europeus merecem da parte do governo “nada menos do que todo o respeito”. Rudd garantiu que o estatuto dos emigrantes europeus estaria no topo da sua lista de prioridades assim que as negociações com a União Europeia tivessem início, e que o governo não iria agir “unilateralmente” porque isso também colocaria em causa a posição dos britânicos que vivem no Continente.

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Dick Newby, que é o líderes dos Liberais Democratas nos Lordes disse que, entre os membros da Câmara Alta, “se nota um claríssimo desejo para legislar de forma a garantir que os residentes europeus têm direito a permanecer”. Os conservadores não detêm uma maioria na Câmara dos Lordes e pelo menos quatro deverão votar ao lado da oposição – Peter Bowness, Ros Altmann, Patience Wheatcroft e Michael Heseltine.

A carta de Rudd pode ter prejudicado mais do que ajudado o governo a passar o projeto “sem espinhas” já que a carta sugere que o governo não está preparado para assinar qualquer compromisso quanto ao calendário exigido pelos trabalhistas — que os direitos dos cidadãos europeus sejam discutidos e reafirmados em lei num máximo de três meses depois no início das conversações formais. Anne Smith, líder dos trabalhistas na Câmara dos Lordes classificou a mensagem como “extremamente dececionante” e disse mesmo que “abriu caminho para uma derrota do governo” nos Lordes. “A continua utilização dos cidadãos europeus como uma espécie de moedas de trocas não só é uma vergonha como pode ter um terrível impacto na economia do Reino Unido e nos serviços mais essenciais”, disse Smith.

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Na semana passada a primeira-ministra britânica foi notícia no diário Daily Telegraph por estar a planear, alegadamente para muito em breve, a 15 de março, uma completa redefinição das leis da imigração. Quem entrar depois, perde o direito de viver permanentemente no Reino Unido mas os mais de três milhões de europeus que já vivem no Reino Unido garantiriam todos os seus direitos laborais, de acesso à saúde e residência. Uma fonte do governo disse ao jornal britânico que se não se tomassem atitudes rápidas “metade da Roménia e da Bulgária” entraria no Reino Unido durante o período de “graça”, ou seja, até à data final para o Brexit (previsto para os últimos dias de ,arço)

Mais um buraco na estrada que Theresa May sempre disse querer percorrer sem qualquer atraso. Isto (também) na semana em que o governo enfrentou um coro de críticas por estar a ponderar sair da União Europeia sem um acordo comercial em cima da mesa. O ministro para o Brexit, David Davis, já disse ao gabinete de ministros que é preciso o país prepara-se para essa possibilidade enquanto o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, disse estar cansado de “murmúrios e queixumes” sobre os riscos do Brexit. “Todas as gerações ouvem prognósticos deprimentes e olhem para nós agora, vivemos mais do que algum dia vivemos, somos mais saudáveis do que algum dia fomos”, disse Johnson.

Mas há quem discorde e quem peça cautela. George Osborne, ex-ministro das Finaças, avisou Theresa May para garantir que o Reino Unido não quebra os laços “com o maior mercado de exportações” já que “sair do mercado único seria o maior ato de protecionismo da história da Grã-Bretanha”.