É um volte-face na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Afinal, os partidos da maioria de esquerda vão permitir a distribuição aos deputados e a consulta da troca de correspondência, via cartas e emails (não SMS), entre António Domingues e o ministério das Finanças, relacionada com as condições acordadas para liderar a CGD. A decisão tomada esta quinta-feira na reunião na comissão de inquérito, a primeira dirigida pelo social-democrata Emídio Guerreiro, e contraria o que foi decidido há 15 dias.

Em causa está uma manobra protagonizada pelo CDS, que decidiu voltar a apresentar o mesmo requerimento sobre os emails, mas desta vez a título potestativo (obrigatório). Os documentos já foram entregues por Domingues ao Parlamento mas foram impedidos pela esquerda de ser usados no âmbito do inquérito, sob o argumento de estarem foram do objeto de atuação daquela comissão.

Perante o requerimento do CDS, cuja votação o PCP tinha pedido para adiar, foram os comunistas que anunciaram a decisão. “Não faz sentido encaminhar o requerimento de uma documentação que já foi entregue ao Parlamento, por isso sugiro a distribuição dessa documentação pelos documentados”, disse o deputado Paulo Sá, sublinhando que a documentação “não deve ser tornada pública, mas deve ser acessível a todos os membros desta comissão para que possa ser consultada, mas não reproduzida, fotocopiada, etc.”

A 14 de fevereiro ficou decidido, por imposição dos partidos da esquerda, que a correspondência e mensagens de correio eletrónico trocadas entre António Domingues e o Ministério das Finanças, que foram enviadas pelo ex-presidente da CGD ao Parlamento, não seriam distribuídas aos deputados e ficariam de fora dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao banco do Estado. Isto porque a maioria de esquerda representada no inquérito considerou que o tema não estava abrangido pelo objeto da comissão de inquérito. A documentação, que chegou ao Parlamento há cerca de um mês e que entretanto já foi, em parte, reproduzida na comunicação social, dirá respeito às condições colocadas por António Domingues para aceitar o cargo de presidente da Caixa. Tanto quanto se sabe, nessa troca de correspondência não consta nenhuma resposta taxativa da parte do Governo a assumir a existência de um acordo sobre a isenção da obrigatoriedade de gestores declararem rendimentos no TC.

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Esquerda trava acesso a comunicações entre Domingues e Finanças na comissão de inquérito

Ao Observador, contudo, o coordenador do PS na comissão de inquérito, João Paulo Correia, defende que antes a esquerda tinha votado contra a admissibilidade dos documentos por estarem fora do objeto da comissão, e agora apenas permite a distribuição e consulta dos mesmos porque “houve deputados que acharam que também deviam ter consultado a documentação”. Ou seja, no entender do PS, os documentos continuam a não ser admissíveis no âmbito da comissão, apesar de poderem ser consultados a título de “curiosidade” pelos deputados.

Mas o PSD e o CDS congratularam-se pela “cambalhota” dos partidos da esquerda. “Queremos saudar efusivamente a evolução de pensamentos do PCP e do BE que hoje permitem aos meus deputados terem consciência dos documentos que foram enviados pro António Domingues, é um grande sinal de respeito por todos os deputados desta comissão”, disse o deputado Hugo Soares. Também João Almeida, do CDS, saudou o facto de finalmente não haver “deputados de primeira e de segunda” e de, com esta decisão, “concretizar-se a missão da comissão”.

A história é antiga e promete dar muito que falar. Começou quando o CDS pediu o acesso aos emails e a comissão alinhou tacitamente com esse requerimento. António Domingues acedeu e enviou os emails à comissão. Mas quando a correspondência efetivamente chegou ao Parlamento, PCP e BE alinharam com o PS no argumento de que os documentos não eram admissíveis por não se enquadrarem no objeto da comissão de inquérito. Ou seja, primeiro admitiram o requerimento assumindo que estava dentro do objeto da comissão, mas quando foi dado seguimento a esse requerimento, argumentaram que não era admissível porque não estava dentro do objeto. Com o intuito de expor esta contradição, o CDS voltou a apresentar o mesmo requerimento, o que levou os deputados da esquerda a entenderem que, para o Parlamento não voltar a requerer documentos que na prática já foram enviados, se procederia à sua distribuição pelos deputados.

O problema é que a uma decisão correspondem dois entendimentos diferentes: o CDS e o PSD entenderam que os documentos, ao serem distribuídos por todos os deputados da comissão, seriam admitidos e incluídos no relatório final, mas… o PS entende que continuam a estar fora do objeto da comissão de inquérito e, por isso, continuam a não ser admitidos na comissão. Mas esta posição foi apenas transmitida aos jornalistas, já fora de portas da comissão de inquérito, uma vez que o “equívoco” não foi desfeito durante a reunião.

“A documentação continua fora do objeto da comissão de inquérito, continuamos a rejeitar a admissibilidade dos documentos”, disse João Paulo Correia. E questionado sobre se então os deputados iriam consultar os emails por “curiosidade”, o deputado socialista respondeu “sim”. “Os 17 deputados têm igual direito de acesso, quer a documentação seja aceite ou não”, resumiu.