“Vocês vão ter de contactar com políticos e essa ligação vai ser a chave para serem bem sucedidos ou mal sucedidos.” As palavras são de Carlos Moedas, comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, dirigidas às centenas de empreendedores que estavam presentes no Caixa Empreender Award, iniciativa da Caixa Capital que decorreu na quinta-feira, na Culturgest, e que consagrou a startup de segurança informática Probe.ly como vencedora.

“Vamos refletir sobre o que se está a passar na Europa, porque é que as pessoas estão tão desiludidas e porque é que precisamos de nos reconectar com elas”, afirmou Carlos Moedas, admitindo que o alheamento e o afastamento das pessoas do projeto europeu é notório. Mas se, por um lado, o comissário europeu acredita que é tempo de ver a Europa “renascer depois de desastres como o Brexit”, por outro, defende que pensar no futuro “não está só nas mãos da Comissão”. “Está nas mãos de todas as pessoas decidir”, notou.

Para Carlos Moedas, os empreendedores dos próximos dez, vinte anos, vão ser “muito diferentes” dos do passado.

Vocês vão ter de lidar com os políticos, quer queiram, quer não, porque se vão meter em negócios que são muito regulamentados. Soluções digitais para a saúde, comida, energia ou água, são áreas muito regulamentadas”, avisou o comissário europeu.

Mas estará a comunidade tecnológica disposta a entrar no campo da discussão política? O comissário europeu não tem dúvidas de que os empreendedores terão de fazer um trabalho conjunto com os governos e com a União Europeia.

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Vocês podem pensar o que quiserem sobre os políticos mas vão ter de contactar com eles e essa ligação vai ser a chave para serem bem sucedidos ou mal sucedidos”, reforçou.

“Os políticos não sabem como vai ser o futuro”, por isso, “é preciso sentar à mesa” as autoridades europeias, autoridades nacionais, reguladores, o país, “as diferentes partes do puzzle”, com o empreendedor – uma colaboração entre poderes para perceber que necessidades, dificuldades ou barreiras podem ser ultrapassadas. “Vocês devem conectar-se com os políticos porque vocês não têm a ‘chave’ e eles também não. Temos de fazer isso juntos”, avisou.

Carlos Moedas explicou que têm sido feitas “experiências” para perceber como devem ser as leis no futuro, ajudando empreendedores com questões de regulamentação que não se adequem aos negócios que operam.

Os empreendedores devem dizer-nos: ‘não consigo fazer este produto ou não consigo entrar no mercado porque a vossa lei não deixa’, e nós, como políticos, vamos rever ou porque é que é assim, se é a legislação, ou se é um problema de interpretação”, explicou. “Há muitas coisas que nós [Comissão Europeia] fazemos mal, mas muitas vezes há uma perceção mais negativa do que realmente é. Em 70% dos casos não temos de mudar a regulamentação, é sobre a interpretação da lei”, acrescentou.

“Somos um dos poucos lugares que financia a intuição das pessoas”

Carlos Moedas aproveitou a ocasião para falar de alguns instrumentos da União Europeia para a promoção do empreendedorismo. No ano passado foi criado o European Innovation Council (Conselho Europeu de Inovação), um grupo de especialistas em negócios, empreendedores, investidores. Paralelamente foi criado um instrumento de participação com open calls para que qualquer pessoa possa mostrar as suas ideias.

“Uma certa altura, o Spotify foi à Comissão [Europeia] e não conseguiu nenhum fundo porque a Comissão nunca percebeu se eles eram só uma empresa de música ou uma empresa digital. Eles não se encaixavam numa caixa”, referiu. A ideia do Conselho Europeu de Inovação é precisamente “não haver caixas”, salientou.

“Nós [UE] somos um dos poucos lugares que financiamos a intuição das pessoas. Mas depois não estamos a comunicar a perdemos a ligação com as pessoas. Temos de arranjar novas formas de comunicar”, referiu Carlos Moedas, admitindo que muito do trabalho que a Comissão Europeia faz não é conhecido.

A saída de talento da Europa para os Estados Unidos também é comum dada a necessidade e a dificuldade dos empreendedores europeus em captar financiamento.

Encontro-me com muitos empreendedores que começaram a desenvolver a ideia na Europa mas que chegam a um ponto em que precisam de 50, 60 milhões e não conseguem encontrar dinheiro na Europa para fazer isso. Por isso têm de procurar venture capitalists (investidores em capital de risco) nos Estados Unidos”, referiu.

O comissário europeu para a inovação explicou ainda o “SME Instrument”, um fundo de 3 mil milhões para pequenas e médias empresas, inserido no Programa-Quadro Horizonte 2020 (2014-2020), programa europeu de financiamento para a ciência e inovação, em que cada projeto pode receber de 50 mil euros, para desenvolver uma ideia, a 3 milhões de euros para transformar a ideia em negócio.

De acordo com informação da União Europeia, durante os dois primeiros anos de implementação (2014 e 2015), mais de 1.200 pequenas e médias empresas foram selecionadas e foram investidos cerca de 513 milhões de euros. Até 2020, a previsão é de que sejam apoiadas 7.500 empresas a lançar os seus projetos no mercado.

Dirigido às centenas de empreendedores presentes no auditório da Culturgest, Carlos Moedas recuperou o episódio em que Bertrand Piccard, um dos criadores do Solar Impulse – avião movido a energia solar – não conseguia financiamento para avançar com o projeto. “Ele foi bater à porta de todas as construtoras de aviões e toda a gente lhe disse que era impossível. A uma certa altura, encontrou um construtor de barcos e conseguiu. O construtor de barcos não sabia se era impossível”, contou.

Quando tu inovas, inovas em alguma coisa que não compreendes completamente. Se não for assim, nem vale a pena ir por aí”, considerou. “A minha mensagem para vocês é para não resistirem, mas para colaborarem”, reforçando a necessidade de cooperação entre os poderes.

Sobre Portugal, Carlos Moedas diz que se está a tornar num “excelente país para empreendedores”, em parte porque as novas gerações têm “muito mais confiança” do que as do passado. A Web Summit foi “um ponto de viragem” para Lisboa, referiu. “Acho que a Lisboa do meu tempo de criança não existe mais. É um lugar com muita diversidade, o que é muito recente na cidade e em Portugal”, concluiu.