Não é o primeiro caso a dar à estampa. Muito menos será o último.

Muitos oficiais nazis, e logo após a rendição alemã na II Guerra Mundial, fugiram da Europa e refugiaram-se sobretudo na América Latina, mas também nos Estados Unidos. O caso mais conhecido é talvez o de Adolf Eichmann, chefe da Secção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança alemão e responsável pela deportação de centenas de milhares de judeus para campos de concentração nazis. Eichmann seria capturado pela Mossad (as secretas israelitas) na Argentina, transportado depois para Jerusalém, julgado e condenado à pena de morte.

O caso de Michael Karkoc, hoje com 98 anos, é diferente – desde logo, porque este continua sem ser julgado -, mas igualmente sanguinário como o de Eichmann.

Karkoc chegou aos EUA em meados de 1949. Nos documentos entregues à época aos serviços de imigração norte-americanos lê-se que Michael Karkoc nunca cumpriu o serviço militar e que durante a guerra trabalharia com o pai em carpintaria, profissão que foi sempre a sua desde que chegou ao Minnesota. Uma década depois adquiriu a cidadania norte-americana. Casou, teve filhos. E despiu a farda de oficial das SS para não mais a vestir. Para não mais alguém dela se lembrar.

Mas alguém se lembraria dela: a Associated Press conduziu uma investigação jornalística, cruzando depoimentos e documentação, que levou à localização e identidade do antigo oficial nazi — o facto de Karkoc nunca ter, como outros nazis em fuga, alterado o nome, facilitou o trabalho da agência noticiosa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas, voltando à farda. Enquanto a vestiu, primeiro na Legião de Autodefesa Ucraniana, depois nas SS de Hitler, Michael Karkoc ganhou um epíteto: a “Besta de Chlaniów”. E tudo porque logo após um oficial nazi ter sido abatido a tiro nesta localidade polaca, o próprio Karkoc ordenou um “castigo” àquela população, queimando casas, matando indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, quarenta e quatro ao todo. Foi a 23 de julho de 1944. Mas estas não são as únicas chacinas atribuídas a Michael Karkoc. Outras antecederam a de Chlaniów. Outras lhe sucederiam até à rendição alemã.

O problema é que Karkoc, por ter hoje cidadania norte-americana, se recusa a ser julgado na Polónia — o país pediu a sua extradição aos Estados Unidos –, enviando até declarações médicas para o Ministério Público polaco atestando a impossibilidade (derivado à idade avançada e, por conseguinte, à fragilidade da sua saúde) em se deslocar ao tribunal. “Não existe uma só prova que demonstre que o meu pai teve atividades criminais”, acrescentaria o filho.

No entanto, a Justiça polaca garante ter “100%” de certezas quando à culpa de Karkoc. E insistirá em levá-lo a julgamento. Quase centenário, e mais de meio século após a sua fuga, o passado aguarda-o.