O primeiro implante de coração artificial realizado em Portugal durou cerca de três horas e não foi “um passe de mágica, nem uma atitude aventureira”, garantiu José Fragata, diretor do serviço de cirurgia cardiotorácica no Hospital de Santa Marta. Um dia depois da operação, o doente está “bem”, mas há ainda etapas a passar. A equipa médica está satisfeita, mas ambiciona mais. O objetivo é que mais doentes tenham acesso a este dispositivo.

“Isto não é um passe de mágica, nem uma atitude aventureira. É um projeto de há um ano, implicou deslocações ao estrangeiro, e é um projeto de trabalho no contexto de uma equipa conjugada que engloba a cirurgia cardíaca, a cardiologia e a cirurgia vascular”, frisou o diretor do serviço, em conferência de imprensa, esta terça-feira, destacando a importância de todo um conjunto de profissionais que ficam nos bastidores.

José Fragata, diretor do serviço de cirurgia cardiotorácica no Hospital de Santa Marta. Créditos: Global Imagens.

O implante inédito em Portugal teve lugar na segunda-feira no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, e era a única solução para o homem de 64 anos, reformado, e antigo técnico de máquinas de escritório. A doença renal grave que também tem impedia-o de ser submetido a um transplante com coração de dador.

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Para este senhor tínhamos duas alternativas: deixá-lo entregue à sua sorte ou implantar-lhe um coração artificial que fica dentro dele e ligado por um cabo ao exterior”, explicou o médico, que optou pela segunda via.

Aquilo que a equipa do Hospital de Santa Marta implantou neste doente foi uma “bomba muito diferenciada, que funciona por levitação magnética” e que “aspira o sangue da ponta do ventrículo esquerdo do coração e injeta-o na aorta”. Essa bomba está ligada por uma drive line externa que sai pela parede abdominal do doente e que se liga a um conjunto de baterias, explicou José Fragata.

Esse conjunto de baterias, por sua vez, é depositado num saco que o doente pode transportar a tiracolo. “É como um telemóvel que dura 17 horas de carga e que eu à noite tenho de ligar quando chego a casa.”

“Parece que vai ser um sucesso, mas temos ainda algumas etapas para queimar”

O doente está neste momento “bem” e “consciente”, mas ainda ventilado. “Parece que vai ser um sucesso, mas temos ainda algumas etapas para queimar”, sublinhou o médico, acrescentando que, se tudo continuar a correr bem, o doente terá alta dentro de 15 dias. “Queremos ter este senhor em pé e a andar.”

E a correr mesmo bem, este senhor de 64 anos, reformado, e antigo técnico de máquinas de escritório, em Lisboa, “só” não poderá “fazer desportos aquáticos de contacto”. Mas poderá “jogar golfe, caçar, ir ao cinema, guiar carros”, ou seja “fazer a sua vida”, garantiu o médico.

Isto é um corpo estranho, mas não rejeita porque é metal. É um implante”, explicou o especialista em cirugia cardiotorácica, frisando porém que o sangue passa pelo implante e “pulsa a 5.000 vezes por minuto”, pelo que “os doentes têm de estar anti-coagulados para o sangue não coagular aqui dentro. Não vivem com imunossupressão, mas vivem com hipocoagulação”.

Na mesma conferência, a presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Central, Ana Escoval, disse que já foi ver o doente que “está excelente” e levantou o polegar num sinal de que tudo estava bem, aproveitando para dar e reiterar os parabéns a toda a equipa envolvida.

“Isto é muito caro e implica um esforço tecnológico enorme”

Outro dos pontos focados pelo médico do Hospital Santa Marta, José Fragata, foi o do custo de um procedimento deste género. José Fragata repetiu inúmeras vezes que o implante efetuado é “muito caro”. E, questionado pelos jornalistas, avançou com números: cada dispositivo custa cerca de 100 mil euros.

Por segurança, temos de ter dois dispositivos comprados e o dispêndio público só para isto foram cerca de 200 mil euros, sem custas hospitalares, sendo que a produção interna aqui de um doente saído custa-nos à volta de 7.000 euros.”

“A medicina tornou-se perigosa e cara. A medicina faz hoje coisas impensáveis. E há determinados programas que não podem estar disseminados por muitos hospitais”, rematou o médico, defendendo que deve haver “algum critério”, porque o país não tem dinheiro para pagar procedimentos destes indiscriminadamente. E acrescentou: “Nunca conseguiremos ter experiência se não tivermos casuística”, ou seja, é preciso que se concentre este tipo de procedimentos em uma ou duas unidades no país para que as equipas estejam treinadas.

Esquema e algum do material usado no transplante. Créditos: Global Imagens.

1.200 corações artificiais em funcionamento no mundo

Em Portugal, esta foi a primeira vez que se implantou um coração artificial num doente, mas no mundo há cerca de 1.200 corações artificiais em funcionamento, afirmou José fragata, acrescentando que “há pessoas que chegam a viver um período de 10 e 11 anos” após o implante.

O primeiro implante deste género terá sido feito há “uns cinco ou seis anos” e, desde então, a técnica tem sido melhorada e é “uma cirurgia comum em países civilizados da Europa e nos Estados Unidos”. Mesmo aqui ao lado, em Espanha, há 20 implantes feitos.

“Em Portugal é a primeira vez . Nós ficamos muito contentes com as primeiras vezes, mas as primeiras vezes só marcam o início e nós queremos dar continuidade a este projeto”, frisou o médico que, ao longo da conferência, reiterou a sua satisfação e a da equipa, mas relativizando o acontecimento em si.

Se calhar é um momento histórico para aquele doente, se correr bem. E é por isso que nós estamos aqui, isto não tem qualquer demagogia. (…) Ficamos satisfeitos, mas é pouco. Queremos continuar.”

No país há, neste momento, entre 20 a 30 pessoas à espera de transplante cardíaco e, dessas, “quatro, cinco ou seis poderão ser candidatas a este tipo de procedimentos”.

José Fragata aproveitou ainda o momento para fazer um enquadramento sobre a falência do coração, dizendo que é “uma das doenças crónicas mais gravosas” que se trata “normalmente com medicamentos”, mas que há doentes “que já não colhem benefício dessa terapêutica”. “Mais de 50% destes doentes morrem ao fim de três anos. É pior que uma neoplasia ultrapassada”, garantiu o especialista.