Numa das zonas mais emblemáticas do Bairro Alto, em Lisboa, fica um sítio que aqui se estabeleceu quando o Príncipe Real não era paragem obrigatória de centenas de turistas e dezenas de tuk-tuks. A Antiga Casa Faz Frio é um restaurante com mais de 100 anos — há mesmo um número perto dos 150 que aparece quase sempre que se escreve sobre esta casa famosa pelo seus pratos de bacalhau — à sexta-feira é quase obrigatório comer o bacalhau à brás.

A notícia chegou pela rede social Facebook, onde um grupo de pessoas indignadas com o que consideram a “razia” da febre imobiliária às lojas tradicionais da cidade, se organizaram numa petição para salvar o espaço. No fim do dia contava com 548 assinaturas. Mas pode ser tarde de mais — ou então pode nem ser precisa.

Quando o Observador chegou, o Faz Frio estava naquela hora calma, que antecede os jantares “sempre atarefados”, como refere um dos sócios do espaço, Mário Gouveia, que gere o restaurante há três anos, mas já aqui trabalha há mais de 35.

As notícias que saíram dão conta do fecho iminente do espaço mas isso não é certo que aconteça. “Eu vou-me embora no fim do ano mas não sei o sítio vai ou não continuar a funcionar como restaurante, ou como este restaurante”, diz Mário Gouveia. De manhã, à revista Time Out, o dono do Faz Frio tinha sido um pouco mais assertivo, colocando uma parte da culpa pelo eventual desaparecimento do espaço nos novos donos do prédio que “não estão sequer interessados em renegociar a renda”. Mas confrontado com estas palavras, Mário Gouveia diz que “não foi bem isso que disse”. “Ninguém nos empurrou daqui para fora, nós fizemos um acordo com os antigos donos do espaço para vendermos isto”, afirma. Diz também que recebeu telefonemas tanto do outro sócio como dos proprietários antigos avisando-o para que não fizesse muitas ondas sobre o caso até porque “o negócio está firmado” e por isso “não há mais nada a dizer sobre um assunto que já se está a tornar um conjunto de mal-entendidos”.

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Sobre o facto de que o prédio possa ter sido comprado pelo banco Edmond de Rothschild, Mário diz apenas que são coisas “que ouviu por aí” e que as pessoas “que estão nas escrituras são só pessoas com nomes como Manuel e António, representantes de alguém, normalmente”. A sucursal do banco fica na mesma rua que o Faz Frio. Um no número 130, este no 96.

Segundo Mário Gouveia, a renda do espaço “não subiu” desde que o prédio passou para os novos proprietários, mas “evidentemente viria a ser aumentada mais tarde”. Ainda assim, diz que “não foi pelo eventual valor da renda” que decidiu sair, mas sim por “razões pessoais”. Não esconde contudo, a tristeza de deixar o espaço. “Claro que tenho pena de me ir embora daqui e mais pena tenho se isto de facto desaparecer”. Continuar está fora de questão. “Penso que não haveria forma de eu ficar aqui, não havia forma, foi um bom valor e o acordo está feito”, diz Mário Gouveia, que não quer dizer porque é que não pode continuar num espaço que gosta tanto, se ele continuar a funcionar como restaurante.

Lojas com História protegem o valor patrimonial

Segundo Mário Gouveia, a gerência do restaurante pediu ajuda ao projeto da Câmara Municipal de Lisboa “Lojas com História” ao abrigo do qual o interior e o património cultural e histórico das lojas mais antigas de Lisboa, sejam cafés, retrosarias ou sapatarias, ficam protegidas de qualquer alteração ao seu interior, mesmo que os donos mudem.

E o Faz Frio, como é conhecido, preenche os requisitos. A Antiga Casa Faz Frio foi durante muito tempo o esconderijo ideal para as tertúlias de dissidentes e para as conversas que os políticos não queriam ter à luz do dia. O restaurante está dividido em várias pequenas salas, separadas com paredes de madeira sem porta mas a convidar ao segredo. A meio das paredes brancas da sala maior começa um painel de azulejos antigos e os armários que emolduram o espaço são também de madeira, com janelinhas de vidro, onde os empregados vão buscar os copos de vinho tradicionais das tabernas: pequeninos e de pé baixo. Nas paredes, há quadros a preto e branco de profissões perdidas no tempo: varinas, amoladores, lavadeiras.

“Os interiores dos estabelecimentos identificados pelo programa Lojas com História, que contêm valor histórico e patrimonial não podem ser modificados e a Câmara de Lisboa só aprova planos de obras de requalificação que tenham em conta a necessidade de preservar esses espaços e o seu legado”, disse ao Observador Luísa Botinas, diretora de comunicação da Câmara Municipal de Lisboa.