O comissário europeu para os Direitos Humanos, Nils Muiznieks, denunciou o “grande problema” de Portugal em matéria de habitação, particularmente em relação aos ciganos, defendendo que se trata de um desafio a longo-prazo que tem de ser resolvido. Garantiu ainda que está a acompanhar a situação em Moura, onde a comunidade cigana foi alegadamente alvo de manifestações racistas, afirmando que em causa estão “crimes de ódio muito sérios”.

De visita a Portugal durante três dias, e cinco anos depois de ter estado no país pela primeira vez, Nils Muiznieks deslocou-se a Torres Vedras para perceber o ponto da situação das políticas de integração dos ciganos em Portugal, já que a sua vinda insere-se no âmbito do seu trabalho de monitorização.

Em entrevista à agência Lusa, o comissário europeu apontou que Portugal tem um “grande problema” para resolver, que é o “grande défice de habitações em geral, mas em particular entre os ciganos”.

“Este é um problema mais amplo que tem de ser resolvido e é reconhecido pelo Governo. Estão à procura de fundos para o fazer, mas tem de haver uma política de habitação de longo-prazo, habitação social, adaptada não só aos ciganos, mas a todos os grupos vulneráveis que precisam de habitação”, disse Nils Muiznieks.

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Para o comissário europeu, trata-se de um “desafio a longo-prazo que ainda tem de ser resolvido”, mas que não é o único que Portugal tem de enfrentar no que diz respeito às comunidades ciganas.

“Resolver as condições sociais, da habitação, saúde, educação, sendo que os dados para a educação são bastante dramáticos, de acordo com o que li sobre Portugal, em que 15% de todos os ciganos são iletrados e 25% de todas as raparigas também”, apontou.

No entanto, no que diz respeito aos direitos das mulheres, o comissário europeu referiu que o que se passa em Portugal não é diferente do que se passa noutros países europeus, “em que em muitas comunidades há papéis de género muito tradicionais”.

“Há o reconhecimento da necessidade de dar mais poder às mulheres e de mudar a atitude dos homens no que diz respeito às mulheres ativas”, apontou o comissário, acrescentando ter ficado com a perceção de que tanto os mediadores ciganos como as autoridades nacionais “estão conscientes desse desafio”.

Nils Muiznieks concorda que estes não são problemas que possam ser mudados “do dia para a noite”, mas defendeu que seja criada uma estratégia de longo-prazo, com fundos, objetivos, monitorização e com “muito envolvimento por parte da comunidade cigana”.

Uma das recomendações deixadas pelo comissário europeu ao Governo português foi a de envolver a polícia “tanto quanto possível” num diálogo com as comunidades locais, já que frequentemente as relações entre estas duas partes “são tensas”.

“É claro que a polícia também precisa de formação e precisam de recrutar junto das comunidades minoritárias para o serviço policial para que reflitam a sociedade no seu todo”, sustentou.

Defendeu igualmente que são necessários organismos antidiscriminação mais ativos e que os serviços do provedor de Justiça se devem dar mais a conhecer para que a comunidade saiba da sua existência e de como é que a podem ajudar.

Nils Muiznieks referiu, por outro lado, que abordou com a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, o facto de Portugal ter muitos planos setoriais para os mais diversos temas e que “se calhar seria mais útil ter um plano de ação pelos direitos humanos”.

“Ajudaria a identificar falhas e a avançar de uma forma mais estratégica”, justificou.

Em matéria de discriminação e preconceitos, o comissário europeu defendeu que muitas vezes são resultados de não se falar com a comunidade maioritária quando os governos tentam implementar programas de integração.

Entendeu, por isso, que é preciso interação entre a comunidade maioritária e as várias minorias, apontando que “são precisos incentivos para que as pessoas interajam porque a interação é que impede a segregação”: “Quando as pessoas vivem separadas, quando vão para escolas diferentes, é quando há discriminação”.

Nils Muiznieks elogiou, por outro lado, o facto de, no intervalo de cinco anos entre as duas visitas, Portugal ter procurado construir uma base de informação “muito melhor”, o que permitiu conhecer melhor as necessidades das comunidades ciganas.

Destacou também o programa de mediadores, mas também o programa ‘Opré Chavalé’, através do qual o Governo atribui bolsas de estudo a jovens ciganos que queiram estudar no ensino superior.

Disse ainda ter ficado muito satisfeito por saber que o Governo aumentou de 50 mil euros para 150 mil euros o orçamento destinado a vários programas de organizações não-governamentais (ONG).

Em entrevista à agência Lusa, o comissário europeu explicou que parte do objetivo da sua visita era, também, perceber se havia problemas sérios que precisassem ser resolvidos e que o Governo não os estivesse a resolver.

“Quero ver e perceber como é que este incidente em Moura está a ser resolvido porque, para mim, essa é uma situação muito séria”, afirmou.

Em causa estão vários incidentes registados na aldeia de Santo Aleixo da Restauração, no concelho de Moura, denunciados pela associação SOS Racismo, no final de fevereiro, como manifestações racistas e xenófobas contra a comunidade cigana local.

Ameaças de morte pintadas nas casas, bombas lançadas para os quintais, caixões colocados à porta, um cavalo envenenado e habitações e carros incendiados são alguns dos exemplos de ameaças, segundo a organização.

“Um cavalo morto, uma igreja incendiada, várias pessoas forçadas a abandonar as suas casas por causa dos incêndios, ameaças feitas através de grafites, para mim são crimes de odeio muito sérios, que afetam toda a comunidade e têm de ser resolvidos de uma forma séria pelas autoridades”, defendeu Muiznieks.

O comissário europeu disse ter ficado “muito aliviado e descansado” por saber que o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) apresentou queixa junto do Ministério Público e que este vai investigar.

“Cabe agora ao Ministério Público e à polícia encontrar as pessoas que estão a cometer estes crimes, detê-las e puni-las de uma forma muito firme porque estes são crimes muito sérios”, apontou.

Nils Muiznieks garantiu que vai “acompanhar de perto” e “cooperar de alguma forma” com as autoridades nacionais para perceber quais vão ser os passos seguintes.

A queixa do ACM foi apresentada no início do mês de março, depois de a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) ter considerado que havia “indícios da prática do crime de discriminação racial em razão da etnia”, em Santo Aleixo da Restauração, concelho de Moura.

Na mesma altura, a deputada do Partido Socialista Idália Serrão disse ter ficado preocupada com as alegadas manifestações racistas contra a comunidade cigana da aldeia e que já tinha questionado o município de Moura sobre o assunto.

Na altura, a deputada socialista deu conta de relatos sobre a “existência de inscrições xenófobas nas paredes do edificado, insultos a cidadãos de todas as idades, incluindo crianças e idosos, e ainda a destruição pelo fogo de habitações e viaturas e o envenenamento de animais”.